Muitas vezes o sentido das coisas está onde não conseguimos enxergar. Metáforas escondidas em pequenos detalhes fazem da arte de Jessica Wohl, algo que transpõe o que não vemos ou escolhemos não ver. Tal qual uma investigadora solene de pedaços ínfimos de nossa existência comum, ela consegue captar a essência escondida nas pessoas, objetos e ambientes em uma interpretação totalmente pessoal. O que, à primeira vista pode parecer estranho, revela-se, sob um olhar mais atento, uma subversão da felicidade e da perfeição.

Nascida e criada em Minneapolis, Minnesota, ela se formou em Ilustração e História da Arte no Kansas City Art Institute e recebeu seu MFA (Master of Fine Arts) pela UGA (University of Georgia). Artista multidisciplinar e mãe, Jessica utiliza fragmentos encontrados da cultura doméstica para explorar desigualdades sociais, a domesticidade, a feminilidade, a crítica social e o sonho americano, o que impulsiona seu trabalho para uma crítica mordaz da cultura contemporânea.

Usando estratégias conceituais, ela trabalha a repetição, a simulação, a mutação... Sempre apagando algo, apertando aqui, escondendo ali, amplificando lá, entre outras ações que tentam induzir uma certa sensação de desconforto, transpondo as barreiras do mundo exterior. Barreiras estas criadas por nossa visão superficial das coisas com o intuito de nos proteger de tudo aquilo que parece novo, estranho e desconhecido.

Para Wohl, a casa é um espaço rico em significado, onde objetos e relações tecem narrativas. A artista encontra beleza e história em materiais descartados, como tecidos antigos, que utiliza para criar obras que exploram a memória. Ela questiona a viabilidade do sonho americano na sociedade contemporânea, especialmente para as novas gerações:

Quando penso em cultura doméstica, penso na vida em casa, nos tipos de materiais que encontramos no lar e nos processos que as pessoas usam no dia a dia. Costurar é óbvio, mas penso em coisas como fazer listas, limpar, reutilizar coisas, até mesmo a transmissão geracional de roupas ou roupas ou herança.

Em termos de estética, auto descreve seu estilo como colorido, sombrio e íntimo. Ela busca trabalhar com materiais que encontra e busca explorar a qualidade desses objetos em sua arte usando a própria intuição. “Não me importo em ter um estilo reconhecível. Quero a liberdade de criar o que quiser, como quiser, e para isso, abandono qualquer lealdade a um estilo particular.” disse em uma entrevista ao ser questionada sobre como descreveria seu estilo como artista. Jessica também cita na mesma entrevista que a inspiração muitas vezes vem da própria família e experiências pessoais. “Faço trabalhos que derivam das minhas experiências familiares, tanto de onde venho quanto do que vejo minha família se tornando.”

Whol, que trabalha muito com retratos antigos e fotos de família, não costuma de se ater a uma determinada época, mas diz que:

Qualquer coisa anterior à década de 1930 parece muito antiga - como se estivesse tão distante do presente que as pessoas não conseguissem se relacionar com ela. Retratos dos últimos anos começaram a ser encenados em lugares reais e já não existem mais nesses estranhos estúdios com fundos ambíguos ou não-espaços. Gosto de fotografias das épocas intermediárias. Prefiro fotografias dos anos 50 a 90 devido em parte à sua nostalgia e à conexão temática com a realização do sonho americano, mas também gosto que as fotografias sejam do passado porque elas nos dão alguma distância. E essa distância nos permite olhar para trás e dizer: Lembro quando tirávamos fotos assim, aqueles eram os bons velhos tempos’, mas inevitavelmente, sempre lembramos das lutas que tentávamos esconder nessas fotos posadas. Gosto dessa melancolia latente.

Além de explorar materiais diversos, Jessica trabalha com muitos meios diferentes como colagem, costura, desenho, escultura entre outros, essa variedade de formas e materiais a permite ser livre. Segundo Whol, as colagens são muito divertidas porque ela nunca sabe o que esperar do resultado. São como quebra-cabeças em que recorta imagens de pernas, mantas, braços, utensílios de cozinha e móveis e apenas brinca com as formas até que algo aconteça.

“Gosto de sentir os materiais em minhas mãos e sentir as linhas sob meus dedos, então vou para os têxteis.” Para as fotografias costuradas, a artista costuma buscar as imagens em lojas de antiguidades, mercados de pulgas ou online. Para as colagens, ela diz ter uma vasta coleção de revistas antigas que vem colecionado na última década, mas também encontra materiais em vendas de garagem, lojas de segunda mão e eBay.

Sobre o contexto do seu interesse em materiais diversos, Jessica cita que:

Os objetos domésticos que permeiam meu trabalho testemunham tudo o que acontece ao meu redor. É poroso e onisciente, e como um substituto, guarda a essência, a história e as histórias das pessoas a quem já pertenceram. Essas coisas velhas são testemunhas da alegria, dor, conflito, cuidado, segredos e verdades daqueles com quem habitavam. Tocando, segurando e transformando esses pertences domésticos, envolvo-me em uma troca entre mim e os antigos donos dos itens. Essa colaboração torna-se um manuscrito onde meu tempo e energia se fundem com aqueles que vieram antes de mim. Como resultado, a obra torna-se uma forma harmoniosa e histórica, como uma história compartilhada que conecta estranhos através do espaço e do tempo.

A maternidade impactou significativamente a prática artística de Wohl, exigindo que ela encontrasse novas formas de criar dentro de suas limitações de tempo, especialmente desde que teve seu segundo filho:

Sinto que a maternidade introduziu interrupções na minha vida e na minha prática de estúdio em um nível que não existia antes. Há apenas interrupções constantes e depois ter que se concentrar novamente, depois ser interrompido e depois ter que se concentrar novamente. Isso drena sua energia para fazer qualquer coisa.

Sobre adaptar-se a essa nova realidade Jessica acrescenta que encontrou alternativas trabalhando com patchwork:

Recorri ao patchwork manual para adaptar minha prática de estúdio à minha vida como mãe. Quando estou fazendo patchwork manual, posso estar no sofá com meus filhos. Acho que há uma imagem no meu Instagram em que estou fazendo patchwork com meu filho no colo quando ele tinha um mês de idade. Estou interessada no potencial oculto - o que está abaixo da superfície. O que é invisível, mas sempre presente. Focada no lar como um local de exploração, tento liberar a energia escondida dos materiais que encontro e uso. Colaboro com objetos do cotidiano, como roupas, roupas de cama, fotografias, móveis e catálogos de compras por correspondência. Essas intervenções muitas vezes implicam um trauma passado que foi curado pelo tempo, cuidado do trabalho de uma mulher. Como na maternidade, muitas vezes são gestos de amor.

Atualmente, Jessica Wohl é Professora Associada de Arte e Presidente do Departamento de Arte, História da Arte e Estudos Visuais da University of the South em Sewanee, Tennessee.