Sempre vi a minha mãe como o veredito do que é ser mulher. Com o tempo o sabor da infância perdeu-se, os olhos da maturidade ganham vida. A criança passa a ser adulto, e agora, tudo é sopa e contas para pagar. Monotonia. Mesmice. Chatice.
A minha mãe não deixou de ser o meu veredito de mulher. Mas fez-me pensar que ela podia ser menos mãe, e mais mulher.
É como todas as mães que deixam de ser o que foram. Tornam-se num meio estado, num quase que é, mas não é. Sentimento que todos nós já sentimos. Procurando dentro de si uma razão identitária para ser, quando o mais fácil é deixar de ser.
Muitas metáforas para simplesmente dizer. Não sei o que gosto, mas sei o que o Bernardo gosta. Não sei o que sinto. Mas sei como melhorar o dia do Bernardo. Hoje não dormi. Não comi também. Hoje pensei inúmeras vezes na lista infindável de atividades de xaxa para o Bernardo fazer. Não sei como vou sustentar dois empregos para encher-lhe de luxos que nunca tive. Porque eu tenho de ser a melhor mãe do mundo.
Não falo por todas as mulheres. Falo da perspetiva de sentir o cansaço vindo das palavras de uma mãe. Não falo pelas mães, nem pelos pais, não falo daquilo que não sei. Penso pelos meus botões sobre aquilo que vejo.
Sendo uma jovem mulher sinto-me por vezes distante do que sou, ou até mesmo, daquilo que quero ser. Sendo uma jovem mulher com um filho nos braços, será que eu saberia?
Como mulher, sinto às dores, preocupações e anseios das mulheres ao meu redor. As vezes a empatia é imediata, as vezes surge como um favor para a minha consciência. Mulheres instruídas; mulheres com dupla jornada; tripla jornada; mulheres mães, mulheres viajadas; mulheres que fazem questão de serem mulheres.
Ao mesmo tempo é com um amor incontestável que falam dos filhos. Como se para eles vivessem. Apenas isso. Vejo como o ato mais altruísta proveniente da natureza humana. Gerar, parir, e assim, continuar em função da cria. É evidente que não somos todas iguais. Cada uma com uma forma muito particular de ser mãe. Mas é tão fácil esquecer-se do que somos. O fiasco de energia que ainda resta é para manter a roda a girar. Porque toda mulher é cuidadora do lar. Foi o que sempre disseram.
Comecei por falar das mães doadoras. Daquelas que se perdem no ato de ser mãe. Abdicando do que foram para ser uma extensão dos seus filhos. Mas o mundo é vasto. Há de tudo.
Desde sempre criamos caixas sociais para encaixar as pessoas, sufocando-as com os papéis que devem exercer. Como se para sempre tivessem de abraçar aquela responsabilidade pois o escrutínio de fugir a regra é demasiado duro.
Romantizamos a “mãe” dona do lar. Aquela que não para. A presença imaculada quase que santa. Aprendemos como filhos que a figura maternal é a supremacia da bondade. Mas relembremos que toda mãe antes de mãe, é mulher, e antes de mulher, também é gente. E como gente, fazem coisas feias. Coisas feias para não dizer asneiras.
Há mães que por nada deixam a sua essência, tratam da maternidade como um detalhe da sua vida. Há outras que enxergam como um percalço. Um erro. Uma falha na Matrix.
É preciso compreender que muitas vezes as mães que aconteceram por acidente criam traumas. Fazem filhos traumatizados que carregam as dores de uma pessoa infeliz. Os filhos traumatizados lidam com a culpa e o julgamento alheio de não se sentirem filhos.
Não sentiram o amor materno. Não aprenderam a receber amor, e são cobrados por isso. São obrigados a enfeitarem um sentimento que não existe. Tudo por uma questão de calar os murmúrios dos outros. Aprendem aos solavancos e por outras formas o que é o amor.
Encontram nas ruas vestígios de atenção pensando por eles que chega a ser amor. O mal de não se saber o que é uma coisa, é que qualquer coisa serve. No fundo é uma eterna corrente de causa e efeito. O trágico é resultarem em adultos feridos que fazem feridas. A roda continua a girar, e tudo é mais do mesmo.
A maternidade existe para ser um tiro no escuro. Um teste de resistência entre desistir e tentar. Uma linha ténue entre abraçar, mas não sufocar. Amar, mas não estragar. Entre outras coisas.