Você sente falta ou saudade do passado? Eu sempre me faço essa pergunta quando assisto ao filme: “De Volta para o Futuro” em que Marty McFly e o cientista Emmety Brown a bordo de uma máquina do tempo, transitam entre as realidades do passado e do futuro. E claro, o detalhe mais marcante deste filme para mim é, que eu o assisti a primeira vez quando tinha apenas oito anos (uma grande aventura para uma criança, não?).

Como toda criança brasileira da década de 80, eu assistia Bozo, Bambalalão, Sítio da Vovó Mafalda, Jaspion, Jiraya, as animações Caverna do Dragão e Tundercats, Punk, A levada da Breca, e claro o inesquecível Xou da Xuxa com sua incrível nave rosa. Lembro-me também de passar horas brincando com minha Barbie, colorindo seus cabelos e trocando de roupinhas.

Todas essas recordações me remetem a um tempo nostálgico (e eu nem falei dos doces daquela época, mas já citando alguns: chocolate Surpresa, lanche Mirabel, chocolate Lolo e chicletes Ping Pong).

Quando falamos em nostalgia, nos referimos a uma palavra que vem do grego nostós (que significa volta ao lar) e álgos (que significa dor). Tem a ver com a dor de querer voltar ao lar de origem ou a uma época do passado junto a pessoas, familiares ou lugares de grande significado e valor sentimental. É um estado que geralmente é eliciado mediante gatilhos como: programas de TV, músicas, objetos ou fotos antigas, comidas ou iguarias relacionadas a datas festivas.

Mas, você deve estar se perguntando: existe diferença entre nostalgia e saudade? A resposta é sim! A nostalgia vem acompanhada de uma melancolia ou saudade triste, desencadeada pelo desejo de viver situações e momentos da vida que já não existem mais. É como se o Passado fosse melhor que o Presente. Já a saudade, ao contrário da nostalgia, não tem a ver com a angústia de um tempo que passou ou com a apreciação do passado, mas com a alegria de relembrar momentos que marcaram afetivamente. Quando sentimos saudade de alguém ou de um tempo passado, somos capazes de “matar a saudade” nos reencontrando com aquela pessoa que não víamos há anos, ou até mesmo contando estórias sobre eventos que nos impactaram. Isso traz conforto e alegria ao nosso estado de espírito, sem tirar o desejo de viver o presente e de valorizar as conquistas do dia a dia.

Em contrapartida, a nostalgia em excesso pode levar uma pessoa a se sentir inconformada com o presente, e ter pensamentos como: “bons tempos aqueles”, “no meu tempo é que era bom” ou “fui muito feliz naquela época”. É muito comum também, que a pessoa nostálgica perca o interesse por novos projetos, levando-a a acreditar que o presente não é bom. Isso geralmente ocorre pelo fato da pessoa se sentir vazia ou frustrada com a vida que leva. Quando isto ocorre, o sujeito não sente apenas falta do passado, se torna preso a ele.

O passado nunca está morto. Nem sequer é passado (William Faulkner, escritor norte-americano).

No verão deste ano viajei para o litoral de São Paulo para visitar o meu pai. É sempre uma grande emoção vê-lo, pois moro muito longe da cidade em que vivi minha infância e adolescência. Ao desfazer minhas malas, encontrei um antigo álbum de fotos no closet. Comecei a folheá-lo e me deparei com fotos inusitadas e engraçadas dos tempos de escola do ensino médio. Tinha foto de quadrilha, foto de festa do Halloween, foto de formatura, foto com professores, foto indo a balada com a turma. Em poucos minutos eu não conseguia mais apreciar as fotos com nitidez, pois estava chorando sobre elas.

Hoje, com 42 anos e casada (adotando a persona The Good Housewife), posso dizer que minha vida mudou bastante. Afinal, não sou mais aquela adolescente impulsiva, que era uma das últimas a sair da balada, e que adorava trocar olhares com meninos. Naquela época, eu não era Daniela, eu era Mona (recebi esta alcunha por ter os cabelos bem lisos abaixo dos ombros, repartidos ao meio e um sorriso tímido, como o retrato de Monalisa). Mas voltando ao álbum de recordações, cada foto apreciada acionava em mim gatilhos que iam da alegria a melancolia, me fazendo reviver cada momento marcante do passado como se fosse o presente. Minhas memórias se tornaram vívidas e em pouco tempo a Mona estava de volta. Desta vez, mais viva do que nunca, o que me fez acreditar que eu estava vivendo na época errada.

Eu não preciso dizer que o verão para mim teve um sabor agridoce, pois eu ansiava por aquela menina sorridente, engraçada e cheia de gás que mal terminava uma balada, já estava planejando a outra. Que era requisitada no celular, e uma das mais populares da escola (trajando roupas pretas e camisa estampada de banda). Eu era espírito livre, e muitos garotos se aproximavam de mim contando estórias sobre viagens, clipes da MTV e festivais de rock. Você há de convir que a vida de quase todo adolescente é um misto de novidade, música, festa e agitos, não?

Enfim, foi pensando em tudo isso e retrocedendo no passado que eu passei a focar nele ao invés de viver o tempo que se chama hoje. Pensei na minha mãe, que já não está mais aqui, mas que durante a minha adolescência era a mais empolgada de todas. Ela me esperava até as 5hs da manhã para saber como tinha sido a balada, quem eu havia encontrado, quem se divertiu mais, quem ficou com quem etc.

Também encontrei na estante do meu pai, meus antigos CDs de música como: Madonna, Capital Inicial, Black Sabbath, Bon Jovi, as 7 melhores da Jovem Pan, Foo Fighters. Mas a pá de cal foram os meus diários (escondidos na estante do computador): segredos, curiosidades, descobertas e frustrações que toda adolescente tem, e que pouco a pouco foi se perdendo no vazio do tempo. Minha vida era como um filme de “sessão da tarde”: cheio de emoção, aventura e uma trilha sonora que grudava igual chiclete.

Eu voltei transformada daquela viagem, e a primeira coisa que eu fiz ao chegar em casa foi montar uma playlist no Spotify com os clássicos que a Mona costumava ouvir. Eu dançava sozinha pela casa com meus fones de ouvido, e sem perceber, escolhia roupas pretas para passar o dia, além de escovar os cabelos para frente e reparti-los ao meio (no velho estilo adolescente). Eu bem que escolhi uma balada rock/pop para ir com meu marido, mas não foi a mesma coisa. Tive que reprimir a Mona, pois não podia mais paquerar nem tampouco dançar até o chão, entoando com êxtase cada música selecionada pelo DJ. Meu círculo de amizades foi se apagando, na medida em que cada integrante seguia seu rumo.

Tive prejuízos no meu dia a dia, pois não achava mais sentido na vida que eu levava. Eu queria o passado comigo, pois desprezava o presente e não via propósito para um futuro. Eu passei a contemplar a vida como se a observasse através do espelho retrovisor de um carro, me concentrando apenas no que ficou para trás. Essa analogia foi utilizada para descrever um fenômeno psicológico conhecido como “síndrome do espelho retrovisor”.

Como funciona a síndrome do espelho retrovisor?

Se trata de um conjunto de comportamentos e características em que a pessoa está focada em eventos que estão acontecendo atrás dela, tal como ocorre quando estamos dirigindo e permanecemos fixos no espelho retrovisor do carro. O problema é que se continuarmos olhando incessantemente para o retrovisor, perdemos a noção do que se passa a nossa frente. Assim é a síndrome do espelho retrovisor: a pessoa se torna obcecada com o passado, ficando presa a ele, acreditando que ele trará soluções para as frustrações e angústias do presente.

A síndrome do espelho retrovisor (SER) não é um tipo de transtorno nem uma condição clínica, mas uma forma de ver e agir no mundo. O indivíduo acredita que viveu mais e melhor no passado, por isso busca reviver situações antigas no presente. Além disso, pessoas acometidas por essa síndrome enxergam o passado de forma idealizada, e não como uma etapa da vida.

De acordo com uma matéria publicada no El País, algumas pessoas também podem manifestar a SER em casos de traumas, por não conseguir superá-los na atualidade. O indivíduo vive e revive o que aconteceu, como se o fato estivesse ocorrendo no presente.

Um outro fator para o desenvolvimento da síndrome tem a ver com o nível de frustração e desmotivação que uma pessoa sente com relação ao seu momento atual. Por se sentir frustrado e insatisfeito, o indivíduo pode desenvolver pensamentos ruminantes, comparando constantemente o passado com o presente, em um ciclo de angústia e ressentimento.

O artigo ainda ressalta que nossas lembranças apresentam um forte conteúdo emocional, por isso é tão difícil (para algumas pessoas) se desapegar do passado. O psicólogo Marcos Apud, em entrevista ao El País, acrescenta: Observar as mesmas coisas repetidas vezes não apenas priva alguém de desenvolver novos recursos, mas também condiciona o cérebro a retornar constantemente ao passado, negligenciando assim a experiência do presente.

Também é importante destacar que a identidade que temos hoje, é fruto do que construímos no passado. Por esse motivo é que alguns indivíduos têm a impressão de que se desprender dele, é o mesmo que se desprender da sua identidade. Muitas pessoas também se apegam ao passado por ele se assemelhar a uma zona de conforto. Assim, superar os obstáculos do presente e planejar um futuro, pode ser desafiador e assustador para alguns.

Psicólogos ouvidos pelo El País alertam que a síndrome do espelho retrovisor é um comportamento que impede que a pessoa evolua, levando-a a parar de crescer. O indivíduo legitima o passado de tal forma, que não se preocupa em buscar ferramentas para melhorar cada vez mais.

Os especialistas ainda acrescentam que a SER também afeta os relacionamentos interpessoais e amorosos, pois caso a pessoa tenha tido um conflito ou rejeição não superada, acabará projetando suas dores nos relacionamentos atuais, impedindo assim o desenvolvimento de novos vínculos.

A saúde psíquica também é prejudicada pela síndrome. Olhar constantemente para o passado pode desencadear estados depressivos e quadros de ansiedade, visto que a pessoa passa a ter dificuldade para tomar decisões no seu dia a dia.

Agora que já sabemos como a síndrome do espelho retrovisor funciona, vamos aprender como focar a atenção no tempo presente.

Agradeça ao passado, mas viva no presente!

Confesso que tem dias que eu acordo desejando reviver o meu passado no presente, a fim de gozar a vida da forma mais energizante possível. Então “caio na real” e constato que viver como uma adolescente é inviável quando se é uma pessoa adulta. E que nesse caso, o “caminho do meio” sempre é a melhor opção, ou seja, unir as lições aprendidas no passado, para tomar as melhores decisões no presente. Aprender com o passado, e não viver como se estivesse nele.

A síndrome do espelho retrovisor pode não fazer mais parte dos pensamentos, sentimentos e ações de uma pessoa. É possível reaprender a viver no tempo presente, valorizando cada novo acontecimento. Seguem algumas dicas sugeridas por profissionais consultados pelo El País. Eu mesma segui estas orientações, e obtive respostas bastante positivas:

  • Acompanhamento psicoterápico: se trata de uma intervenção importante a fim de identificar quais crenças disfuncionais e pensamentos ruminantes a pessoa tem desenvolvido acerca do passado, e o porquê de elas estarem acontecendo. Durante as sessões também é possível elaborar os eventos passados com a mente amadurecida do presente, e encontrar estratégias motivadoras para viver o momento atual.

  • Mindfulness: é uma prática de meditação originada do Zen Budismo que consiste em prestar atenção na respiração, ao mesmo tempo em que direciona sua atenção ao que está acontecendo no tempo presente. É um exercício diário, e quanto mais você prática, mais é capaz de observar com sensibilidade e curiosidade cada situação que ocorre ao seu redor. Esta é uma forma sábia e saudável de prestar menos atenção no passado, e estar mais focado no presente.

  • Tenha um propósito de vida: pense em algo que você sempre quis fazer, mas nunca colocou em prática. Organize formas de tornar esse sonho viável, estabelecendo metas para realizá-lo. Pode ser uma viagem, mudança de carreira, retorno à Universidade, ser voluntário em uma causa que você apoia, comprar e decorar um novo imóvel, escrever um livro, conto ou poesia. Enfim, algo que te impulsione a sair da cama, e colocar a mão na massa. Ter um propósito de vida é crucial na busca de sentido pela nossa existência. É o combustível que impulsiona o ser humano a focar a atenção no tempo presente, pelo desejo em realizar aquilo que tanto sonhou.

  • A escrita como ferramenta de autoconhecimento: escrever pode ser uma ótima ferramenta terapêutica. A escrita nos permite analisar as experiencias que tivemos, sob diferentes ângulos e perspectivas. Permite que façamos um balanço sobre o que não está “dando certo” no presente, ou o que ainda não superamos do passado. Dessa forma é possível identificar o porquê de desejar reviver situações que já ocorreram.

Quanto a mim, tenho feito diariamente uma lista com os melhores momentos do meu dia, a fim de apreciá-lo com gratidão e contentamento. A principal reflexão que eu tiro deste exercício é: “se eu tivesse me mantido no passado, provavelmente não enxergaria tudo o que tenho vivido hoje”. O ontem já não existe, e o Presente tem esse nome porque é uma dádiva.

Refletir sobre o passado é importante, pois serve para nos alertar acerca de erros que cometemos e que não devemos mais repetir. O problema é quando as experiencias do passado passam a deturpar ou dirigir o nosso presente.

O passado não muda, mas o presente pode ser modificado todos os dias. Ontem eu dançava com as minhas amigas; hoje eu danço com os meus sobrinhos. Ontem eu ficava “preocupada” se algum garoto iria querer ficar comigo; hoje eu tenho um marido que escolheu estar comigo todos os dias. Ontem eu escrevia artigos para os trabalhos da escola; hoje eu sou colunista e escrevo para uma revista que alcança diversas partes do globo.

E aí? Vai continuar vivendo de passado ou vai transformar o seu presente?