Após o trágico acidente que Frida Kahlo sofreu no final de sua adolescência, muitas coisas mudaram em sua vida. Ela precisou passar por um longo processo de recuperação, que incluiu inúmeras cirurgias e meses de convalescença em uma cama. Com isso, ela acabou por abandonar seus estudos na Escola Nacional Preparatória, seu namoro com o jovem Alejandro Arias também terminou, e ela passou a explorar a pintura durante o longo tempo em que esteve acamada, utilizando cavaletes adaptados que sua mãe encomendara especialmente para ela.
Ao ir se recuperando, por intermédio de amigas, decidiu se filiar ao Partido Comunista e foi lá que começou a travar relações com o famoso muralista Diego Rivera. Ela já havia tido contato com Diego na época da Preparatória, quando o artista foi encarregado de pintar um enorme mural. Naquele período, Frida, entre suas aulas, gostava de observar Diego pintando.
Na época em que se aproximaram, Rivera era o artista mais famoso do México. Sua dedicação, fluência e velocidade na pintura eram incríveis. Quando pintava, parecia estar tomado por uma força sobre-humana. Não foram poucas as vezes em que ele fez suas refeições ou até mesmo passou noites sobre os andaimes, enquanto trabalhava para concluir seus murais. Começou a pintar ainda menino e, aos 10 anos, enquanto ainda estava na escola primária, exigiu de seus pais que o mandassem para uma escola de arte, a Academia de Belas Artes de San Carlos. Ganhou prêmios e bolsas até que, em certo momento, começou a achar o ensino acadêmico limitado e passou a trabalhar por conta própria. Quando decidiu alavancar seus conhecimentos na Europa, passou um ano na Espanha, depois se estabeleceu em Paris, até voltar anos depois para o México, deixando para trás uma ex-esposa, uma filha ilegítima e muitos amigos boêmios e artistas. Em seu país de origem, estava empenhado em criar uma arte revolucionária e especificamente mexicana.
Foi em 1928 que Frida de fato o conheceu. Na época, ela tinha 21 anos e Diego, 41. Ele havia terminado seu segundo casamento com a mexicana Lupe Marín, com quem teve duas filhas, e havia sido chamado às pressas pelo Partido Comunista para trabalhar na Campanha Presidencial de Vasconcelos.
Embora fosse um homem gordo e feio, Diego atraía as mulheres com facilidade, devido à sua personalidade, humor brilhante, charme e vitalidade. Sabia ser afetuoso e também era muito sensual. E claro, também era famoso, algo que não podia ser ignorado. Era um homem mulherengo; muitas das modelos que posavam para seus murais (normalmente nuas) também acabavam conhecendo a cama do pintor.
Existem inúmeras versões de como Frida e Diego realmente se conheceram, mas uma delas é a que a própria Frida descreve em seu diário:
Assim que me deram permissão para andar e sair à rua, fui carregando minhas pinturas, ver Diego Rivera, que na época estava pintando afrescos nos corredores do Ministério da Educação. Eu só o conhecia de vista, mas o admirava imensamente. Fui corajosa o bastante para chamá-lo para descer do andaime, queria que visse minhas pinturas e me dissesse sinceramente se elas valiam ou não alguma coisa... Sem mais delongas, eu disse: ‘Diego, desça’. E, sendo do jeito que ele é, tão amável, tão humilde, ele desceu. – Olha, não vim para flertar nem nada disso, mesmo sabendo que você adora um rabo de saia. Vim aqui te mostrar minha pintura. Se estiver interessado, me diga; se não, me diga também, porque aí vou trabalhar em alguma outra coisa para ajudar meus pais. Então ele me olhou e disse: – Olha, em primeiro lugar, estou muito interessado em sua pintura, principalmente neste seu retrato, que é o mais original. As outras três me parecem influenciadas por coisas que você viu. Vá para casa, pinte um quadro, domingo que vem eu passo lá para ver e te digo o que eu acho. Ele fez isso e me disse: Você tem talento.
A versão de Rivera sobre esse dia é mais detalhada e talvez um pouco mais romantizada também, mas ambas mantêm o mesmo teor sobre como se conheceram. Em alguns trechos de seu relato, fica nítida a admiração que ele criou por ela desde aquele momento:
Quando examinei suas pinturas, uma por uma, fiquei extremamente impressionado. As telas revelavam uma rara energia de expressão, um delineamento preciso de caráter e uma verdadeira severidade. Elas nada tinham dos truques em nome da originalidade que marcam o trabalho de iniciantes ambiciosos. Tinham uma honestidade plástica fundamental e uma personalidade artística própria. [...] Para mim era óbvio que aquela menina era uma autêntica artista. [...] Ela disse: ‘Não vim aqui atrás dos seus elogios. Quero a crítica de um homem sério. Não sou amante da arte nem amadora, sou só uma menina que precisa trabalhar para viver’. [...] Eu me senti profundamente comovido de admiração por aquela menina. Tive de me refrear para não a cobrir de elogios tanto quanto eu queria. [...] No domingo seguinte me vi em Coyoacán, procurando a Avenida Londres, 126. Quando bati na porta, ouvi alguém assoviando por cima da minha cabeça. No topo de uma árvore alta, vi Frida, de macacão, começando a descer. Rindo alegremente, ela segurou minha mão e me levou para dentro da casa, que parecia estar vazia, e para dentro do quarto dela. E então me exibiu todas as suas pinturas. O desfile de telas, o quarto dela, sua presença radiante, me encheram de uma maravilhosa alegria. [...] Eu ainda não sabia, mas Frida já tinha se tornado o fato mais importante da minha vida, e continuaria sendo, até o momento de sua morte, anos depois. [...] Dias depois de visitar Frida em casa, eu a beijei pela primeira vez.
Ao concluir seu trabalho no Ministério da Educação, Diego passou a cortejar Frida seriamente. Apesar da grande diferença de idade entre eles, isso não foi um empecilho, e a família dela parecia aceitar bem. Ele a visitava aos domingos, e ela passava horas a fio com ele em cima do andaime, o observando pintar. Durante o namoro, Frida também passou a pintar com mais vigor e confiança. Expor suas obras a Diego e ver que ele verdadeiramente as admirava a enchia de alegria, pois ela pensava que a admiração dele por sua arte também o fazia amá-la e admirá-la. Diego a estimulava a achar sua verdadeira voz dentro da pintura: “Sua arte deve levar você à sua própria expressão.” Sem dúvida, Rivera foi durante toda a vida de Frida um dos maiores admiradores e apoiadores da arte de Kahlo, sem, contudo, modificá-la. Ele se absteria de ensiná-la, pois não queria macular o talento próprio de Kahlo. Frida, no entanto, observava e ouvia o muralista e assim aprendia com ele.
Pouco tempo depois, quando Diego pediu a mão de Frida em casamento, as opiniões se dividiram. Enquanto alguns amigos a apoiavam a se casar com o grande gênio da pintura, outros ficavam perplexos ao ver que ela esquecera seu antigo e lindo namorado para se juntar a um homem feio e velho. Já seu pai, Guillermo Kahlo, aprovou a união, talvez influenciado também pela situação que vivia em casa. Com dificuldades de sustentar a família e tendo que pagar as altas despesas médicas de Frida após o acidente, que não eram poucas e que ele sabia que se estenderiam por anos, ele viu na união com Rivera uma solução. Nem Guillermo nem a mãe de Frida estavam em boa saúde; Frida era ainda a única filha solteira, e eles já não tinham perspectiva, após o acidente, de que ela tivesse uma carreira profissional. Casando-se com Rivera, ela teria um homem tido como rico e generoso, capaz de sustentá-la e suportá-la em suas necessidades. Sua mãe, contudo, não queria aceitar que a filha se casasse com um homem de 42 anos, feio, gordo, comunista e ateu, mesmo sendo rico. Mas ela nada pôde fazer a respeito e, em agosto de 1929, os dois oficializaram a união. Frida relatou mais tarde em seu diário:
Ninguém compareceu à cerimônia, só meu pai, que disse a Diego: – Saiba que minha filha é uma pessoa doente e vai ser doente a vida inteira; ela é inteligente, mas não é bonita. Pense bem se é isso que você quer, e se você quiser se casar, eu dou a minha permissão.
Algum tempo após o casamento, Diego rompeu com o Partido Comunista, mesmo mantendo seus ideais marxistas que continuaram como o centro de suas pinturas. Diego, sendo secretário-geral do Partido Comunista Mexicano, estava sempre sob fogo cruzado e contra ele pesavam muitas acusações. Suas amizades eram questionadas, sua discórdia com outros membros do partido e o fato de aceitar encomendas de novos murais de um governo tido como reacionário, algo que o partido enxergava como propina: permitir que Rivera pintasse martelos e foices em prédios públicos fazia com que, aos olhos da opinião pública, o governo parecesse liberal e tolerante. As amizades que Rivera fazia com quem bem entendia também eram vistas como desvio de inclinação direitista e toda a situação passou a ficar insustentável para o muralista, que decidiu se autoexpulsar do partido.
Após esse episódio, ele continuou trabalhando com afinco, foi nomeado diretor da escola de artes onde estudou quando era menino e pintou de forma prodigiosa. Já Frida não se dedicou muito à pintura nesta época. Para ela, ser esposa de Diego era em si um trabalho de tempo integral. Ela cuidou dele quando ele adoeceu por esgotamento físico e também se desvencilhou do partido após a saída do marido. A carga de trabalho absurda de Rivera era motivo de preocupação para Frida; em um episódio, ele chegou a adormecer no andaime, por exaustão, e caiu lá de cima. Nesse período, ela descobriu também que, para manter-se perto dele, a maneira mais fácil era juntar-se a ele no andaime, e assim o fez. Nesse tempo, iniciou também uma estranha e forte amizade com a ex-esposa de Diego, Lupe Marín, que ensinou Frida a cuidar do pintor, fazendo todas as comidas que Diego gostava e levando-lhe o almoço no andaime todos os dias ao meio-dia, em uma cesta ornamentada com flores e bilhetes carinhosos. Em agradecimento, Frida fez um retrato de Lupe tempos mais tarde, quando voltou a pintar.
Durante os meses em que se hospedaram em Cuernavaca, numa casa no sopé da montanha cedida pelo embaixador norte-americano para que Diego terminasse os murais que ele lhe havia encomendado, Frida e Diego puderam finalmente ter sua lua de mel. Lá passaram tempos mais tranquilos, embora a carga de trabalho de Rivera continuasse grande. Foi lá também que Frida sofreu seu primeiro aborto, quando estava com três meses de gestação. Ela e Diego nunca conseguiram ter filhos. Outros abortos ocorreram nos anos seguintes, fruto do estrago feito em seu corpo pelo acidente. E a cada episódio, ela chorava e se lamentava miseravelmente, sabendo que jamais poderia gerar um filho.
Frida também teve que lidar com os casos extraconjugais do marido, que iniciaram ainda no primeiro ano do casamento. A vida em comum dos dois sempre foi, de certa forma, turbulenta, mas o fato é que, mesmo quando Frida o odiava, ela também o adorava; ele passou a ser o eixo central de sua vida. E, apesar de seus casos extraconjugais e de sua dedicação primordial ao trabalho, o fato é que Diego amava Frida profundamente.