Only when the written text began to speak, did the voices of the forest and the river began to fade.
[Somente quando o texto escrito começou a falar é que as vozes da floresta e do rio começaram a desaparecer.]
(David Abram)
No plano da compreensão antropológica, pressupõem-se incongruências e antagonismos que determinam a inteligência humana, capacitando-a para uma permanente evolução das suas capacidades. Na mesma medida e assente sobre o princípio semelhante de evolução, ela será capaz de destruir a favor de um domínio aparente em relação a si e aos outros. Perante estas assimetrias, é possível sentir uma relação invariavelmente umbilical entre a promoção de uma consciência humana ética e a sua imediata anulação, tendo como semelhante objetivo a continuidade vital de uma memória transcendente e intemporal.
Perante estas proposições de contornos psicológicos, surge uma consciência de finitude que condiciona a visão sobre o existencialismo. Capaz de gerar o vício sobre a imortalização da memória seletiva, procura garantir de forma implacável a sobrevivência do passado e, por sua vez, do seu futuro. Quando é que a inteligência é humana? Entre umas e outras razões que possam motivar uma resposta, encontra-se entre elas, a necessidade e capacidade de pensar o conceito de arquivo ou coleção, enquanto instrumentos culturais, científicos e políticos, capazes de imortalizar a memória e todas as suas indissociáveis finitudes.
Na inércia hiperbolizada sobre este movimento produzido à escala da inteligência humana, manifesta-se uma progressiva urgência em colecionar e registrar as mundividências através do surgimento de dispositivos como as câmeras fotográficas digitais que, a partir do filme e vídeo, impulsionam o desdobramento crítico de novas resoluções sobre a condição de arquivo e memória.
Intensificam-se as dúvidas e inquietações sobre a ameaça do registro contemporâneo ser obliterado pela insegurança e obsolescência tecnológica, uma vez que a viabilidade técnica levantava desafios de serem conservados e posteriormente exibidos. Por consequência, a partir da década de 60 do séc. XX, algumas instituições museológicas, na qualidade de instrumentos da memória coletiva, começaram por criar políticas e departamentos de preservação, especializados para este efeito. Instituições como o Museu de Arte Moderna (MoMA) foram um dos pioneiros nesta vertente de preservação das obras audiovisuais, constituindo numa primeira instância um acervo adaptado às suas exigências, assim como de um novo e consolidado ciclo de programação, dedicado à vídeo arte, conduzido pela investigadora e curadora Barbara London tendo como título Museum’s video program.
Durante um período de quatro décadas, a curadora norte-americana realizou uma extensa pesquisa sobre a produção internacional de videoarte, tornando-se num contributo fundamental não apenas para conservar, mas para perceber as ressonâncias do impacto audiovisual, uma vez que eram pontuais os discursos desenvolvidos ao redor da time-based-art.
Posteriormente, foram surgindo várias instituições como a Tate Gallery, que criaram um projeto intitulado Matters in Media Art, com o objetivo de partilhar informações sobre as melhores práticas para a preservação e administração de obras audiovisuais. Como resultado da crescente necessidade em adequar a deontologia tradicional das instituições artísticas às especificidades que as obras desta natureza exigem, o projeto visa até hoje, sensibilizar as instituições que trabalham estes meios a dar uma resposta prática, adaptada às exigências necessárias. Assinalam-se, por isso, metodologias importantes que envolvem procedimentos como: orientação no processo de aquisição das obras; categorização e gestão dos dispositivos e equipamentos; preparação, documentação e manutenção das obras para a sua subsequente montagem; protocolos de empréstimos, etc.
Apesar das dificuldades serem mais evidentes em dispositivos mais antigos, os desafios são transversais na medida em que mesmo os mais recentes correm riscos de avaria, o que se traduz numa perda total da obra. Compreende-se então uma dificuldade abrangente sobre estes meios que obrigam a uma atenção redobrada por parte das instituições. Por sua vez, implicam um equilíbrio entre a viabilidade operacional e funcional dos equipamentos e a fruição das obras, de modo a evitar que a sua adaptação altere a integridade estética decorrente do processo de restauro.
Estas respostas ou intervenções que surgem sobre a time-based-art refletem consequentemente juízos críticos que acentuam a problemática em relação a este tema, procurando entender qual poderá ser o método correto para a adaptação das medidas de restauro ou exibição. Nesta medida, o contributo do curador João Fernandes sobre este tema é produtivo. “Compreendo que a transferência para a linguagem vídeo seja mais econômica e fácil para organizar um discurso expositivo, mas também julgo que há uma responsabilidade ética em mostrar suportes originais. Porque um vídeo de um filme é como a fotografia de um quadro. Não tem a mesma natureza da imagem projetada.”
Conclui-se que gradualmente se vai tornando mais complexa a preservação e difusão de determinadas obras que utilizam dispositivos praticamente inexistentes no mercado audiovisual. A migração para o digital condiciona muitos dos valores anteriormente referidos e denuncia maiores dificuldades que se vão tornando realidades próximas para várias instituições que trabalham estes mediums. Reproduzir, por isso, em formatos de 8mm, 16mm ou 35mm, tem vindo a tornar-se uma idiossincrasia. Existe, então, uma clara urgência em converter obras criadas nas décadas de 70 e 80 em formato digital, de maneira a garantir a viabilidade de preservar esses acervos.
Perante estes esforços, parece clara a ideia de que o arquivo promove uma relação invariavelmente orgânica com os museus e galerias. O seu vínculo com as variabilidades temporais consubstancia a sua relevância funcional e conceptual, na medida em que a arte vai operando diferentes exigências sobre os seus suportes, cada vez mais interdisciplinares e eventualmente mais efêmeras.