Parece até conto de fadas, histórias inventadas, ou quem sabe um lugar de outro mundo, será? Pense em um lugar que exala ternura, numa atmosfera de paz, pense no silêncio da vida, no barulho dos pássaros e pense mesmo em um espaço tranquilo que emana reflexos de sonhos. E, pasmem, este lugar existe mesmo e fica localizado na cidade de Mogi Mirim, interior de São Paulo, no sudeste do Brasil.
A rua Francisco Parra Hernandes, 1111 no bairro Jardim Silvania é realmente abençoada por abrigar o Centro de Convivência Infantil de Mogi Mirim. O Centro foi fundado em 12 de setembro de 1979. Contam que foi idealizado para trazer uma nova proposta de educação, gratuita, com atividades recreativas, sociais, culturais que envolvem a família e a comunidade. É uma escola de contraturno onde há espaços para os valores e as virtudes.
Numa sincronicidade de vivências com o outro e com a natureza, o CCI tem a paz espiritual, a autonomia, a paciência, a organização, a responsabilidade e o respeito como prioridades para evolução de todos que fazem e estão neste lugar de aprendizado consigo mesmo e com o mundo. Para tanto, o CCI, assume um compromisso com integridade entre alunos, pais, comunidade e funcionários. Eles partilham de uma conexão inspirada pela Escola da Ponte, criada pelo professor José Pacheco de Portugal.
O CCI é um exemplo de um compromisso ético com a educação, no que se refere ao tratamento com os seres humanos. Seu idealizador, o senhor Luiz Parra Camargo, enfrentou desafios na infância que mesmo tendo perdido o seu olho esquerdo aos dez anos de idade, conseguiu realizar seu sonho. Como também era humilde, durante os anos quarenta, seu Luiz Parra, quando criança ficava sentado na calçada, esperando os restos de ossos de frango e pedaços de pão que a elite jogava pela varanda da mansão no período natalino.
Intrigado com esta cena, e pela sua genuína vontade em ajudar o próximo, seu Luiz pensava em melhorar a situação das crianças quando estivesse adulto. Comovido, disse aos pais que quando crescesse iria fundar uma creche para que as crianças não passassem pela mesma circunstância da fome. Então, através de um grupo de voluntários, conduziu sua vida pela compaixão em ajudar os menos favorecidos . Vale salientar que Mogi Mirim foi fundada pelos bandeirantes em busca de ouro e pedras preciosas. O nome da cidade significa Pequeno Rio das Cobras de origem tupi. Encantados com o clima e com a terra fértil, os bandeirantes se estabeleceram pelo século XVII e XVIII no local.
Mogi Mirim foi fundada por bandeirantes que buscavam pedras preciosas em Minas Gerais e Goiás. O nome vem do tupi e significa Pequeno Rio das Cobras. O arraial de Mogi Mirim já possuía bom número de habitantes em 29 de julho de 1747, quando começaram a ser cavados os alicerces da primitiva Igreja Matriz de São José. A elevação da Freguesia de São José de Mogi Mirim a Vila se deu em 22 de outubro de 1769.
Há de se considerar que, os fazendeiros da região das lavouras de café e algodão, tinham como trabalhadores escravos, os africanos, os imigrantes, italianos, portugueses, espanhóis, sírio-libaneses e japoneses. Digamos que a história de Mogi Mirim é a história da colonização do Brasil. Toda essa contextualização é para contar das desigualdades que existem no país. Os descendentes dos imigrantes como é o caso de seu Luiz Parra, revela a compaixão pelos menos favorecidos da região. O CCI foi fundado com o intuito de oferecer educação, compaixão e cuidado às crianças necessitadas.
Como diz o palhaço, escritor e educador Cláudio Thebas, “O pensamento é a ponte que o corpo constrói para chegar ao desejo.” Era o desejo de seu Luiz Parra proporcionar uma nova educação em Mogi Mirim. Também o Centro se inspirou nos parâmetros da Escola da ponte, onde o professor José Pacheco afirma que “No campo da educação, um projeto inovador é sempre um ato coletivo…” Então, com o pensamento coletivo o CCI é construído para enaltecer a comunidade com a proposta de trazer uma educação da paz, da sustentabilidade, do cuidado, ou seja, um compromisso ético com a educação, baseado nos pilares da Escola da Ponte de Portugal, solidariedade, responsabilidade e autonomia.
Com quarenta e cinco anos de existência atendendo mais de mil e oitocentas crianças da comunidade, o CCI caminha rumo aos cinquenta anos com maestria em matéria de educação e compromisso. De cor azul claro e branco, o Centro é um espaço de muita paz e ternura. Um ambiente de cooperação. E como funciona este lugar? Com planejamento. Para a coordenadora-geral Rosimary Munhoz, o Centro, atualmente possui vinte e seis funcionários, desde professores, cozinheiras, assistente social, coordenadora, o pessoal da limpeza, entre outros que colaboram no cotidiano das tarefas.
O CCI oferece alimentação gratuita, onde os alunos podem repetir, mas não podem estragar os alimentos. Os alunos que acabam, ajudam outros alunos a terminarem sua refeição com paciência e delicadeza. Cabe salientar que a escola atende crianças de quatro a quinze anos. A organização não governamental cultiva valores para que as crianças aprendam sobre sua participação e contribuição no mundo e na comunidade.
Os alunos afirmam que tem professores maravilhosos, tem liberdade para expor seus quereres, tem espaço livre, tem assembleia para resolução de conflitos, tem animais carinhosos, tem muita natureza, tem diversão, tem parque, tem aula de futebol, as pessoas são muito legais, a comida é muito boa, tem biblioteca, tem cineminha, tem o clube de leituras, tem ajuda, tem a informática, tem a hora do sono, tem a paisagem para apreciar e brincar, tem karatê, tem galinha, tem horta, tem ar livre, tem muita coisa boa no CCI.
As crianças dizem com carinho que amam a Rosi, o Paulinho, a professora e os funcionários. Eles amam a liberdade, podem fazer tudo, menos bagunça. O lugar do dormir, a meditação, ajudar na horta são tarefas preciosas. Há assembleia para respeitar as regras, há oportunidades e também há atividades diferentes, são as falas dos alunos do CCI.
A amizade também é o que tem de bom no referido Centro, disse uma aluna. Viram quanta coisa boa tem neste pedacinho do céu na terra? É uma belezura de lugar! Mas, como sobrevive esta ONG? Segundo o site “O CCI caracteriza-se como uma organização privada sem fins lucrativos, e é mantida por doações de pessoas físicas e ou/jurídicas, com o evento mensal da venda das pizzas, parceria com a Goennerverein Tagesschule da Suíça e com a Prefeitura Municipal de Mogi Mirim, que constitui uma parceria indispensável para a garantia do trabalho. As ações propostas têm como tarefa contribuir para o fortalecimento de vínculos e a formação integral das crianças e dos adolescentes, focado na transformação social.”
Para tanto, Brené Brown comenta: “Estamos aqui para criar vínculos com as pessoas. Fomos concebidos para nos conectar uns com os outros. Esse contato é o que dá propósito e sentido à nossa vida, e, sem ele, sofremos”. Realmente, precisamos de muita amorosidade e compaixão em tempos distópicos. E é por isso que o CCI, já recebeu vários prêmios internacionais pela sua postura e compromisso ético com a educação . Acredito que a seriedade de todos que contribuem com a evolução da escola, faz com que haja uma sincronicidade, uma sinergia no desenrolar das tarefas e atividades.
No hall da entrada há paninhos de pratos, alguns livros que estão à venda e os próprios alunos deixam o dinheiro pegam o troco com autonomia e respeito. E como dizia a escritora Cecília Meireles “a educação é uma das coisas deste mundo que acredito de maneira inabalável”, é no CCI que a gente percebe o poder da educação.
Embora estejamos reticentes em relação à educação, o CCI mostra que podemos acreditar num mundo melhor pela educação. Assim, no dia 14/08/2024 tive a oportunidade juntamente com o professor José Pacheco de visitar esta inesquecível Escola. O professor José Pacheco foi recebido com muito carinho pelas crianças, de maneira mimosa elas fizeram desenhos em homenagem ao educador de Portugal da Escola da Ponte.
Nesse encontro teve a participação da professora, ex-secretária de cultura de Mogi Mirim e psicóloga, Flávia Rossi que ajudou na organização da referida visita do José Pacheco. No refeitório com as crianças vivenciamos o cotidiano delas. Sem ansiedade, as crianças cumpriram as dinâmicas da interação e da socialização. O que o CCI faz é educar para vida e no trabalho em equipe. No período da tarde o professor teve uma roda de conversa com gestores, professores e secretários sobre educação.
O professor perguntou o que queres mudar e como queres mudar? Para iniciar o debate instigante. Com a participação de Mauro Rego e Valéria Rôças, juntamente com a Tina da formação da Educação Humanizada e dos Românticos Conspiradores que conduziram a roda com maestria e ternura. Então, para uma nova construção social será necessário esquecer o sistema hierárquico, autoritário e excludente para dar espaço às comunidades de aprendizagem onde todos aprendam, falou o mestre Pacheco. Ele salientou que acredita nos professores, são eles que fazem a mudança.
O José Pacheco é um apoiador de mudanças. O presidente emérito do CCI, Paulo Roberto Silva, ressaltou que as crianças se sentem seguras no CCI e o que aprendem replicam em casa e a coordenadora-geral da entidade, Rosemary Roque Munhoz, também revelou que a filosofia do CCI é educar para vida.
O Diretor Presidente com simpatia o senhor Heber Christofoletti também foi um dedicado anfitrião contando a história dos presidentes que colaboraram com a citada instituição. A escola também traz a sustentabilidade como bandeira. Apreciamos uma abacatada deliciosa, (nunca comi igual) e a pizza que ajuda a angariar fomentos em prol do desenvolvimento do Centro. Há uma parceria com os pais e com a comunidade. Foi um encontro encantador, que ficará na história do CCI e de Mogi Mirim, até o prefeito da cidade compareceu para conhecer o professor José Pacheco.
Numa organização e paciência, a Rose, como é conhecida pelas crianças, nos mostrou a escola com carinho. Foi um dia inesquecível! Precisamos compreender e deixar de “ver o outro como uma ameaça” diz o escritor Eduardo Galeano, devemos ver o outro como um processo de encontro, de esperança e de cuidado. Descobri que o que existe no CCI como essência é o acolhimento. Todos são acolhidos e cuidados.
Talvez esse seja o segredo do CCI. Existe uma cosmovisão de mundo para uma boa convivência neste “pedacinho do céu aqui na terra”. Ou seja, “há urgente necessidade de que a fé, a esperança, o otimismo renasçam nos corações.”, era o que o educador espírita Eurípedes Barsanulfo falava.
Para brotar fé e esperança nos corações é necessário um esforço com a leveza de acolhimento, oferecendo e mostrando a vida, a partir do cotidiano nas relações sociais. Como afirma o professor Pacheco, “escola não são prédios, são pessoas”, o CCI tem em sua organização a valorização dos alunos, pais, professores, funcionários com acolhimento e carinho. Acreditem, é um Centro construído pela ternura, pois “a beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla.” (David Hume)