Em um sistema, sociedade ou mundo onde valem mais as classificações sancionadas pelo aval identitário, e ainda, onde aparência é programada em função de objetivos a atingir, nesse ambiente imperam agrupamentos. Classificar para ordenar, para criar hierarquias e estabelecer vantagens ao mesmo tempo fugindo de desvantagens.

Fazer parte de grupos, sentir-se acolhido e com direitos assegurados é um dos pilares garantidos pelas inserções identitárias. O agrupamento é a maneira utilizada para fortalecer o que, disperso, é alvo de rejeição e de agressão. A questão identitária é assim construída e garantida. Estruturar identidades por meio de posicionamentos, de agrupamentos é supervalorizar elementos e imaginar que de seu conjunto, de sua soma surge algo significativo e novo. Acontece que o todo não é a soma das partes, portanto, não é o caminho identitário que vai estruturar individualidades.

A identidade apenas delimita espaços criadores de parâmetros. Esses parâmetros podem significar impossibilidades ou possibilidades. Eles são rotulações que permitem manejo. Agrupamentos identitários servem para estruturar barreiras de proteção, tanto quanto caminhos de acesso. Mas, fazer parte de maneira comprometida com resultados é alienador, pois ao invés de resgatar individualidades, massifica, compromete.

Os ecos da frase de Marx trabalhadores do mundo uni-vos está fragmentado, e o que se ouve são partes de sua mensagem. Lembro Kafka:

Foi-lhes dado escolher: serem reis ou correios de reis. Como crianças, todos quiseram ser correios. Por isso há apenas correios, que correm mundo gritando uns para os outros (pois não existem reis) mensagens que afinal perderam o sentido. De bom grado poriam termo às suas desgraçadas vidas, mas não se atrevem – por causa do juramento profissional.

Não há comando, orientações e objetivos foram perdidos, e no desespero de recuperar significados se busca agrupar. Esse agrupamento é uma coleção de queixas, desejos e reivindicações. É o fazer parte, o ser respeitado, o ter direitos, ser legitimado, recorrendo às benesses, as garantias oferecidas pelo sistema. Do “quem indica” e “sabe com quem está falando” ao “é meu direito” tudo é judicializado, esquematizado.

Hoje existem grupos para tudo. Nesse mundo distópico, breve ouviremos falar sobre a organização de grupos que se alimentariam de cadáveres humanos, com elaboradas justificativas para suas ações, como: suposta constatação de melhor absorção de produtos humorais, de ingestão direta de certas substâncias existentes no cadáver, além do aproveitamento dos restos humanos. Levantar essa possibilidade aqui não é exagero ou digressão. Muito além de questões morais e éticas, sabemos que esse interdito, que essa aversão ao canibalismo que a espécie humana por fim desenvolveu, a protege de inúmeras enfermidades ou patologias ameaçadoras de sua sobrevivência como espécie. No âmbito da moral, a ameaça que se avizinha é assustadora.

No mundo atual, onde o próprio ser humano é generalizadamente transformado em produto, ou seja, é alienado, é uma coisa, o processo econômico é polarizado, orientando-se em sua direção tanto como consumidor, quanto como bem de consumo. Isso, naturalmente, tem consequências em nossos princípios ou conjunto de valores que orientam nossos comportamentos. Limites de ação são assim redefinidos não como resultado de questionamentos existenciais, filosóficos, morais, mas como resultantes de direcionamentos de disputas de poder econômico.

Recentemente li sobre um movimento de indivíduos – único no mundo até onde se sabe hoje – com diagnósticos de psicopatia, que reivindicam acolhida e inserção social. A reportagem da BBC News, intitulada Sou psicopata e quero que a sociedade entenda e acolha meu transtorno entrevista uma das fundadoras desse grupo, que se apoia em novo conceito de psicopatia dado pelo último DSM no qual termos como ‘sociopatia’ e ‘psicopatia’ não deveriam mais ser usados, estando inclusos no termo amplo de “Transtorno de Personalidade Antissocial”.

Obviamente esse alargamento conceitual açambarca um grupo heterogêneo de indivíduos com diversos comportamentos socialmente prejudiciais, inclusive os classicamente entendidos como psicopatas. Essas mudanças claramente alimentam um mercado crescente de profissionais, que buscam, por meio de inserções identitárias, neutralização de realidades mais que explícitas de comportamento antissocial.