Como o domínio do google no meio digital tem prejudicado o jornalismo? O gigante da tecnologia, com sua vasta rede de serviços e plataformas, tem moldado a forma como as notícias são distribuídas e consumidas. Tal mudança deixa em suas mãos o futuro da indústria jornalística.
O relacionamento entre o Google e o jornalismo tem sido conturbado. As discussões sobre o valor que o conteúdo jornalístico tem para o Google, as propostas de compensação financeira para os meios de comunicação, e as consequências que a crise do jornalismo pode ter para a democracia tem ocupado as cortes de diversos países.
O valor do conteúdo jornalístico para o Google
As estimativas sobre o valor do conteúdo jornalístico para o Google têm causado discordância entre as partes. Enquanto o Google afirma que apenas 2% das pesquisas estão relacionadas com notícias, um estudo realizado por investigadores da Universidade de Zurique sugere que o conteúdo noticioso agrega valor em 35% das pesquisas.
Um dos principais desafios na avaliação do valor do conteúdo jornalístico para o Google é a falta de transparência nos dados. A empresa não divulga informações detalhadas sobre as suas receitas específicas por país ou sobre o número exato de utilizadores. A opacidade dificulta uma análise precisa do impacto económico do jornalismo nas operações do Google.
No Brasil, por exemplo, não há dados oficiais sobre o faturamento da empresa ou sobre o número de utilizadores. O Google publica apenas um relatório anual de "Impacto Económico", afirmando ter movimentado cerca de R$878.1 bilhões em 2022, mas não fornece detalhes sobre como estes números foram calculados.
Importância do conteúdo jornalístico aparece entre os resultados de busca
Apesar das divergências nas estimativas, é inegável que o conteúdo jornalístico tem uma importância para os resultados de busca do Google. Um estudo encomendado pela associação de editores suíços revelou que o Google é mais atrativo, valioso e confiável quando apresenta conteúdo jornalístico nas suas pesquisas.
O estudo mostrou que 73% dos entrevistados que viram notícias nos resultados de pesquisa disseram que conseguiram responder à sua questão, em comparação com 67% dos que acederam ao Google sem conteúdo jornalístico. Além disso, 70% da amostra disse preferir utilizar a plataforma com o conteúdo noticioso sendo considerado.
A importância do jornalismo para o Google também se reflete na disposição dos utilizadores para pagar pelo serviço. O estudo suíço revelou que a disposição para pagar por uma versão do Google com notícias é 16% maior do que pela versão sem conteúdo jornalístico.
O Google argumenta que o seu mecanismo de busca amplia o alcance dos veículos de comunicação, gerando dois mil milhões de cliques para editores de notícias por mês no Brasil. A empresa afirma que isto ajuda a aumentar as receitas dos veículos ao monetizar as visitas aos seus sites. No entanto, muitos argumentam que esta relação é desequilibrada, com o Google a beneficiar desproporcionalmente do conteúdo produzido pelos jornalistas.
A questão do valor do conteúdo jornalístico para o Google continua a ser um tema de debate intenso, com implicações significativas para o futuro do jornalismo e para a forma como as informações são distribuídas e consumidas na era digital.
A questão da compensação financeira ao jornalismo pelas plataformas digitais tem sido um tema debatido em todo o mundo. Com o avanço da tecnologia e a mudança nos hábitos de consumo de informação, o jornalismo tradicional tem migrado para o mundo digital e nele encontra dificuldade para manter sua sustentabilidade financeira.
Um estudo realizado por professores da Universidade Columbia trouxe à tona números impressionantes sobre o valor que o Google deveria pagar aos produtores de jornalismo. De acordo com os cálculos baseados neste estudo, o Google deveria pagar R$11.4 bilhões por ano ao jornalismo brasileiro. Esta estimativa baseia-se na premissa de que o conteúdo noticioso agrega valor em 35% das buscas realizadas no Google.
A equipe de pesquisadores, liderados pela diretora da especialização em Tecnologia, Mídia e Comunicações na Escola de Assuntos Internacionais da Universidade Columbia,pesquisadora, Anya Schiffrin, propôs uma divisão equitativa da receita de anúncios da busca entre o Google e os provedores de notícias. Nos Estados Unidos, isso representaria um valor anual de U$57 bilhões.
Legislação em diferentes países
Vários países têm implementado ou estão considerando leis para regular a compensação financeira ao jornalismo pelas plataformas digitais. A Austrália foi pioneira nesse aspecto, aprovando em 2021 uma legislação que obriga as grandes empresas de tecnologia a pagarem pelo conteúdo jornalístico compartilhado em suas plataformas. Como resultado, os veículos de comunicação australianos faturaram U$1147 milhões naquele ano.
O Canadá seguiu o exemplo australiano com o projeto de lei "Online News Act", que também exige que empresas como Google e Meta firmem acordos para financiar o conteúdo jornalístico compartilhado em suas plataformas.
A Nova Zelândia e a Indonésia também estão considerando medidas semelhantes, inspiradas nos modelos australiano e canadense.
Na União Europeia, 23 dos 27 países-membros já adotam sistemas de remuneração para o jornalismo. Essas iniciativas visam nivelar o campo de jogo entre a mídia tradicional e as empresas de tecnologia em termos de fornecimento de conteúdo e geração de lucro.
Resistência das big techs
As grandes empresas de tecnologia, como Google e Meta, têm demonstrado resistência a essas propostas de compensação financeira. O Google, por exemplo, argumenta que apenas 2% das pesquisas estão relacionadas a notícias, contrastando com a estimativa de 35% apresentada pelos pesquisadores da Universidade Columbia.
Essas plataformas digitais frequentemente alegam que já oferecem suporte significativo ao jornalismo através de tráfego direcionado e ferramentas de monetização. No entanto, é possível ver que essa relação é desequilibrada, com as big techs se beneficiando desproporcionalmente do conteúdo produzido pelos jornalistas, enquanto os jornalistas não conseguem mais viver dentro do mundo digital sem estarem presentes nelas.
Desertos de notícias
A crise do jornalismo tem afetado a circulação de notícias mais regionais e o funcionamento das instituições democráticas.
Um dos efeitos mais visíveis da crise do jornalismo é a redução da cobertura local. No Brasil, 78% dos municípios sofrem com a falta de notícias locais ou com a precariedade delas. Estas localidades são chamadas de "desertos de notícias" ou "quase desertos", uma realidade que ameaça a própria democracia.
Sem uma cobertura adequada, os cidadãos ficam privados de informações cruciais sobre os acontecimentos em sua região e completamente propensos às fakes news no meio digital.
Vale lembrar que a disseminação de notícias falsas e informações distorcidas tem se intensificado nos últimos anos, especialmente nas mídias digitais. Com o enfraquecimento do jornalismo, cria-se um ambiente ainda mais propício para a disseminação de fake news. A falta da checagem jornalística dos fatos fragiliza os cidadãos e enfraquece a democracia no mundo digital.
Enquanto o Google utiliza o conteúdo produzido por veículos de imprensa confiáveis para melhorar a experiência dos usuários em sua plataforma, sem nenhum tipo de pagamento aos veículos de imprensa, esses mesmos veículos de imprensa lutam para sobreviver em um cenário digital onde as gigantes da tecnologia se recusam a oferecer uma compensação justa pelo uso de seus serviços de informação. Nessa luta desigual, as big techs parecem dispostas a sujarem suas mãos de sangue para manter seus bolsos cheios.