Há mais ou menos um mês e meio, quebrei a tela do meu celular. E eu não estava muito preocupada em mandar arrumar, porque, apesar de quebrada, ainda funcionava perfeitamente. Até que, um dia, simplesmente nada funcionava mais, e eu precisei mandar trocar a tela. Como consequência, eu fiquei o dia inteiro sem celular. E o resultado não poderia ser mais assustador. Desde a introdução do celular com redes sociais na minha vida, eu não tinha percebido o tanto de tempo que ficava conectada na rede ao longo do meu dia.
Ao fim de cada semana, o meu celular fornecia espontaneamente um relatório com a média diária de tempo em que eu usava o celular e também quanto tempo eu passava em cada um dos aplicativos. Essa média girava em torno de 6 horas por dia, às vezes mais, às vezes menos. Mas a verdade é que eu nunca me preocupei com o fato de passar, às vezes, mais de 6 horas do meu dia olhando para a tela do meu celular. E pior ainda, que a maior parte dessas 6 horas era vendo pessoas e coisas que não agregavam absolutamente nada na minha vida e não tinham nada a ver comigo. Passava 6 horas por dia vendo vídeos curtos.
Durante esse dia sem celular, eu me senti estranha. Nas primeiras horas, fiquei meio sem saber o que fazer. Os primeiros minutos foram até interessantes, mas, depois, comecei a sentir uma necessidade de checar qualquer que fosse a rede social para ver se “alguém tinha falado alguma coisa”. A questão é: falado o quê? Por que eu estava tão preocupada com isso? Então, era como se eu fosse um bebê que, cada vez que vai chorar, a mãe enfia logo o bico dentro da boca da criança para ela se distrair e não lembrar que quer chorar. Neste caso, eu sou a criança e a mãe ao mesmo tempo, e meu celular era o meu bico.
A grande parte das pessoas acorda no susto pelo barulho do despertador, com o coração já acelerado logo antes mesmo de abrir os olhos. Já de olhos abertos, acessam as redes sociais que injetam uma dose rápida de dopamina para começar o dia, ativando o sistema de recompensa do cérebro da pior forma possível. A dopamina é um neurotransmissor que todos nós temos, com influência direta nas nossas ações e desejos.
Os neurotransmissores são mensageiros químicos que levam uma mensagem de um neurônio até o outro. Os neurônios, conhecidos também como nervos ou células nervosas, conectam-se dentro do nosso cérebro e estão diretamente ligados aos nossos órgãos sensoriais, como a audição, olfato, paladar, visão e tato. Então, basicamente, a função desse sistema é captar esses estímulos, tanto internos quanto externos, e convertê-los em mensagens para o nosso sistema nervoso central. Nosso cérebro tem a função de receber e interpretar as mensagens recebidas e, além de ser responsável pelos movimentos do nosso corpo, a dopamina está diretamente relacionada ao nosso sistema de recompensa e motivação.
Quando fazemos algo que nos dá prazer, como comer algo que gostamos, praticar uma atividade agradável ou assistir a um vídeo curto, estamos liberando dopamina. Ela faz com que nos sintamos bem e nos leva a repetir determinado comportamento. Por isso, sempre que fazemos algo prazeroso, nosso cérebro reforça a ideia de que precisamos repetir o comportamento para liberar mais doses de dopamina.
Na teoria, esse sistema de recompensa serviu para nos manter vivos, para que fôssemos em busca dos melhores frutos, melhores ambientes, melhores comportamentos em busca de uma vida e qualidade de vida melhor, evoluindo até o momento presente. Porém, o grande problema é que, na vida moderna, somos bombardeados 24 horas por dia com estímulos que confundem nosso sistema de recompensas (ligado diretamente à liberação de dopamina), como redes sociais, séries, filmes, pornografia, jogos, fast food. Tudo isso nos prende a um ciclo vicioso de liberação constante de dopamina rápida.
Quando nos acostumamos com doses rápidas de dopamina, as atividades que não geram uma recompensa imediata, como levantar da cama, ir trabalhar, praticar exercícios físicos, estudar, trabalhar em projetos longos, entre milhares de outras atividades, deixam de ser interessantes. Nosso cérebro prefere a recompensa fácil e imediata, deixando de lado tarefas que exigem maior esforço e paciência. Como consequência desse vício em dopamina imediata, perde-se a capacidade de esperar. Torna-se desafiador ver um vídeo até o final, esperar em uma fila, aguardar uma ligação, e já não existe paciência para nada que não traga uma dose de dopamina em menos de 60 segundos.
A crise de dopamina veio com força com a introdução dos stories no Instagram e, em seguida, dos vídeos curtos como Reels e pela plataforma que se tornou viral durante a pandemia, o TikTok. Nosso cérebro cria padrões baseados no reforço e repetição. Por isso, muitas vezes nem nos damos conta de que estamos tanto tempo com os mesmos hábitos que sabemos que nos fazem mal, mas abandoná-los é um grande desafio. Esse sistema funciona de forma muito simples: aquilo que sempre te traz uma sensação de prazer, o cérebro entende como sendo algo positivo e será estimulado para que se repita. Por isso, quando você vê um vídeo de algo que gosta, ou algo fofinho como um animalzinho filhote, bebês ou outras coisas do seu interesse, a dopamina é liberada e o padrão de comportamento é criado.
Tudo no nosso corpo é limitado. Por isso, quando acordamos e somos superestimulados com informações ao checarmos a rede social, já esgotamos a nossa dose de dopamina para uma parte do dia, o que torna muito difícil apreciar e fazer tarefas necessárias do nosso dia a dia.
Essa busca constante por prazer imediato é o que nos faz saltar de atividade em atividade, muitas vezes sem terminar nenhuma delas, em busca de mais doses de recompensas imediatas. Comportamento que pode ser observado durante o uso de redes sociais com rolagem infinita, onde você passa de um vídeo para outro, vendo apenas conteúdo escolhido exclusivamente para você, selecionado para atrair a sua atenção e te deixar preso a uma plataforma que te entrega aquilo que você adora. Uma das consequências é a perda da capacidade de focar em uma única tarefa por um certo período de tempo, a perda da capacidade de espera, além de ansiedade, crises de depressão, comparação, entre muitos outros distúrbios causados pelo uso excessivo das redes sociais.
Um dos principais efeitos negativos de buscar dopamina em pequenos estímulos muitas vezes ao dia é uma sensação de ansiedade constante quando não estamos fazendo alguma atividade que nos traga prazer imediato. Isso cria um sentimento de vazio ou uma inquietação mental e interna, um profundo desconforto. Quando isso acontece, é um indicativo de que perdemos a capacidade de nos sentirmos bem sem os estímulos constantes. Graças à perfeição do nosso corpo, existe, sim, uma maneira de corrigir e melhorar o nosso sistema de recompensa e regular nossas doses de dopamina, e é um movimento que está se tornando bastante conhecido no meio acadêmico e entre pessoas que estudam o tema: o Jejum de Dopamina.
O jejum de dopamina é, basicamente, evitar contato constante com esses estímulos de prazer imediato durante um determinado período de tempo, para que os seus níveis possam voltar ao normal e você recupere a capacidade de pensar por si, esperar, reduzir a ansiedade, entre outros milhares de benefícios. Isso se aplica não apenas às redes sociais, mas também a comportamentos como o uso de cigarro, bebidas, doces, comida, drogas, pornografia, sexo, entre outros milhares de vícios.
Vivemos em uma era dominada por estímulos constantes que sequestram nosso sistema de recompensas, dificultando a realização de atividades essenciais para nosso bem-estar. A crise de dopamina, alimentada pelo consumo excessivo de redes sociais e outros estímulos rápidos, impacta negativamente nossa saúde mental, física e emocional. Reconhecer o problema e adotar práticas como o jejum de dopamina é um passo fundamental para recuperar o controle sobre nossa vida, promovendo mais equilíbrio e qualidade em nossas relações e atividades diárias.