O envelhecimento feminino no Brasil é atravessado por uma dupla camada de discriminação: o etarismo e o sexismo. Enquanto o etarismo atinge pessoas de todas as idades, a discriminação contra mulheres mais velhas é especialmente perniciosa, uma vez que se entrelaça com uma sociedade que historicamente valoriza a juventude e a beleza femininas em detrimento de outras características.

O resultado é que mulheres com o passar dos anos são frequentemente invisibilizadas, desvalorizadas e desconsideradas em diversas esferas da vida social, profissional e pessoal. Neste artigo, exploramos como o etarismo feminino se manifesta no Brasil contemporâneo, suas consequências e possíveis soluções para a construção de uma sociedade mais inclusiva.

O envelhecimento feminino no Brasil

O envelhecimento da população brasileira é uma realidade incontestável. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população com mais de 60 anos representava 14,7% em 2019 e a expectativa é de que, em 2030, esse número supere o de jovens de até 29 anos. Este fenômeno é ainda mais acentuado entre as mulheres, que possuem maior expectativa de vida em relação aos homens. No entanto, essa longevidade não se traduz em qualidade de vida ou reconhecimento social.

As mulheres idosas enfrentam barreiras específicas decorrentes do peso social que é atribuído à juventude e à aparência física. O envelhecimento do corpo feminino é visto com rejeição em uma sociedade que exalta o ideal da beleza juvenil como sinônimo de valor e sucesso. Para as mulheres, envelhecer é, muitas vezes, sinônimo de se tornar invisível, principalmente nas esferas do trabalho, do entretenimento e até nas relações sociais.

O conceito de etarismo e sexismo

O etarismo refere-se à discriminação baseada na idade, enquanto o sexismo é a discriminação com base no gênero. Quando combinados, criam uma dinâmica complexa que atinge de forma diferenciada as mulheres.

Um estudo realizado por Marques, Peres e Pereira1 mostrou que, no Brasil, mulheres acima de 50 anos são as mais afetadas pelo etarismo, especialmente no mercado de trabalho e nos meios de comunicação, onde a presença feminina tende a diminuir drasticamente a partir de uma certa idade.

O sexismo reforça o estereótipo de que as mulheres devem se enquadrar em padrões estéticos específicos para serem aceitas socialmente, e o etarismo, por sua vez, desvaloriza qualquer pessoa que não se ajuste ao padrão de juventude.

Essa combinação gera uma pressão intensa sobre as mulheres para que se mantenham "jovens" por mais tempo, recorrendo, muitas vezes, a tratamentos estéticos, dietas e cirurgias plásticas na tentativa de resistir à passagem do tempo.

Etarismo feminino no mercado de trabalho

Já no mercado de trabalho, o etarismo afeta homens e mulheres, no entanto, as mulheres são duplamente prejudicadas. O preconceito de que mulheres mais velhas são menos produtivas ou menos capacitadas é agravado pela ideia de que seu valor profissional diminui com a idade.

Embora a experiência e a sabedoria adquiridas ao longo dos anos sejam fatores cruciais para a produtividade, as mulheres mais velhas são frequentemente preteridas em processos seletivos ou demitidas em períodos de reestruturação de empresas.

Além disso, as pressões sociais sobre a aparência física fazem com que as mulheres sejam julgadas não apenas por sua competência profissional, mas também por sua aderência a padrões de beleza. Mulheres em cargos de liderança, por exemplo, enfrentam expectativas de se manterem fisicamente atraentes, uma exigência que não costuma ser imposta aos homens de mesma idade. Esses padrões são prejudiciais tanto para a saúde mental quanto para o bem-estar econômico das mulheres.

Representação na mídia e cultura popular

A mídia desempenha um papel fundamental na perpetuação do etarismo feminino. Em novelas, programas de televisão, publicidade e outros meios, as mulheres mais velhas são frequentemente retratadas de maneira estereotipada, como avós, matronas ou figuras secundárias e irrelevantes. Além disso, a imagem da mulher idosa raramente é associada ao sucesso, à sensualidade ou ao poder, ao contrário das imagens de homens mais velhos, que muitas vezes são apresentados como sábios e respeitáveis.

Um exemplo marcante é a presença de atrizes na televisão. Enquanto atores homens continuam a desempenhar papéis centrais à medida que envelhecem, as atrizes muitas vezes desaparecem ou são relegadas a papéis limitados, em que sua relevância social e cultural é questionada. Segundo Butler2, a ausência de representações positivas de mulheres idosas na mídia reforça a percepção de que a velhice feminina é um período de declínio.

Impactos na saúde mental

O impacto psicológico do etarismo feminino é profundo. A constante pressão para se manter jovem, a sensação de invisibilidade e a desvalorização social levam muitas mulheres a enfrentarem problemas de autoestima, ansiedade e depressão.

O envelhecimento, que deveria ser visto como uma fase natural da vida, é tratado como algo a ser evitado a todo custo. Essa rejeição ao processo de envelhecimento gera sofrimento emocional, vez que, as mulheres se sentem constantemente insuficientes ou inadequadas diante das expectativas irreais que a sociedade impõe.

Estudos mostram que o isolamento social é outro problema enfrentado por muitas mulheres mais velhas. A aposentadoria, a saída dos filhos de casa e a perda de entes queridos contribuem para que muitas idosas se sintam desconectadas de seu meio social. Esse isolamento, somado à falta de políticas públicas adequadas para a inclusão social e econômica destas mulheres, agrava ainda mais as consequências do etarismo feminino.

Caminhos para a inclusão

Para haver a superação do etarismo feminino no Brasil reque-se uma grande transformação cultural e política. É fundamental educar a sociedade sobre o valor da diversidade etária e de gênero, promovendo campanhas que combatam os estereótipos relacionados ao envelhecimento. Além disso, as políticas públicas devem ser reformuladas para garantir que mulheres idosas tenham acesso a oportunidades de trabalho, saúde e lazer em igualdade de condições.

Organizações e empresas têm um papel crucial nesse processo. A adoção de políticas de inclusão e diversidade etária é fundamental para combater o preconceito no ambiente de trabalho. Programas de requalificação profissional para mulheres acima de 50 anos, por exemplo, podem ajudar a reintegrar essas mulheres no mercado de trabalho, devolvendo assim, sua independência financeira e autoestima.

A mídia também deve ser responsabilizada por sua representação das mulheres idosas. O incentivo a produções que mostrem a pluralidade de papéis que essas mulheres desempenham na sociedade, seja como profissionais, líderes comunitárias, artistas ou cuidadoras, é essencial para mudar a percepção pública sobre o envelhecimento feminino.

Conclusão

O etarismo feminino no Brasil é uma forma persistente de discriminação que afeta milhões de mulheres, limitando suas oportunidades e minando sua autoestima. No entanto, é possível construir uma sociedade mais justa e inclusiva. Para isso, é necessário um esforço conjunto entre governo, sociedade civil, mídia e empresas, com o objetivo de reconhecer o valor das mulheres em todas as fases da vida.

Notas

1 Marques, L., Peres, M., Pereira, D. "Etarismo e Gênero no Brasil: Análise de Casos e Desafios". Revista Brasileira de Estudos de Gênero, vol. 5, n. 2, 2020.
2 Butler, Judith. *Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, 2018.