Do lado de lá atlântico estranha-se e entranha-se a sensação de dejá vu… Do lado de cá não se consegue ultrapassar mito e preconceito sobre “novo mundo” imageticamente fixado na saga hollywoodiana…

E se já tanta pluralidade humana confrange tantos nesta europa decadente, o que admira é a pulsante heterogeneidade presente e reinante desde Central Park a Wall Street ou à Battery, de Brooklin a Chelsea…

Por isso a miscelânea é tão rica e produtiva que até pode assustar algum olhar menos precavido…

Também o que pode chamar atenção é a constante assimetria e crueza da desigualdade visível do ‘gimme’ a dollar’ a cada recanto de passeio nas quilométricas avenidas, a miséria e a sujidade em simultâneo com o glamour da loja de luxo… E fixa-nos o olhar tal como em qualquer capital europeia ou sul americana o mesmo cenário se repete com mais ou menos intensidade na malha urbana agigantada até na desgraça versus opulência…

Mas também a esperança renasce quando nos apercebemos na juventude das gentes de todas as geografias que persiste e resiste a tudo… Mesmo no olhar de muitos velhos que ainda vão brilhando com intensidade já menos agitada e bem mais aclimatada ao correr mais lento de ritmos e tempos… E a megaurbe stigliztiana assim se nos apresenta nesta globalizada humanidade onde tudo acontece em todo o lado e ao mesmo tempo…E ela já cá está e há bastante tempo, não é ficcional, mesmo para quem possa andar mais distraído…

Das anotações das coisas e das gentes, do “like” ou não, fica algum embaraço e sentido de perda… Principalmente de perda do mito… de perda do horizonte continuamente barrado pela arquitectura vertical do que nos vai rodeando… Aqui e acolá desperta um sorriso de nostalgia por mais espaço aberto e livre, mais natural e o estranho e belo é a sobrevivência de velhas árvores, de canteiros de flores, da passarada que volteia nos minúsculos parques encapsulados e enclausurados pelos edifícios…

Slumpy
Dreamin’
Sleepin’
Searchin’
Something
Awkward
To
Record…
Backtrackin’…

[Abatido
Sonhando
Dormindo
Procurando
Algo
Desajeitado
Para
Gravar...
Recuando...]

Backtrackin’
Just heat and haze,
Breathin’pain, slowly,
Catchin’ a breve
To slow down
The heavy pace
Walkin’
Through
The
Maze…

[Recuando
Apenas calor e névoa,
Respirando dor, lentamente,
Pegando um fôlego
Para desacelerar
O ritmo pesado
Caminhando
Pelo
Labirinto...]

E das notas surgem, quase do nada, imagens retidas pela retina da memória, tornadas linhas derramadas pelo calor sufocante de verão insano…

Voltando às ditas notas repetitivas de relatos tantos que se esquecem na vastidão de avenidas infindas, trilhos índios afundados nos acimentados túneis que levam ao rio e que se perderam nos tempos, ainda parece ouvir-se fugazmente um som de chilreio de pássaro de fogo que voa para as águas do Hudson, para a sua corrente fulvia e fresca que baste para desbastar a sede deixada no pavimento que oblitera a terra fecunda da ilha…

A retoma de crónicas não é fácil nos dias que correm e a imposição do tempo e espaço encurtamos ao mínimo a todo e qualquer contexto ajuda a tecer duras lutas internas a quem relata… Por isso o soluço ambíguo e saltitante do que se regista, a sofreguidão da quase autocensura limita o espaço das palavras, por mais que haja a dizer e a registar…

Nas megaurbes é particularmente ruidoso o grito, sinistro o silêncio dos milhares em movimento contínuo… Um gutural “gimme a dólar” soa incrivelmente humano no meio do barulho incessante do comboio no metro ou dos veículos nas ruas… Ou o escutante torna-se supersensível e atento a qualquer som mais humanizado… O que tolhe mais é o silêncio das gentes, as palavras parece que se perderam nestes mundos asfaltados e em correria permanente… A comunicação parece perdida e espaçada, minimizada no stop do sinal de trânsito ou nas marcas dos ecrãs gigantes de publicidades várias e habituais.

Nos auriculares e auscultadores assustadoramente se escondem as palavras dos podcasts ou da lírica das canções… mesmo no espaço mais sossegado dum restaurante com música ao vivo, pouco se canta… apenas restou a música… mesmo no museu os sons de palavras escasseiam e procuram-se as palavras nos registos das obras expostas ou na introdução também ela escassa em palavras que inicia a exposição… E quando, subitamente, se depara com uma parede cheia de texto é porque aquele artista plástico se expôs em palavras.

E das notas nada ou muito se vai olvidando, ficando uma sensação de vazio crescente, de descrição narrativa ausente porque toda a memória se esvai nas imagens que vamos ainda, retendo…