Quatro dias após a passagem de ano, numa quinta-feira, o Cosmos alinhou-se para o grupo de amigos se encontrar. Às 5h da manhã, Lino saiu de casa, equipado e bem agasalhado, quando André o chamou de dentro do carro: «Lino, Lino!»

Depois de colocar o material na bagageira, entrou no veículo e cumprimentou o condutor com um caloroso aperto de mão.

– Onde estão os outros?

– Estão a caminho. Encontramo-nos junto às praias – respondeu André.

O carro ganhou movimento.

– Como foi essa passagem? – perguntou Lino.

– Estive com o Sampaio. Bebemos uns copos depois do trabalho, passamos a meia-noite e fomos para casa. Nada luxuoso, e a tua? Vestiste alguma coisa azul... vermelha? Puseste dinheiro no sapato? Bateste com os tachos, mandaste algum copo para a lareira? Algum costume maluco? – perguntava André, enquanto Lino respondia negativamente. – Bebeste, ao menos, o espumante; comeste as 12 passas e pediste os desejos? – Sim, bebi e comi as passas, nada mais. Andei com dor de dentes e não estava com espírito para aventuras. Sem falar dos resquícios da constipação que ainda tenho.

– É! A gripe é lixada, é o tempo delas, é uma chatice. E a dentola, já foste ver isso?

– Marquei consulta para segunda-feira, até lá ando a comprimidos... Como podes ver a passagem não foi nada de especial.

– Não ligues a isso, a nossa passagem de ano é isto. A primeira pescaria de 2024.

Estavam agora a passar pela ponte 25 de Abril. Lisboa estava iluminada e ainda se sobressaiam, na noite, as decorações festivas. No rio, os barcos ancorados sinalizavam a sua presença, enquanto aguardavam pelo início da manhã para partirem. André, atento à condução, balbuciava as músicas da sua compilação de Lou Reed que saíam das colunas: «Take a walk on the wild side», «Doo do doo do doo do do doo...»

Em pouco tempo, chegaram às praias da Caparica. Dentro de um carro estavam Domingos e Sampaio a analisar as marés: estava baixa e calma, ficaria assim uns largos minutos para depois começar a encher.

– Estão há muito tempo? – perguntou Lino saindo do carro.

– Chegámos há dez minutos.

Depois de se cumprimentarem, carregaram os equipamentos às costas e caminharam para o areal.

– Pessoal! – declarou Domingos – já sabem: se apanharem peixe, o ano vai ser próspero. Senão... espera-vos um 2023 igual aqui ao do Lino e do Sampaio.

– Superstições! – exclamou Sampaio. – O ano é o que fazemos dele.

– Sem dúvida! Mas começavas bem se apanhasses algum.

– Este ano não me escapam – assegurou André –, comprei uma linha mais forte.

– Mono ou multifilamento?

– Multi.

– Isso apanha bom peixe.

– Com isto posso pescar o Titanic, disse o vendedor.

– É! Com os candeeiros acesos.

Estavam de frente para o mar. Pousaram as mochilas na areia seca e espaçaram-se alguns metros uns dos outros.

Junto às mochilas, acenderam uma lanterna lampião e deram início às montagens: todas elas simples e sem grandes nós nem complicações. No topo da cana, sinalizavam o movimento da ponteira com um guizo ou com um pequeno bastão luminoso que denunciava algum peixe fisgado.

Reuniram-se novamente em redor das mochilas após terem lançado os anzóis. De uma arca, tiraram umas cervejas frescas. Enquanto bebiam, falavam de projetos para o novo ano, mas ninguém tinha nada de concreto e todos concordavam em fazer uma etapa de cada vez. Brindavam várias vezes, ao que quer que fosse: à saúde, à felicidade, à sorte, ao dinheiro, ao amor, e estiveram largos minutos à conversa quando o guizo de uma das canas soou perante uma ligeira vibração, e soou novamente a uma mais forte. A ponteira vergou, obrigando Domingos a ir recolher a linha, mas não estava lá nada: nem peixe nem isca; reforçou o anzol e lançou-o ao mar.

Novamente, a ponteira de uma das canas vergou e agitava-se vigorosamente. Lino dirigiu-se a ela e começou a recolher a linha sob as comemorações dos amigos que pareciam uma claque de futebol. Era uma Dourada, e nada pequena. Lino refez a isca e lançou novamente.

Gradualmente, todas as canas iam-se curvando e grande parte das vezes que as recolhiam, traziam peixe que eles concentravam junto às mochilas.

Frente ao cenário do amanhecer do sol sobre o mar, eles continuavam nas suas manobras: a trocar a isca e a lançar novamente. A pescaria estava a correr bem, segundo a tradição, o grupo tinha tudo para que o novo ano fosse frutífero.