Museus e exposições de arte desempenham um papel indispensável na preservação da cultura e da história. Além de salvaguardar pinturas, esculturas e outras obras de arte, essas instituições se tornaram fundamentais na promoção de debates públicos, uma vez que se estabeleceram como lugar privilegiado para discutir o que define a identidade de uma sociedade.

Conscientes da missão que carregam, historiadores e curadores se veem constantemente diante do desafio de determinar quais elementos do passado devem ser preservados e quais devem ser deixados para trás. Tal decisão, por si só, desencadeia um complexo dilema político, visto que suas próprias escolhas estão regularmente sujeitas a questionamento. Por essa razão, exposições de arte deixam de ser somente uma maneira de exibir pinturas e esculturas para assumirem um papel central na chamada guerra cultural contemporânea.

Podemos entender que guerra cultural se trata de um intrincado embate entre duas correntes ideológicas, onde cada uma delas busca determinar os rumos da expressão cultural, seja ela em âmbito regional ou nacional. Como consequência, as exposições de arte passam a ser percebidas como verdadeiras arenas onde se desenrolam intensas batalhas ideológicas. Este embate, longe de ser uma pequena rusga, carrega o potencial de impactar diretamente nossas percepções sobre, entre outros aspectos, a memória e o patrimônio.

Nos últimos anos, a ascensão da nova onda conservadora na política cultural brasileira tem deixado profundas marcas nos museus de arte por todo o país. Em uma realidade em que a tradição, a religião e a moralidade são sobrepostas à diversidade e à inclusão, os museus se tornaram o espelho cruel que reflete a imagem da radicalização de nossa sociedade.

De maneira ampla, podemos notar que essas disputas ocorrem a partir de alguns fronts de batalha comuns. Entre eles, destacam-se: ideologia, financiamento e a luta pela construção da identidade nacional. Muitas vezes tais elementos acabam por se sobrepor ao bem comum, sendo frequentemente manipulados e distorcidos para representar interesses pessoais e de grupos privilegiados.

No front ideológico, conservadores e liberais se confrontam em um embate sobre os limites da expressão artística. A controvérsia atinge o ápice quando se trata de obras consideradas pornográficas, blasfemas ou moralmente questionáveis. O debate muitas vezes resulta na rotulagem indiscriminada de obras de arte como inadequadas, mesmo aquelas que não abordam temas relacionados à sexualidade, religião ou moralidade.

Nesse sentido, o que importa é o potencial de mobilização da base militante, e não o conteúdo da obra. No ano de 2019, a tapeçaria 'Músicos' de Di Cavalcanti, que decorava o gabinete presidencial no Palácio da Alvorada, foi acusada de representar uma mulher se masturbando. A obra, avaliada em torno de R$5 milhões, foi removida do local e realocada para uma sala sem condições adequadas de recebê-la, resultando em danos que podem ser permanentes.

Um segundo front de batalha na guerra cultural se estabelece no embate pelo que deve ou não receber financiamento do governo. Aqui, os recursos públicos destinados à arte aparecem como peças centrais dessa disputa. No entanto, na prática, a questão está muito além da simples alocação de verba, transformando-se em um verdadeiro campo de confronto ideológico, onde diferentes concepções de cultura e sociedade se chocam.

Os museus brasileiros, historicamente marcados pela ingerência do Estado, encontram-se altamente dependentes do financiamento do governo. Dependência esta que deixa claros pontos significativos em todas as esferas da vida museológica, inclusive de sua própria existência. Por essa razão, a preocupação não se limita apenas à organização de exposições, mas também à preservação dos acervos.

Recentemente, temos visto uma série de acidentes causados pela precariedade das estruturas físicas que abrigam coleções de arte. Apesar da comoção causada pela violência de um incêndio de grandes proporções, pouco, ou mesmo nada, tem sido feito para mudar essa realidade. Em alguns casos, os incêndios têm sido utilizados como desculpa para privatizar coleções de arte pública, tornando peças de interesse nacional ainda mais difíceis de serem vistas.

No terceiro e último front, vemos surgir uma intensa disputa sobre a maneira como a história deve ser interpretada e, por consequência, a criação de uma identidade nacional. Destaca-se, nesse contexto, o papel preponderante das instituições culturais no amalgamar das narrativas históricas e na delimitação da percepção acerca do que caracteriza verdadeiramente um brasileiro.

Ao desafiar os relatos estabelecidos, exposições costumam ser terreno fértil no fomento de uma reflexão crítica sobre o passado. Em decorrência disso, vemos pulular conflitos sobre quem detém, ou reivindica o direito de deter, o monopólio da narrativa histórica e o poder de definir símbolos, tradições, valores culturais, entre outros.

Faz parte da função social de um museu refletir criticamente sobre as narrativas históricas, sejam elas antigas ou contemporâneas, bem como revisar os parâmetros que definem a identidade nacional. Contudo, quando governos conservadores e populistas impõem, por meio de normativas institucionais, modelos de uma narrativa enviesada e o financiamento desses governos se torna vital para a sobrevivência do museu, surge aí um dilema.

Neste cenário os museus se veem frente a mais um paradoxo perturbador: optar por cumprir sua função social primordial na promoção crítica e inclusiva da história ou persistir na sua existência, ainda que transformado em um veículo de propaganda política.

Todas essas questões colocam os museus em um delicado equilíbrio das práticas institucionais. A sociedade contemporânea requer de seus museus que certas expectativas sejam atendidas, por outro lado, tais expectativas nem sempre são unânimes ou representam os interesses da classe que financia a instituição. Nesse contexto, a habilidade das instituições em encontrar um ponto de convergência entre as imposições normativas de governos e a necessidade de inovação artística torna-se crucial para sua relevância e impacto na sociedade.

Em 2017, o Santander Cultural e a mostra “Queermuseu – Cartografia da diferença na arte brasileira” foram alvos de controvérsia envolvendo um grupo de conservadores, que alegava que algumas das obras promoviam blasfêmia, apologia à zoofilia e pedofilia. Na ocasião, tanto o curador Gaudêncio Fidelis quanto a diretoria do museu foram insultados e ameaçados de morte.

Com a inauguração da exposição, o Santander Cultural cumpriu sua função e atendeu a uma demanda social por diversidade e inclusão. Entretanto, ao mesmo tempo, provocou a indignação de parte da sociedade conservadora, que ameaçou retaliar a instituição, fechando contas e promovendo boicotes. Diante do dilema de manter a exposição e desagradar aos clientes conservadores ou fechá-la e irritar os clientes progressistas, o banco optou por encerrá-la.

Em um momento de mudança e instabilidade política e social, os museus brasileiros enfrentam o desafio de se reinventar e adaptar-se a novas demandas, ao mesmo tempo em que preservam sua missão de promover a cultura e a arte em um contexto de pluralidade e diversidade. A incerteza em relação ao futuro dos museus e sua capacidade de resistir à pressão conservadora colocam em xeque a preservação da cultura e da identidade brasileira neste momento fundamental da própria democracia.

Diante do panorama descrito, torna-se evidente que os museus estão na linha de frente da guerra cultural. A controvérsia em torno de obras e exposições, o embate financeiro e a disputa pela narrativa histórica revelam a complexidade das questões que permeiam essas instituições na contemporaneidade. No entanto, é fundamental desvelar os mecanismos de atuação de políticas populistas de ódio, exercendo criatividade e resiliência para se reinventar diante dos novos desafios para a manutenção da democracia, evitando o sequestro das narrativas sobre identidade brasileira.