Ela ficou a olhar para o anúncio e não pôde deixar de sorrir.
Executiva de sucesso num banco estrangeiro a operar em Portugal, enxuta e com meios de fortuna, sem encontros, desde o tempo da Dona Urraca, achou que estaria ali o alívio da tensão, da rigidez muscular, das dores no pescoço, da ansiedade e da pressão na testa mesmo sobre o sobrolho direito. A referência ao termo cavalheiro indicava que seria um indivíduo mais velho, portanto, quanto a dificuldades poderia muito bem ser um divórcio ou uma situação de desemprego e indiciava algum nível cultural o que não era de desprezar.
Decidiu telefonar, não tinha nada a perder, se não lhe agradasse o tom de voz, a aspereza, a má educação ou os silêncios, desligava e pronto.
Ligou-lhe, gostou do tom de voz, calmo e pausado, sentiu-se à vontade e combinaram o encontro num pequeno hotel de má morte, anónimo e escondido. Ela vestiu a sua lingerie sexy sem esquecer o pormenor do cinto de ligas, saia e casaco pretos e camisa branca ligeiramente transparente, ele era alto e magro, aparentava ter cinquenta anos, usava um fato preto e uma camisa bordeaux sem gravata. Trazia um livro e uma rosa.
A coisa prometia.
Ele ofereceu-lhe a rosa e explicou porque andava nesta vida. Fora professor de literatura, mas fora obrigado a desistir por força de uma depressão, não tinha paciência nem energia para a gritaria, a má-formação dos miúdos, fora empregado de escritório, mas tivera que vir embora porque não aguentava a falta de solidariedade dos colegas e trabalhara num banco até Dezembro, altura em que o mandaram embora, porque não tinha coragem para impingir créditos, dívidas e cartões aos outros de ânimo leve. O que ele gostava mesmo era de literatura. Isso e fazer amor.
A mulher dizia que ele era bom na cama, gabava-lhe a performance, as ideias, a sensibilidade e andava sempre com o coração nas mãos, porque as vizinhas o cobiçavam por força do alarido que faziam quando havia festa. Lembrou-se de prestar o serviço do amor depois de três cheques devolvidos e de um telefonema do Banco de Portugal sobre umas penhoras e uns riscos de crédito.
Decidiu juntar o útil ao agradável e assim, fazia tensão de lhe ler um poema e que, posto isso, fariam o amor de forma livre, ousada e muito carinhosa.
A coisa prometia.
A Residencial ficava na esquina da Praça da Alegria com a subida para a Mãe d’água, um primeiro andar discreto, de corredores estreitos com quartos de ambos os lados e uma recepcionista russa ou ucraniana que recebia à cabeça. O quarto era todo em tons de vermelho, luzes difusas e espelhos no tecto e em todas as paredes, mas também os havia em tom roxo, o ninho ideal para fazer o amor de forma sórdida. Ela despiu-se num ápice e deitou-se sobre a cama apenas com o cinto de ligas e as pernas escancaradas, acariciando-se e espalhando os fluidos que, por aquela hora já escorriam em abundância. Ele foi desabotoando a camisa com a sua mão direita com um vagar excepcional, enquanto, com a sua mão esquerda segurava um livro de poemas de Florbela Espanca que ia declamando, também com vagar excepcional:
“Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços”
E decorreu meia-hora de leitura e declamação de poemas com ele apenas em tronco nu e de calças vestidas. Ela apontou-lhe a tesão, o desejo, a falta de paciência para tanta métrica e tanta rima e ele lançou-lhe um olhar turvo, fechou o livro, vestiu a camisa, pegou no casaco e segurou-o frente à braguilha para esconder a auréola, e foi-se embora.
A meio da leitura do quinto poema tinha atingido o orgasmo nas palavras da Florbela…