A Casa Azul, onde Frida Kahlo nasceu e anos mais tarde morreu, foi eternizada por sua história. É lá que hoje se encontra o Museu Frida Kahlo, visitado por milhares de pessoas todos os anos. O que leva mais de 25.000 pessoas a visitá-lo a cada mês é, sem dúvida, o fascínio e a admiração por uma das mulheres que mais se destacaram na arte e cultura mexicana, tanto pela sua obra quanto pela sua história.
Frida tornou-se um exemplo de força e resignação nos quatro cantos do mundo. Ela enfrentou inúmeros desafios ao longo de sua vida e, mesmo com as adversidades, é senso comum que mantinha a alegria e a paixão pela vida. Seus amigos próximos relatam uma Frida gentil e brincalhona, e sua determinação e coragem sempre foram evidenciadas.
Desde uma infância afetada pela poliomielite, que deixou sequelas em sua perna direita por toda a vida, até o terrível acidente que sofreu no final de sua adolescência e que mudou completamente o rumo de sua vida, Frida sentiu na pele as dificuldades causadas por um corpo limitado desde muito cedo. Ela se dedicou aos esportes e atividades físicas quando era garota como forma de combater a doença e se fortalecer, física e emocionalmente. Depois, teve que deixar para trás a Frida ativa e cheia de planos quando o acidente a deixou de cama por meses a fio e com sequelas permanentes.
A menina que se preparava para estudar medicina na mais conceituada escola do México e tinha uma vida social em plena ebulição foi obrigada a ficar reclusa e a se submeter a inúmeras cirurgias. Foram meses e meses entre o hospital e sua casa, passando por diversos tratamentos, inclusive experimentais, para amenizar as sequelas deixadas em seu corpo. Muitos consideravam um verdadeiro milagre ela ter sobrevivido.
Nesta época, ainda de cama, começou a pintar e, pouco a pouco, foi se desenvolvendo nesta área. Seu traço firme e milimétrico era de uma exatidão que impressionava. Suas obras refletiam seu mundo interior, suas dores. Era sua forma de expressão.
Tempos depois, já casada com o conceituado muralista Diego Rivera, experimentou uma nova vida. Diego passou a ser o centro do seu mundo; ela o admirava sobremaneira e tomou para si o papel da esposa dedicada. Era algo natural e ela o fazia com total entrega e alegria. Ela o apoiava em suas decisões, estando sempre ao seu lado. Pouco tempo depois de casados, foram morar nos Estados Unidos, visto que a situação do marido no México não era das mais favoráveis naquele momento. Contudo, ela nunca se sentiu em casa morando naquele país tão diferente do seu. E quando Diego decidiu retornar, foi com alegria que ela o fez.
Ainda assim, apesar de sua devoção pelo marido, os anos ao seu lado não foram dos mais fáceis. Ela teve que lidar com o fato de nunca conseguir sustentar uma gravidez até o final, pois seu corpo fragilizado não permitia. Também conheceu a dor da traição, uma dor profunda que a acompanhou por toda a vida devido aos inúmeros casos extraconjugais do marido ao longo dos anos. O que mais a abalou foi o caso que Diego passou a ter com sua própria irmã, Cristina. A partir desse episódio, ela mudou seu viés de adorável esposa para uma mulher mais complexa, que já não queria estar no papel de apetrecho do marido famoso, sendo ofuscada por sua genialidade.
Em vez disso, passou a buscar sua própria independência. Essa relação era representada pela casa em que moraram em San Ángel (hoje conhecida como Casa-Museu Frida Kahlo e Diego Rivera), ligadas por uma ponte que conectava as duas habitações. Diego ficava em uma das edificações e Frida na outra; quando queriam se encontrar, atravessavam a ponte que as ligava. Diego era quem ganhava o dinheiro, mas era Frida quem o administrava. Ele não tinha interesse em finanças. Apesar das grandes quantias que Diego recebia, os gastos do casal, as altíssimas despesas médicas de Frida, as frivolidades de Diego e suas várias doações a partidos políticos faziam com que vivessem em uma constante gangorra financeira.
Foi na época em que moraram em San Ángel que Frida mais se dedicou à pintura. Os fatos que mais a marcavam apareciam em suas obras, e o observador mais atento conseguia identificar as dores e angústias que elas carregavam. Diego, devido à sua vivência no exterior, sua fama e sua genialidade na pintura, era muito bem relacionado. Seus contatos sociais e amizades também foram se estendendo para a vida de Frida. Alguns viraram amigos próximos, outros admiradores do talento de Kahlo. Assim, suas pinturas foram pouco a pouco sendo mais conhecidas e apreciadas. Ela, então, foi convidada por Julien Levy a fazer sua primeira exposição em Nova York, no ano de 1939.
Mesmo com suas limitações físicas, Frida cuidou de cada detalhe dessa exposição, viajou sozinha para os Estados Unidos e lá se manteve por alguns meses investindo em seu trabalho. A essa altura, sua relação com Diego já não era a mesma. Enquanto o marido continuava a sustentar seus romances, Frida também passou a ter seus casos, entre eles, um dos mais conhecidos, com o político soviético Leon Trótski. Quando, ainda no México, Frida e Diego o receberam em casa, dando-lhe asilo. Ainda assim, o cuidado que Frida e Diego tinham um com o outro era notório.
Frida preocupava-se em ir sozinha para Nova York e deixar Diego sozinho no México, assim como Diego se preocupava com como as coisas correriam para ela sozinha por lá. Ele a aconselhou e escreveu cartas de apresentação para pessoas importantes que pudessem auxiliá-la em Nova York. No fim, a exposição de Frida foi considerada um sucesso e, logo em seguida, ela foi convidada a expor em Paris.
Frida era a única pintora mexicana a ter uma obra em poder do Museu do Louvre, que comprou uma de suas obras após sua exposição na capital francesa. Um mérito enorme, fruto do reconhecimento de seu trabalho. Contudo, fosse nos Estados Unidos ou na Europa, Frida ainda distante de Diego, colecionava romances, tanto com homens como com outras mulheres, e continuava suas peregrinações em consultórios médicos, buscando tratamento para sua saúde debilitada. Sua coluna e sua perna lhe causavam dores terríveis, mas ainda assim, ela se mantinha ativa.
Após a estreia de Kahlo em Paris, Diego, muito orgulhoso da esposa, escreveu com entusiasmo sobre os acontecimentos na França:
Quanto mais rigorosos os críticos, maior seu entusiasmo [...] Kandinsky ficou tão comovido com a pintura de Frida que, diante de todos os presentes à exposição, a ergueu nos braços e beijou suas bochechas e testa enquanto lágrimas escorriam por seu rosto. Até mesmo Picasso, o mais difícil dos difíceis, louvou as qualidades pessoais e artísticas de Frida. Do momento em que a conheceu até o dia em que ela foi embora, Picasso ficou enfeitiçado.
Quando retornou ao México, cinco meses depois, ela estava desolada com o fim de um de seus romances. Juntamente a isso, ela e Diego decidiram se divorciar. Ela voltou a morar na Casa Azul de Coyoacán e deixou Diego na casa de San Ángel. Contudo, apesar do divórcio, eles mantinham uma relação muito próxima, faziam aparições juntos e eram sempre o assunto mais interessante em qualquer evento.
Após a separação, Frida se empenhou em viver de sua arte, o que, apesar de seus méritos e mesmo já sendo uma artista conhecida, não foi tarefa fácil. Vez ou outra, ela tinha que pedir auxílio financeiro a algum amigo, visto que não queria depender do ex-marido.
Mas, quando Frida voltou a adoecer seriamente entre 1939 e 1940, sentindo-se sozinha, debilitada e com dores dilacerantes, o desespero a fazia beber uma garrafa inteira de conhaque por dia. Os médicos no México recomendaram-lhe mais uma cirurgia. Diego, muito preocupado com Frida, foi se aconselhar com o médico de confiança e amigo pessoal de Kahlo em Los Angeles e, juntos, decidiram que o melhor seria levá-la para os Estados Unidos para lá cuidarem dela. Já na Califórnia, após uma temporada no apartamento de Diego, ela foi internada no hospital, onde ficou um mês sendo submetida a exames e tratamentos. Apesar da enfermidade, ela ficou muito contente com o carinho e cuidado que Diego lhe dispensava e anunciou aos amigos mais próximos que ela e Diego voltariam a se casar. Ele a pedira novamente em casamento.
Diego preocupava-se com o bem-estar de Frida e vê-la deteriorando-se sozinha era algo que ele não suportava. Mas a verdade é que ele também precisava dela. Como ele mesmo certa vez afirmou: “o divórcio estava tendo um efeito nocivo para ambos”. Então, após dois anos separados, eles voltaram a se casar.
De volta ao México, Frida retornou ao hospital, onde foi operada novamente, desta vez por conta de uma cirurgia de junção de vértebras. Contudo, a cirurgia não ocorreu bem e ela teve uma infecção gravíssima. Foram diversas complicações e ela teve que recorrer à morfina para suportar as dores. No total, passou mais um ano inteiro internada. Nesta época, Diego ocupou um quarto no hospital ao lado do seu para que pudesse passar as noites ao seu lado. Ele foi extremamente terno e carinhoso com ela, sempre buscando animá-la e distraí-la.
Já em casa, a saúde de Kahlo continuava a se extinguir e, quanto mais fraca ficava, mais ela se vinculava a tudo ao seu redor: suas pinturas, seus objetos, a política, seus amigos, Diego... Era como se ela precisasse disso para não desaparecer do mundo. “Eu amo muito as coisas, a vida, as pessoas”, ela dizia.
Depois da primavera de 1953, sua amiga Lola Álvarez decidiu organizar uma exposição de Frida na Cidade do México. Kahlo tinha novamente sido submetida a outra cirurgia, desta vez de transplante ósseo, e estava muito mal. Lola sentia que o fim de Frida estava próximo e, na opinião dela, Kahlo merecia uma homenagem ainda em vida. Ela sugeriu a exposição a Diego e, juntos, deram a notícia para Frida, que ficou extremamente feliz. Seria a primeira exposição individual de Kahlo em sua terra natal. Foi uma noite histórica. Frida estava extremamente debilitada, mas, no meio da noite, com a galeria lotada, Kahlo chegou de ambulância, sendo carregada em uma maca e acomodada em sua cama exposta no centro do salão. Foi um burburinho sem precedentes. Os repórteres e fotógrafos ficaram em estado de choque. Mesmo cansada e fisicamente destruída, Frida se despedia do mundo de uma maneira única: rodeada de arte, amigos e vida!
Além dos problemas na coluna, Frida estava com um sério problema de circulação na perna direita, e “gangrena” era o termo utilizado para descrevê-lo. A recomendação médica era de amputar o pé. Um choque absurdo para ela, sua vaidade feminina e seu senso estético. Contudo, as dores eram tão intensas e a cada dia ela definhava mais que, por fim, aceitou seu destino. Diego lamentava-se tanto quanto Frida; ele sabia que, se ela amputasse o pé, não teria mais forças para se recuperar, e que seu ego ferido e seu corpo mutilado seriam para ela o fim.
Ele estava certo. Após o procedimento, Kahlo morreu aos poucos durante os meses que se seguiram. Em seu diário, ela escreveu:
Amputaram-me a perna há seis meses, deram-me séculos de tortura e há momentos em que quase perco a razão. Continuo querendo me matar. O Diego é que me impede de fazer isso, pois a minha vaidade me faz pensar que ele sentiria a minha falta. Ele me disse isso e eu acreditei. Mas nunca sofri tanto em toda a minha vida.