O degredo para o Brasil Colônia foi uma prática jurídica e punitiva que desempenhou um papel importante no enraizamento da desigualdade social desde o início da colonização. Para entender como isso ocorreu, é necessário explorar os múltiplos fatores que associam o degredo à formação das hierarquias sociais coloniais e suas implicações para a desigualdade que se perpetua até os dias atuais.
O degredo como mecanismo de exclusão social
O degredo, particularmente para o Brasil Colônia, foi aplicado a diferentes tipos de indivíduos na sociedade portuguesa. Muitos dos degredados eram considerados indesejáveis pela metrópole: criminosos comuns, hereges, judeus conversos, e pessoas que representavam algum tipo de ameaça ao controle moral e religioso da coroa e da Igreja Católica.
Ao serem enviados ao Brasil, esses indivíduos perdiam direitos fundamentais e frequentemente eram submetidos a trabalhos forçados, aumentando a precariedade de suas existências. Em vez de serem reintegrados como cidadãos em uma nova sociedade, eles eram tratados como párias.
Esse mecanismo reforçava a desigualdade social na medida em que criava uma camada de pessoas permanentemente marginalizadas dentro da estrutura social colonial. A sua condição de exclusão formal e forçada facilitava a formação de uma elite local (os senhores de engenho, autoridades coloniais e a Igreja) que podia exercer controle sobre essa população sem ameaças diretas à sua hegemonia. Além disso, o degredado, muitas vezes associado a atividades ilegais, era visto como inferior, o que reforçava o preconceito e os estigmas sociais.
De fato, o degredo foi uma prática comum no Império Português, especialmente entre os séculos XV e XVIII . Os degredados eram enviados para as colônias como forma de punição, mas também para ajudar no desenvolvimento econômico local, trabalhando em plantações de cana-de-açúcar, minas de ouro e fazendas de gado.
Esses indivíduos, muitas vezes considerados indesejáveis pela metrópole, incluíam criminosos comuns, hereges, judeus conversos e outros que representavam uma ameaça ao controle moral e religioso da coroa e da Igreja Católica. Ao serem enviados ao Brasil, perdiam direitos fundamentais e frequentemente eram submetidos a trabalhos forçados, vivendo em condições precárias.
A exclusão formal e forçada desses indivíduos facilitava a formação de uma elite local que podia exercer controle sobre essa população sem ameaças diretas à sua hegemonia. Além disso, o estigma associado aos degredados reforçava preconceitos e desigualdades sociais.
A relação entre degredados, escravidão e hierarquia racial
O degredo também se entrelaçou com o sistema escravocrata que viria a ser a principal base da economia colonial. Se, por um lado, os degredados estavam no topo da hierarquia de exclusão em Portugal, ao chegarem ao Brasil, encontravam-se imediatamente acima dos africanos escravizados na escala social. Esse contato entre degredados e escravizados criou uma dinâmica em que os primeiros, ainda que marginalizados, se viam como superiores racialmente e socialmente.
O sistema colonial promovia uma estratificação social rígida, em que a cor e a origem definiam as oportunidades, os direitos e o tratamento dos indivíduos. A existência de uma população de degredados, que se diferenciava dos africanos escravizados e dos indígenas, mas que ainda assim era marginalizada, servia para acentuar as divisões sociais e justificar a perpetuação do poder nas mãos de uma pequena elite branca.
O sistema de degredo, que inicialmente servia como uma forma de punição em Portugal, ao ser transplantado para o Brasil, encontrou um novo contexto onde os degredados, apesar de marginalizados, se posicionavam acima dos africanos escravizados na hierarquia social.
Essa estratificação social rígida, baseada na cor e na origem, realmente definia as oportunidades e os direitos dos indivíduos. A presença dos degredados, que ocupavam uma posição intermediária entre os colonizadores brancos e os escravizados africanos e indígenas, ajudava a reforçar as divisões sociais e a justificar a manutenção do poder nas mãos de uma elite branca.
Autoras como Laura de Mello e Souza, em obras como Os Desclassificados do Ouro (1982), e Stuart Schwartz, com sua análise do controle social no Brasil, destacam como o degredo contribuiu para a formação de um cenário em que as linhas de desigualdade, poder e hierarquia racial se consolidavam. O degredo, ao reforçar uma sociedade que operava com base na exploração, no controle coercitivo e na marginalização, acabava por contribuir para a manutenção de um sistema desigual.
Degredados e a criminalização da pobreza
Outro ponto central é a criminalização da pobreza e da marginalidade social, que começou a se manifestar desde os primórdios da colonização. Os degredados eram enviados ao Brasil por delitos menores, o que revelava como a própria concepção de criminalidade estava vinculada a uma visão de classes.
Pobreza, vadiagem e práticas de subsistência que fugiam ao controle econômico das elites eram criminalizadas. Esse fenômeno reflete o início de um processo em que a pobreza e a exclusão social não eram vistas como questões a serem resolvidas pela justiça social, mas sim como motivos para repressão e controle.
Desde a colonização, práticas de subsistência e comportamentos que não se alinhavam aos interesses das elites eram frequentemente criminalizadas. Isso criou uma base para a marginalização social que persiste até hoje. A criminalização da pobreza é um fenômeno complexo que envolve a repressão de comportamentos associados às classes mais vulneráveis.
No Brasil, essa prática se intensificou ao longo dos anos, especialmente com políticas de segurança pública que muitas vezes visam controlar, em vez de integrar, essas populações .
A obra Punir os Pobres de Loïc Wacquant, embora focada nos Estados Unidos, oferece uma análise que pode ser aplicada ao contexto brasileiro. Wacquant argumenta que a criminalização da pobreza é uma estratégia de controle social, onde o encarceramento em massa e a militarização da segurança pública são utilizados para gerir a "superpopulação marginal".
Na historiografia, essa ideia é analisada por autores como Luiz Felipe de Alencastro, que examina o impacto da marginalização de certos grupos dentro do contexto colonial. Alencastro observa que a prática do degredo refletia uma ideologia de repressão e marginalização dos mais pobres e despossuídos, que permeava a sociedade e estruturava a desigualdade desde o início.
O legado do degredo na formação da sociedade brasileira
O degredo, então, pode ser visto como uma das raízes históricas da desigualdade social no Brasil, na medida em que ajudou a solidificar uma lógica de exclusão, estigmatização e exploração. A existência de uma camada social composta de degredados — marcada por seu passado de marginalidade e exclusão — contribuiu para a naturalização de hierarquias sociais rígidas e discriminatórias.
Ao longo do tempo, essas hierarquias foram se transformando e ampliando com a introdução de outros mecanismos de controle social e de exploração econômica, como o sistema escravocrata e a economia de plantation.
No entanto, a marginalização dos degredados revela como, desde o início, a colônia foi estruturada sobre uma base de desigualdade, onde a exclusão social não era apenas um efeito colateral do processo colonial, mas uma condição central para o funcionamento do sistema.
De fato, o degredo, ao lado de outros mecanismos como a escravidão e a economia de plantation, contribuiu para a construção de uma sociedade marcada por hierarquias rígidas e exclusão social.
A marginalização dos degredados, que eram muitas vezes criminosos ou indesejados enviados pela metrópole, ajudou a criar uma camada social estigmatizada e excluída. Isso, por sua vez, naturalizou a ideia de que certas pessoas eram inerentemente inferiores ou destinadas à marginalização, uma lógica que foi perpetuada e ampliada com a introdução da escravidão africana e a exploração dos povos indígenas.
Esses processos históricos mostram como a desigualdade social no Brasil tem raízes profundas e complexas, sendo um elemento central para o funcionamento do sistema colonial e, posteriormente, do sistema econômico e social brasileiro. A exclusão social, portanto, não foi um mero efeito colateral, mas uma condição necessária para a manutenção das estruturas de poder e exploração.
Algumas considerações
Em resumo, o degredo não foi apenas uma medida punitiva de Portugal, mas um dos elementos constitutivos da estrutura social colonial que perpetuou e consolidou um sistema de desigualdade. A sua inserção no Brasil Colônia contribuiu para a formação de hierarquias que sobreviveram e se adaptaram ao longo dos séculos, constituindo um dos fatores que explicam a persistência das desigualdades sociais no Brasil.
O degredo, além de ser uma medida punitiva, desempenhou um papel crucial na formação da estrutura social colonial no Brasil. Durante o período colonial, Portugal utilizou o degredo não apenas para punir criminosos, mas também como uma ferramenta para consolidar seu controle sobre as colônias e perpetuar um sistema de desigualdade.
Os degredados eram frequentemente enviados para o Brasil, onde eram forçados a trabalhar em condições duras, muitas vezes em plantações de cana-de-açúcar, minas de ouro e fazendas de gado . Essa prática ajudou a estabelecer e manter hierarquias sociais rígidas, que sobreviveram e se adaptaram ao longo dos séculos.
A persistência dessas hierarquias e desigualdades sociais pode ser vista como uma das razões pelas quais o Brasil ainda enfrenta desafios significativos em termos de justiça social e igualdade até os dias de hoje.