Constantin Brancusi, escultor romeno nascido em 1876, aparece como uma daquelas personalidades incontornáveis da história da arte do século XX. Sua trajetória reflete a de muitos outros artistas de sua época: partiu rumo a Paris em busca de aperfeiçoar sua arte, desafiou as convenções ao romper com seu mestre e desenvolveu uma linguagem artística única. Reconhecida como uma expressão autêntica e moderna, sua obra causou impacto significativo no circuito artístico europeu, especialmente entre os adeptos do surrealismo e do minimalismo.

Entre as décadas de 1920 e 1940, Brancusi dedicou-se predominantemente a explorar o tema do voo das aves. Durante este período, o escultor privilegiou a representação do movimento dos animais ao invés de uma simples representação realista. Como resultado, o artista criou cerca de 15 versões distintas em mármore, bronze e gesso, todas centradas no mesmo tema.

Poucos anos mais tarde, mais especificamente em 1926, o fotógrafo norte-americano Edward Steichen adquiriu uma das 15 esculturas sobre o voo das aves. A obra em questão, intitulada Bird in Space (Pássaro no Espaço), faz parte hoje da coleção do Seattle Art Museum. Pouco após a compra, a obra atravessou o Atlântico para juntar-se a outras 20 esculturas em uma mostra organizada Marcel Duchamp para a galeria Brummer, na cidade de Nova York.

No entanto, durante a inspeção alfandegaria, os funcionários determinaram que as esculturas de Brancusi não se enquadravam na categoria “obras de arte”, que permitiria sua entrada nos EUA livre de quaisquer impostos. Em vez disso, decidiram que era por bem sujeitá-las a categoria “utensílio de cozinha ou equipamento hospitalar”, cuja taxa estava em torno de 40% sobre o valor do produto.

Conforme indicado pelo documento fiscal emitido pela alfândega, a razão pela qual tais esculturas não poderiam ser qualificadas como tal, estava relacionada à própria definição do termo. Segundo a legislação, obras desse tipo deveriam ser reproduções esculpidas ou fundidas, que imitassem objetos naturais ou formas humanas.

Após protestos por parte dos envolvidos na organização das exposições, grande parte das obras foram liberadas de encargo, recebendo um visto de trânsito para que fossem expostas em Nova York. Acontece que este não foi o caso de Bird in Space, pois esta continuava equiparada a categoria de “utensílios de cozinha ou equipamento hospitalar”. Inconformado com tal situação, Marcel Duchamp e Edward Steichen resolveram iniciar um litígio perante a corte aduaneira. Brancusi, por sua vez, permaneceu na França.

A tese inicial apresentada pela alfândega perante o tribunal aduaneiro sustentava que a obra de Brancusi não se assemelhava adequadamente àquilo que ela deveria "imitar", conforme indicado por seu título. Nesse contexto, demonstrar se aquela escultura era ou não uma obra de arte não se limitava apenas a determinar sua isenção de taxas alfandegárias, mas também implicava numa reflexão sobre a própria definição de escultura e, por conseguinte, sobre o que deveria ser considerado uma obra de arte.

O rol de testemunhas convocadas perante o juiz J. Waite, foi composto por proeminentes nomes do mundo da arte dos Estados Unidos. Entre eles estava o proprietário da escultura, Edward Steichen, o escultor Jacob Epstein e William Henry Fox, diretor do Museu Brooklyn.

As polêmicas não deixaram de fervilhar durando todo o curso do processo, impulsionadas, em grande parte, pela natureza conceitual das esculturas. O juiz e os promotores se debatiam em um terreno completamente desconhecido a eles, demonstrando uma clara falta de familiaridade com o mundo das artes. Os depoimentos, muitos dos quais encontram-se agora publicados em livros e artigos, mostram um retrato vivido dessa batalha.

-Juiz: O que faz você chamá-lo de pássaro, parece um pássaro para você?

-Steichen: Não parece um pássaro, mas sinto que é um pássaro, é caracterizado pelo artista como um pássaro.

-Juiz: Se você o visse na floresta, não atiraria nele?

-Steichen: Não, Excelência.

Outra testemunha no desenrolar do caso, Jacob Epstein, viu-se sob o escrutínio dos interrogadores:

-Promotor: Então, se tivéssemos uma barra de latão, altamente polida, curvada em círculos mais ou menos harmoniosos, seria uma obra de arte?

-Epstein: Poderia se tornar uma obra de arte.

-Promotor: Se fosse feito por um escultor ou feito por um mecânico?

-Epstein: Um mecânico não pode criar uma obra bonita. Ele poderia poli-la, mas não pode conceber o objeto.

Mesmo as testemunhas arroladas pela defesa, também elas artistas e críticos de arte, defensoras de uma visão mais classicista, não conseguiram persuadir o tribunal de que Bird in Space não merecia ser considerado uma escultura.

Durante seu depoimento, o crítico de arte Frank Crowninshield foi convocado pelos promotores a explicar o que havia na obra que o levava a acreditar que era um pássaro, no que respondeu: "Ela tem a sugestão de voo, sugere graça, aspiração, vigor, aliado à velocidade no espírito de força, potência, beleza, assim como um pássaro faz. Mas apenas o nome, o título, desta obra... por que, na verdade, não significa muito". Este momento revelou uma lacuna na argumentação da promotoria, incapaz de conceber uma obra daquela.

É evidente que, apesar de a contenda aduaneira ser o cerne do litígio, ela rapidamente se tornou uma questão secundária. A discussão que se travou na corte não se limitou à tributação daquele objeto em particular; dele derivou-se uma discussão mais profunda sobre o que afinal seria uma obra de arte.

Como era de se esperar, o juiz J. Waite pronunciou-se reconhecendo que, sob a influência de escolas de arte moderna, os critérios que prevaleciam em outros tempos haviam se transformado tornando-se obsoletos para embasar decisões judiciais.

Então, após minuciosa análise dos depoimentos apresentados, a corte aduaneira conclui que Bird in Space era, inquestionavelmente, uma produção original de um escultor profissional, e como tal, uma obra de arte isenta de impostos alfandegários. Nas palavras do juiz J. Waite, a decisão proferida foi:

Enquanto isso, tem se desenvolvido uma chamada nova escola de arte, cujos expoentes tentam retratar ideias abstratas ao invés de imitar objetos naturais. Independentemente de concordarmos ou não com essas ideias mais recentes e as escolas que as representam, achamos que os fatos de sua existência e sua influência nos mundos da arte, como reconhecidos pelos tribunais, devem ser considerados.

Os detalhes do julgamento, como as atas dos interrogatórios, foram revelados ao público pela primeira vez por Adam Biro, em Paris, no ano de 1995. Sua obra, intitulada Brancusi Contra Estados Unidos: Um Julgamento Histórico, 1928, lançou uma nova luz sobre os pormenores dessa disputa. Outros autores, como Arnaud Nabbeche na publicação Brancusi vs. United States, também ofereceram novas perspectivas sobre o caso. Ambos os livros permanecem inéditos no Brasil.