No Ocidente, o nome Yoga é hoje uma marca de forte apelo cujos princípios foram inscritos na Índia do passado - os primeiros textos de Yoga provavelmente foram escritos 1.700 anos antes da era cristã. Comumente, associa-se Yoga à paz e esta associação é fiel ao sentido original. No debate acerca das atualizações do Yoga, é comum que se argumente que encontrar a paz hoje é mais desafiador do que quando os primeiros yoginis reconheceram os desafios interiores para se viver em harmonia.
Comumente, observamos uma inclinação nossa ou das outras pessoas por avaliar o tempo da nossa vida como debilitante e imaginar (ou recordar) os tempos melhores no passado. Imagino que você tenha escutado falas nostálgicas relativas a cenas idílicas, quando tudo era melhor. Talvez você concorde que o mundo passa por um processo de degradação. Filmes narram cenários apocalípticos e a Ciência anuncia as consequências do comportamento ganancioso dos seres humanos.
O agravamento da sensação de impotência diante da crise climática causa sintomas de ansiedade entre os mais jovens. É frequente que os meus estudantes adolescentes perguntem se o mundo vai acabar, como um pedido para a minha validação ou não dos discursos que assistem. Mesmo que eu não me considere otimista, compreendo o meu papel como educadora o de facilitar a atitude esperançosa com a vida, principalmente para esta geração de jovens que conviveu com a pandemia e que ainda convive com o impacto do abuso do consumo de mídias, entre outras desconexões que eu identifico. Há acontecimentos positivos no presente, que a nossa mente tem dificuldade de identificar porque o passado é a nossa régua. Ao reconhecer as nossas limitações, é possível cultivar a abertura para a realidade atual e, consequentemente, para tempos futuros.
A questão que eu trago neste texto é uma provocação. Estamos convencidos de que vivemos desafios inéditos, neste sentido, será que a violência de hoje pode ser amenizada com as ferramentas do Yoga, inscritas no passado? Em outras palavras, o Yoga pode ser uma boa alternativa terapêutica aos problemas atuais?
Nesse sentido, é útil destacar o viés negativo com que as notícias são produzidas e os recursos de comunicação e tecnologia que permitem a sua disseminação. Raramente acessamos histórias de pessoas que humildemente realizam feitos grandiosos. Há professoras, enfermeiras, ativistas e religiosas, pessoas a agir de acordo com valores comunitários que se movem invisíveis à percepção midiática sem prestarem contas dos seus resultados.
Se as notícias entregam fatos embrulhados na roupagem negativa, é importante o reconhecimento de que a violência, a desonestidade, a perversidade e a doença não dominam o nosso imaginário sem uma consequência psíquica. Portanto, é útil regular o consumo de conteúdos, mesmo aqueles que alegam imparcialidade. Não precisamos estar informadas sobre a realidade externa se não estivermos minimamente informadas sobre nós mesmas.
Nos Estados Unidos, país veterano nos crimes de violência nas escolas, grupos argumentam que não se deve conferir cobertura aos crimes de violência extrema nem qualquer tipo de notoriedade aos infratores ou às vítimas nestes casos. O “efeito contágio” parte da premissa de que violência gera violência e desafia o jornalismo e a mídia em geral a refletir a respeito do seu papel social.
Que o mundo externo interfere no nosso ambiente interno, sabemos. Quando moramos com pessoas que se tratam mal, é provável que a violência verbal nos afete emocionalmente e gere padrões específicos nos relacionamentos, mesmo fora do núcleo. A violência que vivemos no ambiente social e escolar, como bullying, é uma das causas atribuídas a violências extremas contra as pessoas que foram agressoras ou cúmplices. Na cultura ocidental, aprendemos que o inimigo é o outro.
Bhagavad Gita é um texto védico relativamente conhecido no Ocidente. Ele narra a batalha entre Kauravas e os Pandavas e o dilema do Arjuna de lutar contra seus parentes. Nisso, ele encontra nos conselhos de Krishna, o guia para a compreensão do seu dever, o que chamamos de dharma, na organização do mundo. Kṛiṣhṇa, representando a consciência superior, entra em cena e guia Arjuna ao caminho da consciência, de se devotar para o que é o correto e agir livre de expectativas e traumas.
Mesmo que possa ser mal interpretado como um texto que exalta o comportamento violento, é preciso compreender a batalha de Bhagavad Gita como uma batalha mítica e simbólica: a batalha da mente de cada um de nós. Diariamente forças opostas disputam a regência de nossas mentes e corações.
O Yoga, o Budismo e as demais tradições védicas assumem que o ser humano se encontra em sofrimento. A dedicação e o empenho na prática conduzem à libertação - moska, em sânscrito. A liberdade do Yoga é diferente do conceito de liberdade adotado pela nossa sociedade, influenciada pelos valores econômicos do capitalismo. A liberdade do Yoga não tem relação com o consumo de produtos e a capacidade de compra. A liberdade do Yoga é reconhecer os padrões mentais que causam sofrimento, praticar o não apego aos condicionamentos que nos aprisionam e, então, se reconhecer como um ser livre de limitações.
Segundo os ensinamentos de Yoga, um ser livre de limitações suprime as causas do sofrimento através do conhecimento da sua ignorância sobre a realidade, do seu engano em se perceber como sendo o que vê e não aquele quem vê, do apego e do medo ao específico e do medo à impermanência.
Há pessoas que vivem em condições de maior vulnerabilidade, mas todos nós sofremos por termos um corpo perecível, nos afetarmos pelas dores dos outros, pelas ausências, rejeições e frustrações. Sofremos pelos nossos apegos: por termos as nossas preferências e nutrimos, com as nossas atitudes, uma visão interesseira do mundo. Queremos que os acontecimentos sejam do jeito que imaginamos de antemão.
Viver no capitalismo e na sociedade patriarcal pode causar sofrimentos particulares agravados em algumas pessoas, mas a condição humana fundamental - a mortalidade, o medo, o apego aos sentimentos positivos e a aversão aos sentimentos negativos - são parte do sofrimento humano comum. São tão antigos quanto o Yoga e provavelmente anteriores, a considerar que o Yoga foi criado, em grande medida, para lidar com essas dificuldades.
Eu atribuo a clareza dos mestres yoginis do passado à percepção de que o nosso inimigo reside dentro de nós. Não que eu seja, pessoalmente, a minha inimiga. Eu não devo me confundir com os meus pensamentos. Qualidades da minha mente, e da mente de todas, nos confunde, nos engana, nos conduz ao apego e resiste a aceitar a impermanência.
A atitude pacífica não é uma atitude passiva. A paz interna nem sempre é traduzida em paz externa. Há batalhas internas que ressoam como atritos nas relações. As relações estão suscetíveis a um certo grau de fricção e isto não precisa evoluir para brigas, contanto que se saiba conversar, falar e escutar sem projetar os traumas passados nas relações do presente. O Yoga pode nos ensinar a estar abertos à realidade de forma esperançosa e corajosa e cuidar para não criar maiores traumas daqui para frente.