Ao contrário dos meus textos anteriores, não vou começar com um questionamento. Vou contar uma história que contextualizará antes da tradicional questão de partida.
Desde 2019, atuo principalmente em cursos de graduação em Direito. Sou professor de matérias de base, com destaque para Sociologia Jurídica, que tem por função justificar o Direito e trabalhar a compreensão do Direito enquanto ciência social aplicada. As ciências sociais aplicadas têm por objetivo compreender as nuances da relação social e como ela influencia e, ao mesmo tempo, é influenciada pelo Direito.
Para ficar em um exemplo dos três clássicos de interpretação metodológica, numa perspectiva durkheimiana, o Direito responde às demandas sociais, como a criminalização de um novo crime ou até mesmo a mudança no conceito legal de família. Dessa forma, os fatos sociais influenciam todos os ramos do Direito. E, acreditem, existem muitos.
O ponto central é que a Sociologia é a base fundamental do ensino do Direito, mas devo reconhecer que não é a matéria mais popular, seja entre alunos ou Instituições de Ensino Superior, visto que algumas colocam a questão sociológica em segundo plano. E aí não é o sentimento de ser preterido, mas um inconformismo por ser negado ao aluno a possibilidade de aprender a interpretar o Direito. Acredito, e é aí o motivo da minha escolha pela área, que a Sociologia Jurídica é mais importante do que qualquer texto legal, pois dá sentido ao que consta dos Códigos e até mesmo da Constituição Federal.
Não sou praticante da pedagogia do medo e acredito que um estudante pode, e deve, investir seu tempo no que mais o agrada, mas sou um observador social, um sociólogo. Pode parecer um tanto esquerdista, né?
Contudo, como fruto da observação dos profissionais que ajudo a formar, percebo que a indiferença ao ensino da Sociologia produz advogados incapazes de compreender a sociedade à qual seus conhecimentos serão aplicados. Para ser bem direto, afirmo que, por exemplo, formamos advogados criminalistas que demonizam o princípio da ampla defesa e contraditório, que além de serem direitos fundamentais constantes no art. 5˚ da CF/88, são seu ganha-pão.
Eu fiz essa afirmação em sala de aula e afirmei que a indiferença não me atinge, mas os atingirá no futuro.
Dito isso, um aluno de destaque, participante ativo dos debates e vocacionado à pesquisa, transferiu como questão de partida deste texto, mesmo que um tanto quanto adiantado. Achei interessante e diferente a pergunta, e a retransmito.
O que é ser professor?
Confesso que tive que pensar por alguns segundos, pois é uma daquelas perguntas que te atingem como um soco no estômago. Eu me emocionei, e já se foram três semanas e não paro de pensar na pergunta. Eu o respondi, mas hoje vou dar o aprofundamento que ela merece, em ato de defesa a todos os professores.
Pelo simples fato de que não sei até quando conseguirei me dedicar a ser professor, especialmente de Sociologia, pois somos uma espécie em extinção.
Mas vamos à resposta.
Ser professor é, antes de tudo, ter a capacidade de transferir conhecimento, o que nem chega a ser a resposta, mas sim um contexto.
Para transmitir conhecimento, é necessário ter uma carga absurda de conhecimento, o que você não conquista da noite para o dia. São anos de dedicação. Então, o maior investimento é de tempo, um processo de construção que abala os mais íntimos do seu pensamento, seu senso de capacidade de estar ali, na frente de 60, às vezes até 70 alunos, e atendê-los com o comprometimento que a profissão exige.
Mas não fica aí. Há o investimento, um tanto quanto considerável, de dinheiro, pois soma-se graduação, especialização, mestrado e doutorado, participação em cursos de aperfeiçoamento, congressos e publicações. Contudo, o maior investimento é de tempo.
A carga de leitura de um professor é absurda, e é desafiador se manter atualizado e trazer os temas que são essenciais na sala de aula.
E esses não são os maiores desafios.
A luta mental que presenciamos é o maior dos desafios, o duelo que conhecemos como efeito Dunning-Kruger, em que duelamos com o nosso interior numa análise interna constante que coloca em foco nossa competência. O processo de análise de nossa atuação em que subestimamos nossa própria capacidade de estar ali na frente daquelas pessoas, que se espera, estarem ávidas pelo conhecimento que você acumulou.
O questionamento de nossas competências e habilidades nos coloca em uma espiral de vulnerabilidade que muitas vezes pode ser explicada pela pergunta: "Você só dá aula, professor?"
E talvez seja a pergunta mais perversa para um professor. Afinal, nossa remuneração gira em torno daquelas duas horas semanais na frente de uma turma, mas levamos anos preparando. Sim, são anos de preparo, que obviamente são verticalizados e imbricados numa série de textos, aulas e experiências de sala que fazem aqueles 100 minutos uma aula única.
Traduzindo, temos uma das poucas profissões que trabalha antes do trabalho e depois do trabalho, e a remuneração é baseada na carga horária de sala de aula, não na preparação e não na correção de provas e exercícios.
E por que falar de remuneração? Pois vivemos em uma sociedade capitalista em que o reconhecimento vem através do pagamento.
A espiral de vulnerabilidade à qual somos submetidos é desumana, mas um aluno dedicado nos faz ter uma renovação de esperança, que talvez seja o que alimenta e perpetua essa espiral.
E se temos uma certeza, é que todos os profissionais tiveram, ao menos, um professor na vida, alguém que os ensinou algo.
E faço uma pergunta final: você valoriza seu professor?