Desde que comecei a me dedicar aos estudos pedagógicos, tenho lido um sem-fim de páginas sobre o desenvolvimento humano. Disciplinas inteiras sobre o desenvolvimento infantil, desde o nascimento até os cinco anos; cursos completos sobre o amadurecimento das crianças, suas características físicas, cognitivas e emocionais. Matérias e mais matérias sobre os adolescentes, suas especificidades evolutivas tão aguçadas nessa etapa. O desenvolvimento e as mudanças biopsicossociais que perpassam os jovens adultos foram por mim estudados na época do mestrado, desvelando um complexo momento da vida de jovens que têm a oportunidade de ingressar no ensino superior. Recentemente, por uma exigência laboral, estudei o desenvolvimento relativo às pessoas da terceira idade: mais uma vez, as leituras que fiz focalizavam nos fazeres necessários para a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas.
Tais estudos parecem óbvios: afinal, ser pedagogo é auxiliar a conduzir as pessoas a desenvolverem seus potenciais. Mas, infelizmente, em algumas oportunidades, a finitude da vida invade o espaço escolar. Assim, sem mais nem menos, sentindo-se dona de tudo e de todos, a morte se apropria de algumas pessoas, deixando tantos outros desolados. Afinal, escola é lugar de vida e onde há vida, há morte.
Por mais que essa seja uma das poucas verdades irrevogáveis, nosso julgamento sobre a própria capacidade para lidar e entender essa tão indesejada visita é enviesado. Usualmente, pensamos que estamos preparados para tal; no entanto, a inevitável experiência pode nos afetar mais do que havíamos pensado.
Recentemente, recebi duas dessas notícias no mesmo domingo acinzentado. A primeira comunicava, de forma poética e repleta de amor, o secar da rosa, que, enfim, descansaria. Me emocionei. Me emociono agora, enquanto escrevo. Elevei meus pensamentos, abençoando o amor que existiu e que, quem sabe, em outras vidas seguirá. A segunda, após uma sessão de cinema na sala de casa, com filhas e marido, chegou como o sopro do vento forte e repentino que, teimoso, insiste em vir, mesmo sem ser convidado. Esse sopro levou pelos ares uma flor que não chegará a desabrochar em seu esplendor completo; suas pétalas recém se abriam, seu perfume ainda tomava forma. Não a conhecia. Essa flor integrava o jardim regado todos os dias pela escola em que minhas filhas estudam.
Não sei muito bem como descrever o que senti, o que sinto. Um redemoinho foi se formando, trazendo à tona sentimentos e experiências semelhantes. Os choros contidos, as incompreensões das razões que teimavam em podar vidas ainda não desabrochadas. As responsabilidades, como educadora, de lidar com a finitude da vida.
Quem dedica sua vida a trabalhar em escolas, por mais que tenha a convicção de que seu maior objetivo laboral seja estimular o desenvolvimento pleno dos estudantes, vez ou outra pode ter que lidar com a perda, às vezes repentina, outras nem tanto. Cobrir o corpo do estudante, cuja narcoviolência apagou a chama da vida, foi uma das mais complexas ações que a então experiente vice-diretora teve que desempenhar durante toda a sua carreira. Comunicar à classe que uma das flores que compunha aquele florido jardim do 6º ano foi retirada à força da roseira, secando e voltando à terra, somente porque estava na hora errada no local errado, foi uma das primeiras experiências que a recém-formada orientadora escolar teve que enfrentar.
Podiam ser citados aqui os trágicos acidentes automobilísticos, como o que findou o sorriso leve do garoto “de bem com a vida” alguns anos antes de ele mesmo poder dirigir. A noite longa que levou a mãe do menino de nove anos, que, sorrindo no dia anterior, não teve tempo de se despedir e deixou-o carente, necessitando de muitos abraços cujas professoras podiam ajudar, mas nunca substituir a pesada perda. Não, transformar esse texto em um relato de voos, ao meu ver, prematuros, não é meu objetivo. Quero aqui trazer à tona o nosso despreparo, como educadoras, para enfrentá-los.
A experiente vice-diretora, pouco antes citada, terminou em licença psiquiátrica após o lastimável ocorrido. Foi a gota d’água em um copo, digo eu, carreira tão atribulada. Havia preparo para todo tipo de estresse: laboral, burocrático, pedagógico, relacional. Não havia para a finitude da vida.
A inexperiente orientadora educacional fingiu encontrar forças onde quer que estivessem, já que demonstrar tristeza ou despreparo seria considerado fraqueza, coisa de gente incapaz. Será? Nesse encobrir sentimental, tal perda foi atrelada a perda anterior: o voo pela janela do colega da escola na época da adolescência (cujo debate ou conversa sobre tal feito nunca houve, era melhor fazer de conta que não existiu).
Enquanto aqui escrevo, penso que nosso despreparo para lidar com a morte poderia ser minimizado se ousássemos retirar o véu que cobre tal tema, estudando e analisando-o. Quem sabe algumas leituras e discussões, bem como filmes sobre o tema, pudessem servir de fio condutor para a formação de educadores que, cedo ou tarde, terão que lidar profissionalmente com as perdas de vidas. Claro, isso não seria o suficiente! Meses antes do nublado domingo, havia lido um livro lindo, triste e muito reflexivo sobre a presença e a ausência definitiva de alguém em nossas vidas. Foi uma leitura emotiva! Impulsionou inúmeras reflexões sobre a morte, mas não me preparou para o tal domingo nublado. Talvez porque não se tratava do secar da flor antes mesmo que essa desabrochasse, não se tratava de uma vida repleta de porvires. Quiçá, a busca por promover o desenvolvimento integral dos educandos, a missão de muitos educadores, seja tão forte que nos cegue quanto à nossa incapacidade de controlar o incontrolável.
Possivelmente, a única resposta seja assumir nossa vulnerabilidade. Reconhecer que sofremos cada vez que um botão de rosa se desprende da roseira; que um espaço se abre entre as carteiras da lotada sala de aula. E manifestar aos companheiros com os quais partilhamos tais perdas nossas ilusões e desilusões, saindo de um local de dever (devo ser o guia desta classe e, portanto, o duro que sabe controlar ou esconder seus sentimentos). Criar oportunidades para escutas ativas e choros que desafoguem, mostrando a tristeza, a desolação e a raiva que muitas vezes acompanham tais vivências, pode ser a maneira mais forte para auxiliar a comunidade escolar a superar o luto, para ajudar a si mesmo a seguir adiante sem jogar a poeira debaixo do tapete.
Notas
1 Timerman, Natalia (2023). As pequenas chances. Todavia. 204 p.