Não estou falando de pichações onde alguém escreve o nome em letras estranhas somente para aparecer e dizer “estive aqui”. Estou falando de vozes de consciência social, estou falando de murais e graffitis artísticos, estou falando de paisagens urbanos que se combinam com a zona ao redor e embelezam a cidade.

Enquanto isso, há governos que querem calar as vozes das pessoas por trás das reclamações, ou perseguir estas obras de arte pelo que representam.

No Brasil e na Argentina, por exemplo, setores reacionários costumam queixar-se das paredes pintadas com estêncil com consignas feministas ou periféricas, mas não mostram a mesma indignação quando as pinturas são relacionadas ao futebol.

Sob o pretexto de “fazer a cidade brilhar” (usado pontualmente, por exemplo, pela Prefeitura de La Plata, Argentina), repintam de branco murais em homenagem a mulheres assassinadas, a referentes dos direitos humanos, a pessoas assassinadas pela Ditadura, a artes que visibilizam as pessoas em situação de rua. Dizem que é uma reclamação de vizinhos da localidade, mas fazem isso inclusive em áreas não habitadas. O que querem é calar o povo e calar os artistas com consciência social, principalmente em tempos de um governo de extrema-direita, que glorifica a última Ditadura e nega a violência de gênero.

Nas paredes o povo diz o que quer dizer e que a sociedade precisa ler

Setores reacionários fazem o mesmo com murais que reclamam direitos. São incontáveis as pinturas e repinturas que fizeram em um mural exigindo a legalização do aborto. Aqui em Paraná, concretamente, perdemos até as contas, mas eles perderam a batalha: o aborto voluntário foi legalizado em dezembro de 2020, depois de uma sessão "maratônica" na Câmara de Senadores.

De fato, poderia falar muito sobre a Argentina neste sentido, já que, por enquanto, ainda moro aqui. Mas não quero usá-la como o foco da análise.

No Brasil estamos acostumados a ver pichações nas paredes e claro, isso pode incomodar algumas pessoas. Mas duvido que realmente incomode um graffiti ou um mural artísticos: pelo contrário. Eles integram a cidade com sua gente, dão vida a zonas que de outra maneira seriam totalmente brancas ou cinzas. Embelezam e dão identidade às cidades.

Além disso, devemos repensar no que se considera “noticioso” por parte da imprensa, principalmente no que se refere à periferia das grandes cidades: normalmente ela aparece nas seções policiais, e não costumam ser boas notícias. A abordagem midiática da periferia precisa mudar. Vemos programas sensacionalistas, onde a periferia aparece como vilã da cidade. Não se destaca em nada o potencial de desenvolvimento destas áreas. Então, novamente, as paredes falam o que a imprensa não diz.

A polícia e a política para inibir a arte das favelas não funcionam. É necessário repensar o papel da política ao redor do “jornalismo do povo”: que tal ler as mensagens e fazer as obras que a periferia necessita? Que tal, em vez de paredes brancas e cinzas, fomentar a arte e a cultura nas paredes e embelezar a cidade?

Como jornalista, acho que é importante entender que o “noticioso” também é ler as paredes. Ler o povo. Ler a sociedade marginalizada, que não tem voz no espaço da mídia tradicional e não produz seu próprio conteúdo. A cultura considerada “illetrada”, porque não chega aos espaços de decisão sobre suas próprias vidas. A sociedade precisa ler, a polícia precisa entender e a mídia precisa contemplar.

El Estado nos teme
Porque al mismo tiempo que somos 132 y 15M
Si la prensa no habla
Nosotros damos los detalles
Pintando las paredes
Con aerosol en las calles
Levanto mi pancarta y la difundo
Con solo una persona que la lea
Ya empieza a cambiar el mundo!

(Calle 13 - Multi-Viral)