É cada vez mais importante falar-se da Democracia, não só por se comemorarem os 50 anos do 25 de abril, mas também porque a Liberdade que damos como garantida nunca se encontrou tão ameaçada como agora. Os resultados das Eleições Legislativas do presente ano, mostraram-nos que a extrema-direita tem cada vez mais força, não fosse o partido CHEGA ter conseguido eleger para o Parlamento 50 deputados. É verdade que cada eleitor tem as suas preferências e ideais políticos, mas votar num partido de extrema-direita não é e nunca será a solução. Senão, vejamos o que aconteceu a Portugal, quando a extrema-direita chegou ao poder.
Estávamos no ano de 1926, mais concretamente a 28 de maio, quando a 1ª República teve fim e foi instaurada a Ditadura Militar, que daí a poucos anos daria origem ao Estado Novo, que vigorou no país entre 1933-1974. Entre o Golpe de 28 de maio de 1926 e a instauração definitiva do novo regime, foi iniciada a “construção” da máquina censória, que viria a perseguir os opositores do regime.
Tal como outros regimes ditatoriais, também o de Oliveira Salazar pretendia criar uma ordem social, de acordo com as suas convicções. Garantia-se pelos ideais do fascismo do italiano Benedito Mussolini, pelo integralismo lusitano e pelo apoio da Igreja. Caracterizou-se por ser um regime nacionalista, tradicional, corporativista, autoritário e colonialista.
No entanto, para incutir toda esta ideologia à sociedade o ditador, necessitou de criar uma máquina propagandística capaz de transmitir estes valores, os chamados Serviços de Propaganda Nacional (SPN). Além destes, o criou os Serviços de Censura responsáveis por assegurar a tranquilidade no país e perseguir os “traidores da nação”. Os Serviços de Censura subdividiam-se em outras organizações, de onde faziam parte a Guarda Nacional Republicana (GNR), a Legião Portuguesa (LP), a Polícia de Segurança Pública (PSP), a Polícia de Investigação e Defesa do Estado (PIDE) e a Mocidade Portuguesa.
Assim, face à máquina censória que o regime criou foi-lhe possível neutralizar a voz dos opositores do regime, bem como impedir a perturbação da “ordem social". Além disto, a máquina censória fez com que a informação e a liberdade de pensamento fossem vedadas aos indivíduos, o que acabou por convergir numa sociedade totalmente manipulada pelo regime. O facto de a produção da informação não ser livre, pois a censura encarregava-se de passar a “pente fino” todos meios informativos antes de chegarem às mãos do público, pois tudo o que não fosse considerado aceitável por parte do regime era cortado.
Desta feita, foi fácil para o regime criar uma sociedade manipulada e uma imagem irrepreensível do país ao nível económico, político, social e cultural, tanto internamente como externamente. Porque esta imagem irrepreensível que o Estado Novo conseguiu passar dentro e fora de portas, onde tudo era perfeito, não era mais do que uma imagem fictícia, que não correspondia à realidade. Por outras palavras, no Portugal de Salazar não existia fome nem miséria, também não existia analfabetos, nem taxa de mortalidade elevada por falta de condições de assistência médica; também não existia exploração, nem casos de corrupção, entre outras situações que faziam de Portugal um dos países mais atrasados e precários do continente europeu. Porque era a função da censura encobrir certas informações consideradas desagradáveis ao regime.
A Revolução dos Cravos tardou, mas concretizou-se a 25 de abril de 1974 pela mão do Movimento das Forças Armadas (MFA), conseguindo assim derrubar aquele que foi o regime ditatorial mais longo da Europa. Desta feita, a sociedade portuguesa alcançou algo que durante muito tempo foi seque impensável: a liberdade. Além disto, mas não menos importante, questões como a Guerra Colonial, bem como o isolamento e o atraso de Portugal face aos demais países da Europa foram o rastilho para a revolução levada a cabo pelos militares d’abril — perfazendo os objetivos da Revolução: democratizar, descolonizar e desenvolver o país.
Contudo, a Revolução d’Abril não trouxe de imediato a paz e a estabilidade desejadas, pelo contrário, verificou-se um período de estrema agitação social, política e também militar, que ficou conhecida como o PREC (Processo Revolucionário em Curso) que, viria a terminar a 25 de novembro de 1975. No ano seguinte, a 25 de abril de 1976, foi redigido o novo texto constitucional do país pela Assembleia Constituinte eleita no seguimento da realização das primeiras eleições livres em Portugal.
Conseguida a liberdade e a paz no país, muita coisa mudou em Portugal e na sociedade. Os portugueses puderam, por fim, escolher de forma livre e de acordo com os seus ideais, quem iria dirigir os destinos do país, algo que antes era impensável. No que à vida das mulheres diz respeito, estas também viram, por fim, os seus direitos consagrados e deixaram de ser um mero “brinquedo” nas mãos dos homens, pois com a Revolução começaram a poder tomar decisões por si próprias, ou seja, eram donas da sua vida.
Além disto, a sociedade deixou de viver com medo das perseguições por parte da censura, deixaram de ter medo de pensar por si, mas sobretudo, deixaram de ter medo de pensar o contrário do que era defendido. Afinal de contas, Portugal era livre e cada um tinha uma opinião e tinha o direito de a defender.
Anos mais tarde em 1986, com a entrada de Portugal para a antiga Comunidade Económica Europeia (CEE), agora União Europeia (UE), trouxe benefícios à economia do país e, por conseguinte, ao seu desenvolvimento, que permitiram a Portugal sair do marasmo em que a ditadura o colocou durante os anos da sua vigência.
No entanto, aleada à importância de falar da democracia e da sua defesa, também é urgente falar-se de uma profissão que sofreu muito às mãos da ditadura: o Jornalismo. É mais que sabido que, durante a ditadura do outro Senhor, o setor do Jornalismo fora bastante marginalizado por conta das práticas da censura, pois os jornalistas apenas podiam noticiar o que o regime queria. Por outras palavras, para haver jornalismo naquele tempo, os seus profissionais tiveram de ser carrascos de si próprios, pois tiveram de medir muito bem as palavras que utilizavam na redação dos seus artigos, senão queriam problemas com a Censura.
Hoje a situação do Jornalismo é bem diferente daquela que se viveu há 50 anos. Se no passado, o Jornalismo se batia pela falta de liberdade, hoje, bate-se pela precariedade que afeta o setor, tendo levado os seus profissionais a fazer uma greve geral, no passado dia 14 de março. O que reclamam? Melhores salários e melhores condições de trabalho. Aliás, como as demais profissões. O problema é que a precariedade do Jornalismo não é uma novidade, pelo contrário, é algo que está há muito entranhado na profissão, mas nunca foi feito nada no sentido de melhorar a situação do setor. Talvez agora, a questão velha à baila porque, finalmente, os jornalistas deram um murro na mesa e vieram, por fim, exigir aquilo a que têm direito, mas que (como sempre) ficará por resolver.
A juntar à festa, coloca-se o avanço desenfreado da extrema-direita que temos vindo a assistir dentro e fora de portas. Quer queiramos quer não, sem democracia não há jornalismo e, sem este, também não pode existir uma sociedade democrática. Ou seja, uma coisa vem no seguimento da outra. Face a todas as crises financeiras, humanitárias, guerras pelo mundo, mas sobre tudo pelas quezílias partidárias e promessas vãs dos partidos políticos, a extrema-direita, tem conseguido espalhar a sua semente e colhido alguns frutos: mais presença no seio da vida política. Fazendo com que a pouco e pouco, a democracia e, consequentemente, o jornalismo tenha os dias contados.
Sem jornalismo independente, capaz de transmitir informação isenta e credível, a audiência vai acabar por pagar as consequências, tornando-se alheada do que se passa ao seu redor e daí a tornar-se facilmente manipulável é passo. O mesmo acontece se a sociedade viver sob as amarras da opressão de uma ditadura, pois as suas liberdades individuais como a liberdade de expressão e pensamento ser-lhe-ão vedadas, porque ao ditador não interessa ter indivíduos capazes de perceber o que é bom ou mau para si, muito menos pensarem de forma contrária ao que é defendido pelo regime.
No ano em que celebram 50 anos da Revolução dos Cravos, deixemos de dar a Democracia como garantida. Lutemos por ela, como outros fizeram no passado, para que hoje tivéssemos liberdade para pensar, para nos exprimirmos e sermos quem quisermos, sem medos. Para podermos gritar a plenos pulmões: Liberdade, hoje e sempre!