Muito se fala da vida boémia que os estudantes universitários levam durante o período que frequentam a academia, mas ninguém fala do esforço que esses mesmos estudantes fizeram meses antes para entrarem no seu curso de sonho. Até ao 9º ano, ao que chamamos de Terceiro Ciclo, a vida dos estudantes é uma brincadeira, não há preocupações com médias, cursos para escolher, ver as melhores faculdades — não temos responsabilidades. Não sabíamos o quanto erámos felizes nesse tempo. O caso muda de figura quando chegamos ao Ensino Secundário, onde as notas começam realmente a importar para alguma coisa, notas essas que no fim desses três anos, irão de alguma forma, ditar o nosso futuro. Apesar de ainda frequentar a academia, já passei pelo terror dos exames nacionais e pelo pânico que é escolher um curso, que anos mais tarde será a nossa profissão.

Durante os três anos do Ensino Secundário, tentamos, esforçarmo-nos ao máximo em prol do objetivo: ter boas notas para entrar naquele curso e naquela faculdade. Ou seja, deixar a nossa família orgulhosa de nós, para um dia podermos ser alguém na vida. (Se bem que hoje, ter um curso, não nos garante coisa nenhuma. Nem ser alguém na vida. Muito menos trabalhar na profissão de sonho. Ter um curso, hoje em dia, abre possibilidades, não dá garantias).

Falando em atingir objetivos, lembro-me de no meu 11º e 12º ano fazer noitadas até às tantas da noite e acordar a horas que hoje acharia indecentes para ter a matéria sempre em dia! Não digo que o esforço durante aqueles anos não tenha compensado, valeu muito a pena, uma vez que, consegui entrar no curso que queria. No entanto, acho que hoje faria as coisas de forma diferente. Voltaria a aplicar-me e a esforçar-me em prol dos meus objetivos, mas acho que levaria as coisas de forma mais descontraída. Aos 18 anos, não temos maturidade suficiente para decidir, num par de meses, aquela que será a nossa profissão, apesar de a maioridade assim o dizer.

Neste processo de termos boas notas, sermos os melhores e deixarmos a nossa família orgulhosa, esquecemo-nos muitas vezes de nós e, talvez aí comecem os verdadeiros problemas: a depressão, o burnout, a frustração por não conseguirmos atingir um fim e por aí fora. A meu ver, de nada vale, deixar a nossa família orgulhosa se não estivermos felizes connosco mesmos e, mais importante, se não estivermos bem!

Como se costuma dizer na gíria “entrar no curso é fácil, difícil mesmo é sairmos dele”! Inerente à entrada no Ensino Superior estão outras questões, que se calhar acabam por passar despercebidas aos nossos pais e amigos, mas que nos atormentam muito e só depois de lá chegados é que o nosso coração sossega um pouco.

Quando me candidatei ao meu curso questionei-me sobre se era mesmo aquilo que queria, se iria gostar do curso, se me conseguiria adaptar a uma cidade nova e se conseguiria fazer amigos. Foram semanas com muita informação para assimilar e de muitos receios, que no fim, quando cheguei a Viseu se dissiparam. Foram três anos recheados de muita coisa: umas boas e outras menos boas, mas também faz parte.

Aquele era o curso, por mais que me dissessem que poderia ter escolhido outro. Recusei o desemprego que sempre me impingiram. Foram várias as vezes que professores falavam desacreditados na profissão e no sistema, mas mesmo assim, insisti no sonho. Aprendi muita coisa, não só sobre a área, mas também cresci e aprendi que em algum momento temos de nos desenvencilhar e deixar o ninho. Fiz amizades que levo para a vida. Diverti-me e daqueles anos em Viseu apenas trago na memória boas recordações. O sonho deu trabalho, ora se deu, mas quem corre por gosto não cansa. Afeiçoamo-nos mais a umas pessoas do que a outras, gostamos mais de umas coisas do que doutras, mas com vontade e um bocadinho de ódio, não o nego, o curso fez-se.

Quase três anos depois de terminar a licenciatura, posso dizer com alguma certeza, que muitas vezes, nós próprios somos os primeiros a rebaixar-nos perante uma situação difícil. Senti muitas vezes a síndrome do impostor e, ainda hoje sempre que algo me corre mal o primeiro bode expiatório sou eu, porque se as coisas correm mal é porque fiz algo que não devia. Só que às vezes, simplesmente não está predestinado acontecer. No entanto, acho que essa sensação de me sentir incapaz de fazer as coisas tomou dimensões maiores no momento de procurar trabalho.

Não é novidade para ninguém que o mercado de trabalho está pelas horas da morte, sobretudo para os jovens acabados de se formar. Somos a geração com mais qualificação e, por conseguinte, mais bem preparada para exercer a nossa profissão. E o que é fazem aos jovens? Preferem vê-los a viverem às custas dos seus pais do que lhe darem uma oportunidade.

As ofertas de trabalho, parecem-me cada vez mais irreais pedindo a um recém-licenciado 3 a 5 anos de experiência. Como é obvio um jovem acabado de sair da universidade não pode ter todos esses anos experiência, porque durante esse período esteve a “queimar as pestanas” para se formar. Ora, para fazer uma coisa não pode fazer a outra, ainda para mais, quando nos “garantiram” que um curso nos afiançava o futuro. Com certeza, essa garantia não é para muitos da minha geração, talvez isso acontecesse no tempo em que os pais de muitos amigos meus se formaram ou na geração dos meus irmãos.

Hoje, diria que não é impossível, mas as coisas mudaram muito de 20 anos para cá, foram criadas novas modalidades de trabalho em virtude dos acontecimentos, as empresas também são mais competitivas, além de que os trabalhos em si já de si serem precários, obrigando as pessoas a conciliarem dois ou mais trabalhos para viverem. E como costumo dizer, atrás de uma coisa vem outra e, num abrir e fechar de olhos, temos o efeito de bola de neve criado: perante uma geração bem qualificada à procura do primeiro emprego perante propostas de trabalho “ambiciosas” e competitivas que, não consegue satisfazer, facilmente se entra numa espiral de frustração. Os jovens cortam as suas “asas” antes mesmo de levantarem voo.

Em virtude de tudo o que foi dito atrás, houve um tempo, não muito distante, em que me virei contra os meus sonhos. Acreditava que o sonho me tinha traído, assim como a muitos jovens por aí. Contudo, se desistimos dos nossos sonhos é como se as coisas deixassem de fazer sentido, como se nos faltasse algo. As coisas podem não ser tão lineares quanto esperávamos, o mercado de trabalho e o sistema podem não estar a nosso favor, mas os sonhos comandam a vida. São os sonhos que nos dão alento nos momentos difíceis.