Dia desses, apreciando umas obras de arte, me vi novamente encantada, pois amo muita coisa. Todos os tipos de arte me inquietam; apenas as pinturas abstratas me intrigam, mas, sendo de Pollock, amo igual. (Jackson Pollock, pintor norte-americano, referência do movimento expressionismo abstrato – Wikipédia).

Confesso que não sou conhecedora desse vasto assunto. Dele, me interessam mais de perto alguns temas, como a dança, a música, a pintura e a moda, mas a arte me circunda; anda perto de mim, me sondando, como quem quer namorar. Eu flertei com a música logo cedo, quando fui para o conservatório estudar teoria musical e flauta, mas dessa época lembro quase nada. Talvez naquela época minha personalidade obsessiva gritasse tão alto que, mais do que detalhista, ela me assombrava, impelindo vergonha e culpa. Dessa forma, era impossível me permitir experimentar, errar e, talvez, um dia acertar muito. O piano na sala, que ganhei muitos anos depois, foi presente de amor e me ajuda a desestressar. Ao sentar e dedilhar, notas trocadas produzem sons absurdos, que hoje me dou o direito de deixar fluir.

Sempre identifico a perfeição como uma cópia invejosa do “grande criador”, que nada mais é que uma disputa por ser algum tipo de filho preferido, herói reconhecido ou personalidade destacada e, talvez, intocada. O feito, para além de ser feito, precisa ainda ser perfeito. Fico maravilhada com a perfeição, mas, como estudiosa do comportamento humano, vejo o quão ruim é a impossibilidade de experimentar, deixar fluir, fazer o bom em busca do ótimo. Poder ser tão distante da maestria universal e se deixar retocar.

Arriscar, fazer e iniciar qualquer tipo de movimento artístico é puro ato espontâneo que pode se transformar, evidentemente, numa ditadura de perfeição, puro acerto e técnica daquelas de tirar o fôlego. Entretanto, a sensibilidade genuína, a essência criadora, é capaz de feitos incríveis e sensações memoráveis.

O ato criador, como diz Moreno, psiquiatra romeno que viveu em Viena e foi o fundador da Teoria do Psicodrama (Wikipédia), é a mais pura e integral resposta do sujeito ao seu interlocutor e coletivos dos quais faz parte. É a possibilidade de resposta não inventada ou mediada pelo ego, mas sim a mais pura expressão. Sem sombra de dúvida, é quando interpretamos os papéis sociais que se dá a possibilidade do enrijecimento, e então somos levados a perder a espontaneidade.

E é a partir da sua essência espontânea que nasce o “ato criador”, onde a criatura se torna maior que o criador, e que bom que isso acontece. Na minha percepção de psicodramatista, o criador deve sentir-se abandonado pela sua criação e recorrer à sua matriz de identidade criadora para novas criaturas.

Para os humanos, a arte funciona como profissão e terapia, pois ela tem o poder curativo de te levar para fora de si, com projeções incríveis. Assim, revela a luz e a sombra de cada um, ali postas e eternizadas. Há aquelas pessoas que fazem disso sua vida e vivem da arte, outros consomem arte para fugir do caos, e existem os curiosos como eu, que querem saber como funciona, quem é que está por trás da obra e como ela chega ao nível de perfeição, muitas vezes densa como um cimento seco, e outras leve como uma pluma.

E foi como psicodramatista que consegui buscar parte da minha espontaneidade perdida e criadora, e, se assim não fosse, talvez não estivesse por aqui a escrever.

Ao ver um quadro realista, vemos o paralelepípedo saltar do chão e nos perguntamos como é possível tamanha semelhança com a realidade. Digo semelhança porque foi produzida pelas mãos de alguém, não é o objeto em si. Quando assistimos a um espetáculo de balé, somos incapazes de entender como uma bailarina consegue rodopiar como um redemoinho nas pontas daquela Capezio, sem cair. Ou mesmo como Camille Claudel, escultora francesa, conseguiu, em suas obras, imprimir tão bem seu amor vivo e louco. Da mesma forma, nos estarrece a perfeição das peças do nosso escultor brasileiro conhecido mundialmente como Aleijadinho, que nos brindou com suas peças sacras dos séculos XVII e XVIII.

E o que dizer de tantos outros artistas, músicos, escultores, atores igualmente diferenciados e, por que não dizer, perfeitos?

O que diríamos dessas aberrações criativas? De que se compõem? Técnica, treino, paixão, dor, conhecimento, criatividade, um dom espiritual, um misto de muitas dessas, enfim.

Talvez, nesse mundo virtual, existirão novos formatos de arte, arte com perfeição. Mas me pego analisando se o homem, tão machucado pela sua fantasia impotente, não sofrerá ainda mais por não alcançar elevados padrões de tecnologia artística. Prefiro pensar que o homem optará pela despretensiosa possibilidade da desconstrução do ideal e fugirá pela arte em si, da forma mais simples, laboriosa e catártica, possibilitada pela mais pura essência criadora individual encontrada nos seres humanos espontâneos.