Se você me dissesse há uns cinco anos que as pessoas mais novas não sabem executar tarefas simples em computadores, eu riria e diria que isso é coisa dos anos 2000 ou da década de 2010. Eu sou usuário de computadores desde os meus 5 anos e, aos 10, comecei a utilizá-los diariamente para jogar e realizar tarefas simples. Aos 12 anos, já fazia sites simples em HTML e banners, nada muito complexo. Sempre fui um menino curioso e gostava de aprender coisas novas. Então, para mim, o mais natural seria que os jovens, nascidos na era da informática, dominassem essa arte de maneira instintiva.
Veja, o raciocínio faz sentido. Eu sempre fui acostumado a andar de transporte público, então é natural saber como me deslocar usando ônibus ou trens. Para uma pessoa que entrou na fase adulta na “era Uber”, é mais natural abrir o app e pedir um carro. Seguindo essa lógica, se uma pessoa nasce na era da informática, ela deveria dominar as ferramentas tecnológicas que estão inseridas no seu cotidiano. Por isso, foi um choque para mim, ao entrar na universidade e lecionar para uma nova geração, nos idos de 2019, encontrar jovens que lutavam para usar o computador — sem nenhum domínio da tecnologia. Me explicaram que essa nova geração saltou da infância para o celular, pulando completamente notebooks e desktops. E sabe o que é mais irônico? Eles sabem menos sobre a tecnologia portátil do que eu.
Esses jovens são usuários das tecnologias, mas não as dominam. Nessa coluna na Meer, quero trazer a experiência prática de um professor universitário e de educação básica que enfrenta o desafio de ensinar algo que deveria estar no instinto dessa geração.
Hoje, consigo dividir nossa população em três blocos distintos: até 22 anos, entre 22 e 45 anos, e acima de 45 anos. A primeira parcela nasceu ou viveu uma boa parte da vida na “revolução digital”, mas é apenas usuária de aplicativos. A segunda parcela, dependendo da idade, passou menos da metade da vida inserida nesse ambiente tecnológico; eles viram surgir tecnologias como ICQ, MSN e WhatsApp. A terceira parcela não teve muito contato com tecnologia, ou, dependendo da idade, nenhum. Para essa faixa, o ambiente digital é tão hostil quanto os Ermos em Fallout. Portanto, temos uma interessante mistura de gerações, mas que, na prática, é bastante desgastante.
No ensino universitário, trabalho com muitos alunos da primeira e terceira faixa. Eles têm dificuldades com tarefas básicas, como realizar comandos simples no teclado ou no Windows. Isso fica ainda mais evidente quando combinamos a necessidade de aprender o software específico do curso com a falta de habilidades de informática básica. Eu acreditava que, na educação básica, a situação seria mais simples, pois os alunos têm contato com tablets e notebooks nas escolas estaduais aqui em São Paulo. Na minha cabeça, eles deveriam ao menos saber realizar operações básicas em um computador. Mas o que eles sabem é ligar a máquina, e só isso.
Chegamos, então, a um ponto interessante: parece que temos não só um problema de falta de habilidade com informática, mas também um potencial problema de produtividade futura, algo que pode até afetar o PIB nacional.
Para a primeira faixa, o trabalho deve começar com conscientização, para que os adolescentes entendam que, além de um “brinquedo”, o computador é uma ferramenta de trabalho poderosa. Hoje, a educação de São Paulo inseriu diversas disciplinas para fazer os alunos interagirem com os computadores, mas isso tem se mostrado pouco eficaz, pois eles sempre buscam o caminho mais fácil. Não há comprometimento com o aprendizado. Solicitar um trabalho tem sido um desafio, pois ele virá feito por IA. Pedir uma apresentação? Lá vem um Gamma. Um resumo ou resenha? Agora eu sei a opinião da Copilot sobre uma série de coisas. Meus alunos são totalmente dependentes de IA, o que os torna menos críticos. Pelo que já notei, eles não estão preocupados com isso.
Ainda dentro dessa faixa, há um público interessante, que chamo de “jogadores”. São aqueles alunos que passam o tempo todo jogando. Eles ignoram todo o restante do potencial dos celulares, tablets e notebooks e se concentram apenas nos jogos. Esse grupo não se preocupa em entender como os programas foram criados ou em aprender programação — eles querem apenas se divertir. Temos, então, uma população com alto desinteresse, ou que talvez não compreenda o potencial da ferramenta que possuem em mãos.
Na outra ponta, temos uma população que viu a tecnologia crescer, mas no vizinho, não dentro de sua casa. Como a informática sempre esteve no vizinho ou nas mãos de seus filhos e netos, eles não viram a necessidade de dominá-la, terceirizando o conhecimento para a geração seguinte. Olha que afirmação perigosa: eles terceirizaram o conhecimento para seus filhos, e seus filhos terceirizam para a Copilot. Já a IA não tem capacidade de pensar de forma crítica. Ou seja, se uma massa de pessoas resolver manipular os algoritmos, teremos desinformação disseminada por meio da tecnologia. Já pensaram nisso? A desinformação não estaria apenas no WhatsApp ou em sites duvidosos, mas se espalharia como resultados gerados pela IA.
Temos uma combinação explosiva: uma massa que se sentiu velha para a tecnologia e outra que não utiliza seu potencial. Quem sai ganhando nessa história? Nossa faixa intermediária! Eles têm um poder incrível de produção, por dominar essas ferramentas. Imagine que, com esse conhecimento, eles têm gerações literalmente aos seus pés, já que o domínio das tecnologias hoje confere poderes praticamente ilimitados ao usuário que sabe manipular a rede e distribuir sua mensagem.
Esse poder tem sido visto de diferentes formas, como em memes, campanhas políticas e de costumes. As mensagens se espalham numa velocidade que as próprias instituições e o poder judiciário não conseguem acompanhar. Surgem, ao redor do mundo, regulamentações tentando restringir esse poder dos usuários das redes. Entretanto, não venho aqui levantar bandeiras políticas. Quero trazer uma discussão mais ampla, que afeta o cotidiano de muitos cidadãos ao redor do mundo.
- Como uma geração inteira não consegue dominar uma ferramenta amplamente utilizada pela geração anterior? Isso irá acontecer com todas as gerações?
- Esse “salto” da geração atual para o celular poderá afetar a produtividade no futuro?
- A incapacidade de usar um software e dominar equipamentos mais complexos irá favorecer a disseminação de IAs?
- Como essa geração aprenderá a discernir o que foi produzido por um profissional humano e por uma IA?
- Como garantiremos uma transição e integração de tecnologias para as próximas gerações?
Essas perguntas se tornam pertinentes quando percebemos que uma geração será capaz de manipular as anteriores e as posteriores, visto que, hoje, a desinformação corre mais rápido do que a informação. E você? Em que posição se encontra nessa evolução natural das gerações?