Nascida em 6 de julho de 1907 em Coyoacán, antigo distrito residencial nos arredores da Cidade do México, foi a terceira das 4 filhas do casamento entre o alemão Guillermo Khalo (batizado Carl Wilhelm Khalo) e Matilde González y Calderón, mestiça, de origem indígena e espanhola.
O pai de Frida, Guillermo, era filho de judeus húngaros, que haviam migrado para a Alemanha e se fixado em Baden-Baden, onde ele nasceu em 1872. O avô de Frida, Jacob, era joalheiro e ourives e também negociava suprimentos fotográficos. Vêm daí os primeiros contatos de Guillermo Khalo com a fotografia. Em sua juventude, Guillermo sofreu um sério acidente que resultou em lesões cerebrais e abalou sua saúde; desde então, o jovem passou a sofrer ataques epiléticos e, por conta disso, abandonou o curso universitário. Pouco tempo mais tarde, aos 19 anos, após a morte da mãe, decidiu deixar a Alemanha e rumou para o México com o pouco dinheiro que tinha no bolso. Lá, alterou seu nome alemão Wilhelm para o equivalente em espanhol, Guillermo, e casou-se alguns anos depois, mas sua primeira esposa faleceu logo após dar à luz sua segunda filha.
Conheceu Matilde, a mãe de Frida, em seguida. Ambos trabalharam juntos em uma joalheria. Uma bela mulher de olhos pretos e lábios carnudos que era também muito religiosa e mesmo sendo analfabeta, era muito inteligente. Matilde era a filha mais velha dos 12 filhos de Isabel González y González, filha de um general espanhol, e Antônio Calderón, fotógrafo de ascendência indígena.
Foi Matilde que estimulou Guillermo a seguir na carreira de fotógrafo, profissão de seu pai, e junto ao sogro, Guillermo viajou país afora e produziu uma coleção de fotos da arquitetura indígena e colonial. Fotos essas que ilustraram uma série de publicações de luxo para a celebração do centenário da independência mexicana. Foram anos dedicados a este trabalho, que lhe trouxe reconhecimento e lhe rendeu o título de “o primeiro fotógrafo oficial do patrimônio cultural do México”.
Após dar à luz a Magdalena Carmen Frida Khalo y Calderón, sua mãe Matilde ficou com a saúde debilitada e passou a sofrer desmaios e tonturas similares às de seu marido. Por conta disso, Frida foi amamentada por uma ama de leite indígena. Fato este que, anos mais tarde, Frida afirma ter sido crucial para sua ligação com as origens mexicanas, extremamente retratadas em sua arte anos mais tarde.
Poucos anos após o nascimento de Frida, eclodiu a Revolução Mexicana, movimento armado que iniciou com motins em várias partes do país e com a formação de exércitos de guerrilheiros. Os conflitos se estenderam por muitos anos e trouxeram infortúnios e penúria para a família Khalo, assim como para grande parte da população mexicana.
A própria Frida, já adulta, registrou em seu diário lembranças desta época:
Testemunhei com meus próprios olhos a batalha dos camponeses de Zapata contra os carrancistas. Minha situação era muito clara. Minha mãe abria as janelas na rua Allende. Ela dava acesso aos zapatistas, de modo que os feridos e famintos entrassem pelas janelas na minha casa, na sala de estar. Ela cuidava dos ferimentos e os alimentava com grossas tortillas, a única comida que se conseguia arranjar em Coyoacán naqueles dias [...] Éramos quatro irmãs, Matilde, Adri, eu (Frida) e Cristina, a gordinha. Em 1914, as balas passavam zunindo. Ainda hoje ouço aquele sibilante extraordinário1.
Foram anos difíceis, o pai de Frida já não recebia encomendas fotográficas e o dinheiro ficou cada vez mais escasso. Sua mãe economizava no que podia. Venderam parte da mobília e começaram a alugar quartos da casa. Frida relatou sobre aquela época: Na minha casa era com grande dificuldade que se conseguia viver.
Frida e suas irmãs foram criadas de acordo com a educação tradicional mexicana, desde cedo aprenderam habilidades domésticas como costurar, bordar, cozinhar e limpar. Sua mãe, que era muito devota, também tentou lhes transmitir a fé religiosa, mas Frida e Cristina não se interessavam muito por religião.
A pequena Frida era muito traquinas, quando tinha 7 anos ajudou sua irmã mais velha Matilde, que estava então com 15, a fugir de casa com o namorado. A mãe ficou inconsolável com a fuga de sua filha preferida (como afirma Frida) e toda a família sofreu. Ficaram anos sem ter notícias da menina e apenas anos mais tarde, Frida soube que ela estava casada com o tal namorado e morando com ele em uma boa casa. Frida passou a visitá-la de tempos em tempos, mas a mãe não a perdoava. O que aconteceu apenas 12 anos depois da fuga da garota, quando a paz foi finalmente selada.
Quando era bem pequena, Frida é retratada como uma criança gordinha, com uma covinha no queixo e um brilho travesso no olhar. No entanto, uma fotografia familiar tirada quando a menina estava com cerca de 7 anos, mostra uma Frida já bem diferente: mais magra, rosto sombrio e uma expressão introvertida, como se quisesse se esconder. A razão: provavelmente a doença da qual foi acometida quando tinha 6 anos de idade, poliomielite, que a deixou meses confinada e deixou sequelas em sua perna direita por toda a vida. Quando a menina começou a melhorar das dores, o médico recomendou um robusto programa de exercícios físicos para fortalecer a perna mirrada da menina. Seu pai, que muito se compadeceu, foi extremamente terno com ela durante este período e fez o que podia para ajudá-la a se recuperar.
Frida, ao contrário das meninas tidas como “meninas de respeito”, começou então a praticar todo tipo de esporte: futebol, boxe, luta romana e até tornou-se campeã de natação. Sempre com o apoio de seu pai. Ela gostava de jogar bola, subir em árvores, remar nos lagos de Chapultepec, brincar de patins e andar de bicicleta. Contudo, ainda assim sua perna direita continuava fininha. Por conta disso, ela passou a usar botinhas, diversas meias compridas de uma só vez e calças e saias compridas para esconder a perna e evitar os deboches que as outras crianças faziam.
Ela era tida como a preferida de seu pai. Dentre as 6 filhas que tivera, era por Frida que Guillermo sentia e demonstrava mais afeição. Diz-se que ele reconhecia nela algo de sua própria sensibilidade intensa, sua introspecção e inquietude. Ele estimulava o desenvolvimento intelectual de Frida, a estimulava a ler os livros de sua singela biblioteca particular e seu interesse pelas manifestações da natureza. Com Frida já adolescente, ele passou a compartilhar também seu próprio interesse pela arqueologia e artes mexicanas e também lhe ensinou a usar sua câmera fotográfica.
Em 1922, após ser aprovada em um rigoroso processo seletivo, Frida passou a estudar na Escola Nacional Preparatória, tida na época como a melhor instituição de ensino do México, localizada no coração da capital mexicana. Foi lá, longe dos olhares familiares e da pacata Coyoacán, que Frida passou a expandir suas relações pessoais. Ao lado dos jovens que se preparavam para ingressar na Universidade Nacional e em uma época onde as ideias revolucionárias estavam em ebulição.
Ela fazia parte de um pequeno universo de apenas 35 meninas, dentre os mais de 2 mil alunos da Escola Preparatória, visto que a admissão de meninas era algo recente na instituição. O programa de ensino escolhido para a jovem Frida consistia em prepará-la para ingressar na Universidade de Medicina.
Não é de se estranhar que Frida tenha se destacado na Escola Preparatória, tanto por sua aparência, que chamava atenção, como pelos seus modos e comportamentos. Ela era tida como uma jovem bela de aparência frágil e ao mesmo tempo sensual. Desprezava as frivolidades das outras garotas e sabia muito bem expressar suas ideias e opiniões. Junto aos seus colegas mais próximos, seu grupo soube muito bem como explorar os arroubos da juventude. Movidos por uma mistura de socialismo romântico e nacionalismo, juntos aprenderam o sentido de lealdade e criaram laços que se estenderam por toda a vida.
Durante os anos em que esteve na Preparatória, Frida descobriu sua sexualidade e namorou o jovem Alejandro Gómez Arias, um jovem atraente e carismático, exímio orador, estudante erudito e bom atleta. Certo dia, quando Frida, acompanhada do namorado, voltava para Coyoacán ao final do período escolar, um sério acidente aconteceu. O ônibus que pegaram colidiu com um bonde. A própria Frida relatou, anos mais tarde, o dia do acidente em seu diário:
Pouco tempo depois que entramos no ônibus, houve a colisão. Antes disso, tínhamos subido em outro ônibus, mas como eu tinha perdido minha sombrinha, descemos para procurar e foi por isso que acabamos entrando no ônibus que me destruiu. [...] O bonde veio se aproximando devagar, mas nosso motorista era jovem e nervoso. Quando o bonde fez a curva na esquina, o ônibus foi prensado na parede. [...] É mentira que a pessoa tem consciência da batida, é mentira que a pessoa chora. Em mim não houve lágrimas. A colisão nos jogou para frente e um corrimão de ferro me varou do mesmo jeito que uma espada rasga a carne do touro. Um homem me viu tendo uma tremenda hemorragia. Ele me carregou e me deitou em cima de uma mesa de bilhar até que a Cruz Vermelha chegasse1.
Era a tarde do dia 17 de setembro de 1925, o dia que transformou para sempre a vida de Frida Khalo.
Notas
1 Hayden, Herrera. Uma biografia de Frida Kahlo. Taurus Edições, 2019.