Quem não conhece, a de conhecer! Suspeitam que ele seja um “santinho”, como dizia o seu amigo, o educador Rubem Alves (Rubem Alves era conhecido como um homem que gosta de ipês amarelos e foi muito amigo do professor José Pacheco), mas, como ele mesmo afirma ser, um designer educacional, um aprendiz de utopias, um encantado com o despertar das crianças. Estou a falar do Amigo Zé, é assim que ele gosta de ser chamado. Diz ele, que ser professor, é ser intenso.
Filho do casal Antônio e Maria Luiza, sobrevivente de um cortiço na rua da Vitória, na cidade do Porto, em Portugal, no dia dez de maio de 1951, vem ao mundo para regenerar e reinventar o sistema de aprendizagem com responsabilidade social. Inquieto com padrões conservadores na educação, em seu imaginário, fez e faz grandes ideias e grandes práticas. Fez barulho para pronunciar e se opor aos comportamentos injustos e a falta de dignidade perante aos seres humanos. Em meio às adversidades da infância, encontrou saída para questionar os absurdos criados pelas autoridades. Pois, tudo que o incomodava, tratava logo de desafiar e decifrar o seu desconforto. Para isso, ele foi, digamos, um tanto ousado e até afoito em determinadas situações de sua vida.
Há de se considerar que, primeiro, ele foi eletricista, estudou engenharia, mas se encantou com a educação, resolvendo dedicar-se ao tributo do ensino como pedagogista, antropogogo. Lecionou no primário e na universidade. Mestre em Ciência da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal, especialista em leitura e escrita desde 1995, construiu seu saber pela fagulha da curiosidade, abrindo as portas de seu destino. Ou seja, pensou sobre o seu pensar.
“Segue o teu destino, Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias. A realidade Sempre é mais ou menos do que nós queremos...”. Ouviu o poeta português Fernando Pessoa e continuou o seu destino pelos caminhos da educação. Afirma José Francisco de Almeida Pacheco que a educação é como mito de Sísifo, como Apoene, que na língua Guarani significa aquele que ver mais longe. E, ver mesmo! Descobriu que o centro não é o aluno, nem muito menos o professor, mas as relações sociais, o vínculo. Pois, não é na sala de aula o melhor lugar para fazer perguntas, mas em todos os lugares.
Para tanto, um outro significante, um Padre, o Padre Lima, contribuiu nas inquietações do professor José, quando criança, ao despertar de seu destino. Foi este Padre que chegou para os alunos e perguntou: "o que queres saber?" Prontamente, o Amigo Zé disse que queria saber o que era a Rua Vitória antes de ser Vitória. O padre Lima escreveu num papel e disse: "vá à biblioteca e pesquise. Volte aqui em meia hora".
Chegando na biblioteca, deu o papel ao funcionário e logo tratou de pesquisar e conhecer o seu lugar de origem. Em quinze minutos, mais ou menos, volta à sala com o resultado da pesquisa. Desde então, não parou de pesquisar, nem de descobrir. Tratou logo de continuar com suas indagações sobre o mundo. Diz ele que, “é sempre proveitoso o dia que se aprende”.
Tais questionamentos como: por que aprendemos? Onde aprendemos? Como sabemos que aprendemos? O que precisamos aprender? São típicos do professor José Pacheco. Por isso, ele diz “que só os loucos e as crianças dizem a verdade”. Pois é preciso regenerar e reinventar o sistema por amor e com responsabilidade social. Daí, ele começa a costurar a grande ideia para uma nova construção social nas comunidades de aprendizagem.
O criador da Escola da Ponte de Portugal vem ao Brasil para trazer um outro imaginário para a educação. Para isso tudo acontecer, foi preciso muito chão de escola. Passar por muitos desafios, enfrentar mentes um tanto perigosas e adversas e a todos que estão impregnados de modelos ultrapassados na educação.
Cada metodologia que se cria para educação é no intuito de favorecer desconfortos na produção de uma conexão com a cosmovisão com o mundo. Alexander Von Humboldt afirma que “a mais perigosa visão do mundo é a cosmovisão daqueles que nunca contemplaram o mundo”. Mesmo porque, se reunimos os cientistas da educação, notaremos ideias brilhantes de incentivo para aprendizagem, mas que, por vezes, não saíram das teorias. Para isso, temos muitas monografias, dissertações e teses que são engavetadas. É a ciência de gaveta, como fala Edgar Morin.
O modelo de ensino que foi instituído nos países ocidentais é aquele que separa os conhecimentos artificialmente através das disciplinas. E não é o que vemos na natureza.
Partindo do interesse do poeta, matemático, físico e filósofo Jacob Bronowski, de que “a mente criativa busca semelhanças”, poderemos compreender um pouco a mente do criador da Escola da Ponte. Onde foi preciso professor, padre, político, Pacheco, se unirem para produzirem os caminhos de uma nova educação e cosmovisão de mundo.
Assim, em seu livro Um sentido de Futuro, Jacob Bronowski escreve como Leonardo da Vinci “entendeu que a ciência, da mesma forma que a pintura, busca o sentido da natureza e suas minúcias”. O Amigo Zé se volta para as minúcias que transformam a nossa cosmovisão em relação ao mundo, e que, por sua vez, afetam na educação. Explica o ser humano José Pacheco a partir de uma citação do seu amigo, o educador Antonio Nóvoa: “a sofisticação do discurso contrasta com a miséria das práticas”.
Digamos que seja preciso sentir o que realmente está a acontecer no mundo pelas palavras e ações das crianças. Pela voz das crianças poderemos perceber o mundo. Será preciso gravar por cima de nosso imaginário uma nova cosmovisão de mundo, onde tudo que foi separado deverá ser unido. Seria como gravar por cima de uma fita cassete (para alguns leitores, fita cassete é um objeto tecnossauro), uma construção social de múltiplas identidades.
Digamos que deveremos compreender o sentido de construção social nas comunidades de aprendizagem. Primeiro porque ser professor é uma realização, não é uma profissão. E a educação é um sentimento. É um estado de sabedoria. Mas, para se ter uma mente coletiva, é preciso começar com pequenos gestos: gestos de amor, de não prejudicar o outro em nenhum detalhe do cotidiano, como desenvolver sempre algum gesto de ajuda espontânea. Encontramos, por vezes, muita arrogância na educação. Shakespeare chamava a “insolência do ofício”.
Não poderemos continuar agindo desse modo no que se refere à educação. Pois o processo de criação requer aprendizagem, e toda aprendizagem é cabível de realizações. Mesmo porque a ciência nasce a partir de um trabalho individual e passa depois pela coletividade. Explica Bronowiski que a ciência “são valores que derivam da verdade individual: respeito, sensibilidade e tolerância unida aos valores públicos, honestidade, integridade, dignidade e autenticidade”. Ainda segundo Bronoviski, “alguns bons cientistas não eram bons cidadãos”.
Para tanto, é preciso estar atento aos valores que nos cercam e também as nossas atitudes no dia a dia em relação ao outro. Ou seja, devemos sempre pensar e olhar o mundo como algo a ser mudado. Então, o Amigo Zé escreveu um Dicionário de Valores. Não é à toa que ele lê, antes do almoço, Rabindranath Tagore. Diz Tagore: “Cada criança vem ao mundo com a mensagem de que Deus ainda não desistiu da humanidade”.
Recapitulando o pensamento de José Pacheco: “exercitamos a autoaprendizagem com o outro no contexto da comunidade, aprimorando a cultura pessoal e profissional”. Bem, pelo que entendi e como venho estudando no Círculo de Estudos de Aprofundamento de Comunidades de Aprendizagem com a tutora Gabriela Campos Fronzaglia, aprendi com a minha trilha investigativa que as dimensões das culturas populares estão envolvidas com o conceito de comunidade, que é a íntima originalidade das narrativas pelas relações sociais em um processo de criação e construção com o meio ambiente. É a dinâmica lúdica entre os saberes (cultura), sonhos (imaginário) e oportunidades (cotidiano).
Quando descubro a minha participação num espaço de todos e para todos, com solidariedade, ocorrem várias transformações. Ou seja, realizações para uma nova consciência e construção social. O modo como aplico a minha aprendizagem coletivamente traz um saber de convivência e de melhoria, aprendendo a conhecer e a valorizar o lugar e as relações sociais. “Só se ama o que se conhece”, já dizia Nietzsche, o filósofo. Para que as narrativas estejam alinhadas, é necessário pensar o bem, querer o bem e fazer o bem, afirma Hannah Arendt em seu livro A vida do espírito. Isso tudo para não reproduzirmos a educação bancária, tão estudada por Paulo Freire.
Com isso, qual é o propósito da escola? Seria o amor? Mas, como atribuir o amor a todos os que estão a olhar em volta? No caso do professor José Pacheco, ele acredita que o amor e o conhecimento se transformam em pequenos gestos e nos cuidados com o outro. O processo de criação está imbricado na experiência do aprendizado. Façamos uma analogia, “aprender é como lavar as mãos: uma mão lava a outra”, como explica o professor José Pacheco.