A autora Susan Sontag, ao escrever a obra Sobre Fotografia 1977), abordou um período de turbulência e extrema dúvida sobre o futuro da humanidade no século XX, marcado por duas guerras mundiais e uma guerra fria, que muitos sabiam poder ocasionar o fim de suas próprias existências. Nesse contexto, Sontag refletiu sobre um ponto fundamental na discussão: a situação da modernidade, a fotografia como uma nova tendência nas artes visuais e o novo modo de ver o mundo.
Um dos trechos que mais me chamou atenção foi a análise da transição entre a pintura e a fotografia, dois pontos de encontro essenciais do século passado. Vindos de uma transição artística secular, a pintura passou por processos de remodelações e reinterpretações do estilo Renascentista aos mais atuais. Este mesmo processo desvinculou a pintura da expressão realista e verídica da contemporaneidade.
O ponto de interesse neste fato traduz-se através dos estilos de pintura do século XVIII e XIX. Possuíamos o impressionismo e, posterior a ele, tínhamos o neoimpressionismo, caracterizado pela observação da natureza e "fuga" dos ateliês de pintura. Posteriormente, podemos vincular o cubismo, surrealismo e, por fim, o abstratismo já como estilos mais utilizados no século XX.
Nesse processo transicional, é interessante observar como os quatro estilos se desvincularam da representação da materialidade e da realidade. O estilo de Van Gogh, reconhecido mundialmente post-mortem, sublinhava o uso das cores, a pintura ao ar livre, a paisagem e a natureza, com toques de realismo, mas não comparado ao artista Bouguereau, que, por exemplo, dedicava-se a uma estilização da pintura quase que metafísica.
Em nesses dois estilos, podemos perceber como a transição dos séculos possibilitou práticas diferentes e com diversos significados. Monet realizava pinturas impressionistas retratando as cidades com o uso das cores e toques de veladuras simples que o caracterizaram como uma referência no estilo. Tais pintores citados foram influências importantes para as transições artísticas para a nossa época moderna, como Salvador Dalí e seu surrealismo, que não se alinhava mais à representação social verídica, mas sim, filosófica.
Dalí assim trouxe a arte para o patamar da reinterpretação social através de uma complexa análise de suas obras, como o cubismo de Picasso ao fazer "Guernica", denunciando a guerra civil espanhola, mas não usando o realismo da denúncia política como Goya fez em 1808, retratando o dia 3 de maio.
Sontag explora a pintura como um processo de transformação ao longo do tempo, desassociando seu caráter realista para dar espaço a esta prática para a fotografia, elemento que, depois de criado, virou um artífice sem igual na contemporaneidade.
A fotografia ampliou o espaço visual desde sua criação; a sua relação com a sociedade globalizada tornou-se um elemento indissociável, fazendo o ser humano fotografar tudo, desde o belo, o prazeroso e artístico, ao melancólico, violento e absurdo.
A foto figurava agora em todos os cantos, denunciava a guerra e o assassinato, fotografava a união política, criou a sensação de liberdade de expressão na era globalizada; a foto se tornou um meio político e de participação social. Com ela, veio um dos principais entretenimentos contemporâneos, a filmagem, consequentemente, os filmes, figura carimbada no século XX e XXI.
A popularidade da expressão fotográfica foi crucial para pensarmos a diferenciação com a pintura, pois agora a câmera se tornou acessível, e o dispositivo móvel facilitou ainda mais esse processo. Sua adesão e facilidade tornaram-no um importante artefato histórico, criando assim um objeto de interessantes discussões e debates.
O fragmento da imagem constituiu pequenos instantes de representações que anteriormente eram impossíveis de se imaginar. Através disso, tivemos uma diversidade de ideias, ambientes, situações, pessoas, lugares e memórias criadas através da fotografia.
O mundo moderno do século XXI aprimorou ainda mais esse processo, utilizando as redes sociais como uma comunicação fotográfica e visual, fazendo isso se tornar um componente praticamente universal na vida das pessoas. O fragmento fotográfico, antes uma representação visual itinerante, hoje é o todo e tudo para milhares de pessoas.
A demonstração das rotinas, das atividades, do dia a dia constituiu uma sociedade conectada e informada, mas ao mesmo tempo, uma realidade problemática. A mentira, a ilusão e a construção do argumento compartilhado formularam um conceito contemporâneo importante no nosso dia, as fake news. Esse mesmo processo condiciona bem a reflexão até onde a imagem pode alcançar seus vieses e interesses de quem faz a captura.
A sociedade atual se conectou através de telas que praticamente ditam sua vida, planejam suas falas e seus gostos, fazem o ser humano perder sua própria originalidade devido a um consumo exacerbado de conteúdos informacionais repletos de imagens e reproduções. A tecnologia sendo um artífice importante ainda não conseguiu produzir uma maneira de controlar essa prática viciosa de consumo de imagens, nem sabemos se a desejam verdadeiramente.
Um ponto de destaque a se mensurar neste texto é um trecho do livro da autora:
As câmeras miniaturizam a experiência, transformam a história em espetáculo. Assim como criam solidariedade, fotos subtraem solidariedade, distanciam as emoções. O realismo das fotografias cria uma confusão a respeito do real, que é (a longo prazo) moralmente analgésica bem como (a longo e curto prazo) sensorialmente emocionante. Portanto, clareia os olhos. Está é a visão nova de que todos falaram.
Assim, a importância central da nossa discussão apresentada pela autora atravessa diversas interfaces interessantes para trabalhar a concepção sobre fotografia, os pontos centrados como a transição da pintura e a liberdade da produção abstrata. Além disso, a obra da autora visa elencar outros determinados pontos essenciais para compreendermos nossas relações com as fotografias atualmente, para que, com o passar do tempo, não nos tornemos mais reféns delas.
Portanto, para terminar este texto, é importante salientar que a sociedade moderna, através do seu sistema midiático e tecnológico, tem-se tornado uma população dependente de mídias sociais e da internet, levando um dos seus principais aspectos, a auto demonstração, a níveis exacerbados e exagerados, a fim de ganhar uma certa "aprovação social". Mas, dentre outros aspectos, devemos analisar também a importância da fotografia sob outros aspectos, sempre filtrando o que é necessário e desnecessário ser consumido e importante.