Ao comprar um alimento no supermercado, o consumidor nunca se pergunta se o produto é seguro, ou se vai causar algum problema de saúde. Isso porque está implícito que o produto está sempre acompanhado por um sistema que garante a segurança e a qualidade do alimento. Esse sistema é composto por uma série de medidas e processos que acompanham o produto desde a matéria prima até chegar ao carrinho de compras do consumidor final.

O controle de qualidade engloba uma série de procedimentos, que incluem higienização, controle de tempo e temperatura, monitoramento da saúde dos manipuladores, verificação das condições de transporte e armazenamento, entre muitos outros. Como se pode verificar, as operações são bastante diversas e integrá-las em um único sistema pode parecer desafiador.

Ao contrário do preparo doméstico, em que pequenas quantidades de alimentos são manipuladas por uma ou duas pessoas em um pequeno espaço, a indústria de alimentos emprega dezenas de pessoas que realizam diversas atividades, utilizando variados instrumentos. Como controlar toda essa cadeia e garantir que os controles estão sendo efetivos de modo a entregar um alimento seguro ao consumidor final?

Uma boa resposta para essa pergunta é a utilização de uma ferramenta superpoderosa, chamada de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), ou, como é mundialmente conhecida a sigla em inglês HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Points). Esse sistema foi criado durante a Guerra Fria, com o objetivo de produzir alimentos inócuos para o programa espacial estadunidense em parceria com a gigante multinacional Pillsburry Company.

O sistema HACCP é aplicado como método preventivo, para evitar ou mitigar riscos biológicos, químicos e físicos, para garantir que os alimentos oferecidos ao consumidor final sejam seguros. Mais recentemente, alguns estudos nessa área estão incluindo também riscos alergênicos na lista do HACCP, porém ainda não há um consenso. Esse sistema é aplicado em toda a cadeia, desde a matéria prima até a comercialização, passando por transporte e embalagem. O objetivo é permitir que as empresas possam agir preventivamente, ao identificar os perigos e os pontos críticos precocemente e evitar que as falhas sejam identificadas apenas no produto final, quando medidas corretivas são muito mais complexas e geram muito mais perdas para a indústria.

O HACCP é baseado em sete princípios que seguem uma sequência lógica e que facilita a sua implementação. O primeiro princípio é a identificação de perigos e medidas preventivas. Nessa fase, os perigos descritos qualitativamente, por exemplo, se matérias primas podem estar contaminadas com materiais estranhos, como pedaços de metais ou madeira ou se há a possibilidade de contaminação cruzada durante o processo.

O segundo princípio é a identificação dos pontos críticos de controle (ou CCP, sigla em inglês). Aqui, é importante diferenciar um CCP de um ponto de controle (CP). Todas as etapas em que é possível medir e controlar algum parâmetro é um CP, porém ele é considerado um CCP se uma falha em seu controle não pode ser corrigida em alguma etapa posterior. Um bom exemplo de CCP é a pasteurização do leite: se o tempo e temperatura não são rigorosamente controlados, microrganismos patogênicos presentes na matéria prima podem sobreviver ao processamento e não há nenhuma etapa posterior que possa eliminar esse perigo.

O terceiro princípio é o estabelecimento de limites críticos associados a cada CCP. Por exemplo, na indústria de enlatados, o pH (acidez) do palmito é um CCP, que tem como limite estrito de no máximo 4,7. Depois dos perigos, CCP e limites estabelecidos, o quarto princípio refere-se ao monitoramento de cada PCC. Em linhas de produção altamente automatizadas, esse controle necessita de pouca intervenção humana, pois alertas são emitidos quando os limites críticos não são atingidos. Porém, em muitas linhas, ainda é necessária a intervenção humana nesse monitoramento.

Em seguida, o quinto princípio refere-se à definição de medidas corretivas para o caso de haver algum desvio. Para cada desvio, específicas medidas corretivas são estabelecidas. Como forma de verificar se todo o sistema está funcionando, o sexto princípio estabelece que procedimentos de verificação do próprio sistema devem ser definidos. Esse é um processo de validação do sistema, que pode incluir vários procedimentos, como a coleta de amostras e exame de desvios, por exemplo.

Finalmente, o sétimo e último princípio define que um sistema de registro de todos os controles efetuados deve ser criado. Isso possibilita que todo o processo seja rastreável e auditável.

Hoje em dia, a implementação de um HACCP completo em indústria de alimentos ainda não é obrigatória. Principalmente micro e pequenas empresas do ramo alimentício não têm capacidade e estrutura para tanto, porém, um sistema baseado nos princípios do HACCP é fundamental para o controle e garantia da qualidade.