São discussões que travo silenciosamente em minha mente. Ando pela rua calmo, como quem não tem compromissos e não está interessado em nada, mas, por dentro, explodo. Uma guerra que ecoa pelos túneis abafados dos meus pensamentos, turbilhões de vozes gritando cada vez mais alto, se desentendendo. E todas elas sou eu. Várias facetas do mesmo rapaz.
Digo "oi" a um conhecido na rua, aqueles caminhos pelos quais percorri durante anos, sigo quase no automático, mal presto atenção no que vejo. Dentro de mim, ecoam palavras de ódio voltadas a mim mesmo. Meus passos calmos pela calçada e minha feição plena não representam a inquietação da minha alma.
Consigo me ver por dentro, quase como em terceira pessoa. Cores escuras e assustadoras se misturam com violência, batendo nas paredes dos meus pensamentos e me fazendo retumbar. Quase cambaleando devido à força que exala, sigo andando, agora com mais pressa. Sinto medo, medo de dizer essas palavras em voz alta; parece loucura demais para uma pessoa só. Ter tantas vozes dentro de si e não conseguir se ver em nenhuma delas.
Olho os prédios altos que contornam o céu cinzento acima de mim. Está começando a escurecer e ainda estou longe de casa, mas isso não é nenhum problema; sempre preferi a noite ao dia. Um vento gelado parece me acompanhar, ciente de tudo que acontece em mim, dentro de mim.
Tantos “eus” para uma única mente.
Eu mesmo me mantenho calado, apenas ouvindo as palavras carregadas de raiva que são proferidas. Escolhi me calar faz tempo, discutir é inútil, eles sempre estão certos.
Vejo o cinza da cidade se misturar com o cinza do céu, tudo tão monótono, tudo tão lindo. Calmo, pacato. Não violento e intenso como eu e minhas cores.
Vermelho-vinho, azul-marinho, verde-oliva e marrom-rútilo, as quatro cores que me estragam e que se misturam como nuvens fortes da tempestade que começa a se formar no céu. O fundo sem cor, o palco de todas essas discussões, sou o puro eu. Eu como nada e nada além, nenhuma cor com a qual consigo me identificar, e o restante, fragmentos de mim.
Vejo o céu, agora tão escuro, faz horas que estou andando, mas dentro de mim, dentro de todo aquele furacão, o tempo não passa, pois minha loucura é eterna. Cores que vejo em mim, sem a alegria de um arco-íris, como tintas jogadas em uma tela confusa.
Eu aceito que tudo isso é o que me mantém vivo, é o que me faz respirar e me mover. Toda essa energia violenta que acumulo dentro de mim, eu odeio e agradeço ao mesmo tempo. Todas as cores são partes de mim. Elas são horríveis, mas são o que sou.
Cores em um único plano de fundo. Eu como palco, eu como personagem principal, eu como foco.
Agora, um trovão estala no céu, e a chuva vem. Gotas grossas que escorrem pelo meu cabelo, meu rosto, pela minha alma. As gotas correndo por mim, me encharcando e levando consigo aquelas cores que confortavelmente me incomodam.
Eu transbordo, as cores saindo de dentro para fora conforme a água me preenche. Aquele sentimento de transparência e pureza, apenas a mim e mais ninguém.
Apenas eu, sem um turbilhão de manchas coloridas.
Conforme a chuva passa, o céu se abre, as cores derretem com as gotas de chuva, eu chego em casa. Me sinto bem, realmente calmo, como o meu andar. Ali, no degrau da porta, finalmente me sinto em casa, solitário e pleno. A tinta que escorre pela minha pele se desfaz ao tocar o cimento da calçada. E então, quando a porta se abre, eu estou seco.