A alegria de estar no mundo, a realização de possibilidades e necessidades só é possível quando se vivencia o que acontece como o que está acontecendo. Essa atitude descritiva, não interpretativa, esse não acréscimo e não subtração de dados ao que ocorre é exequível quando se vivencia o presente enquanto presente. Ou seja, a vivência do presente é o contexto que permite existir sem ser engolido, direcionado ou orientado pelos sistemas sociais, econômicos, políticos, educacionais e familiares.
Não cair nas malhas de sistemas possibilita a existência de individualidade, de personalização. Sistemas sempre apoiam, e o que apoia oprime. Os sistemas se transformam em boias salva-vidas, em pontes de acesso, mas é também assim que solapam individualidades ao endossar motivações e estabelecer compromissos.
Estar motivado pode significar se encaminhar para além, é o futuro que se presentifica, estruturando desejos. Os compromissos marcam e atualizam passados, presenças anteriores. Esses preenchimentos de espaços criam limites, estabelecem direções e norteiam caminhos.
O indivíduo vai seguir “os bons caminhos”, aqueles do bom resultado mostrados por seus familiares, sua educação, seu sistema social-econômico, e vai evitar os caminhos considerados prejudiciais. Ao fazer isso ele se torna adaptado, organizado, vitorioso e também despersonalizado com relação a seus próprios objetivos e propósitos. Vive por e para. Se encaixar, estar adaptado, vencer as dificuldades, ser o mais apto e capaz são as boas possibilidades oferecidas. Acontece que assim se gera um vazio existencial e o âmbito psicológico, enquanto possibilidade de satisfação e realização, fica coagulado em resultados.
Vale triunfar no sistema social: ser aceito, ser considerado, dispor de dinheiro para realizar sonhos, desejos e objetivos de bem-estar. Tudo isso pode ser muito confortável, mas é discutível pois reduziu o referencial motivacional ao preenchimento dos dados oferecidos pelo sistema. Surge o vencedor, social, econômica e culturalmente realizado, aclamado, no entanto, isso não preenche nem esgota as demandas geradas pelas infinitas possibilidades do estar no mundo. Reduzi-las, gerenciá-las como resultados palpáveis e valorizados, achata o mundo em perde/ganha, sim/não, adaptado/desadaptado.
Nessas polaridades são simultaneamente criados os espaços para o tédio, a dúvida, o vazio. Ter o que se consegue ou o que se recebe é um caminho traçado que despersonaliza, pois resulta de ter se esforçado para essa realização.
Viver sem direção é viver totalmente presentificado e é exatamente aí que as direções, motivações e orientações surgem. Essa situação, viver ao acaso, viver o presente, viver sem metas é o que há de mais difícil, pois requer disponibilidade, não estar apegado a nada. Estar solto, sem apoio; lembra folha ao vento, tanto quanto lembra desapego, não compromisso, liberdade. É o estado típico do início da existência, é a fase infantil na qual se está aberto a tudo e a todos.
Essa disponibilidade, essa ingenuidade é o que permite entrega e dedicação, tanto quanto cria compromissos quando há posicionamento e manutenção. Mesmo na infância, o sentir-se bem gera a necessidade de continuar se sentindo bem, enfim, o apego é uma possibilidade e/ou ameaça constante.
Não se deter, pois isso só ocorre por conveniências e vantagens, mantém liberdade e a mesma levaria a sua contínua manutenção se não caísse nas caçapas da conveniência. A liberdade, o ir e vir sem se deter em proveitos, é o contexto psicológico determinante do comportamento humano. É o que resulta de estar no mundo com os outros. Quando essa continuidade é quebrada surgem avaliações, escolhas, e consequentes valorizações. Nesse momento se deixa de ser um ser livre, de ser a criança que descobre o mundo, e surge aquele que cogita, o avaliador, que sabe o que deve ser buscado e mantido, e o que precisa ser evitado.
Surgem as “crias”, os frutos, os filhos dos sistemas, das famílias, escolas, partidos, clubes que são os prolongamentos organizadores desse conjunto. É mais uma peça fabricada para manutenção das ordens sociais, religiosas, educacionais e familiares existentes. É o adaptado, o alienado, massa construtiva necessária de toda atual distopia, é o homem objeto, produto vendido e mantido pelo sistema.