Antes de começar a ler este texto, lembre-se: isto não é um guia de autoajuda. Não vai haver 5 dicas ou passos mágicos a explicar o que tem de fazer para se sentir melhor. A autodescoberta é e sempre será um caminho individual, não linear e diário. Por isso, se pensa entrar neste processo, é recomendável procurar ajuda profissional.

Dados os avisos, vamos ao que interessa. Como já sabemos, a necessidade de estarmos bem com nós mesmos, e a procura pelo amor-próprio, é um tema já bastante falado. Lemos sobre ele em livros de autoajuda, nas revistas ou em artigos da Internet e no final todos apresentam a mesma proposta: uma lista de dicas simples, mas repetidas que procuram ajudar os leitores no caminho para a autodescoberta. Dizem-nos para aproveitarmos a nossa individualidade, para não ligarmos ao que os outros pensam, para compreendermos de onde vêm a nossa insegurança. Tudo bem, falar é bonito, e fácil, mas parece que nos esquecemos que nem todos temos as mesmas capacidades emocionais, e que o processo de cura não é igual para todos.

Verificamos também que o discurso presente nas redes sociais, embora pareça motivador e inofensivo, prega o total contrário do amor-próprio, ou seja, prega a idealização do ser e não deixa espaço para que erros ou frustrações possam acontecer. Ao mesmo tempo, funcionam como uma armadilha, levando a uma competição entre quem é mais bonita, quem tem o melhor corpo, e quem tem mais gostos. É nos cobrada uma perfeição quase inalcançável: para além de mulher, mãe, filha ainda temos de ser capazes de ter amigos, de cuidar da casa, de ser sociável e de ter um bom emprego. Chega a ser cansativo. Além disso, precisamos ainda de ser confiantes, determinadas e de nos amar.

A filosofia do Self Love vende-nos a ideia de que temos de ser a nossa melhor versão, em vez de promover uma relação segura e de respeito, onde a pessoa possa aceitar os seus erros e falhas. Usam uma lógica capitalista para vender o amor-próprio como se fosse um produto, associando-o a marcas de beleza e consumo. Neste ponto achei curioso ver que a maioria das publicações na hashtag #Self Love são de mulheres. Também as campanhas das grandes marcas, como Dove ou Body Shop, parecem focar-se no público feminino através de publicidade que, muitas vezes, apela para o #Bodypositivity.

Mas afinal, como posso me amar? Como eu descubro o que me faz bem?

Em primeiro lugar, e para conseguirmos entender melhor a complexidade destes assuntos, é preciso compreender que “estar bem com nós próprios”, contempla um conjunto de processos de autoestima, autodescoberta e amor-próprio. Ao mesmo tempo, este processo é influenciado pelas estruturas sociais e políticas em que nos inserimos, e pelas conexões que realizamos. Assim, quando falamos de amor-próprio, não podemos esquecer que as relações que estabelecemos também são fundamentais para o nosso bem-estar, assim como para o nosso processo de autodescoberta.

Durante muito tempo, o nosso valor como pessoas estava associado a um corpo perfeito, a um número na balança, à nota de um teste ou, muitas vezes, às expetativas externas. Oferecemos compaixão, conforto e respeito ao próximo, no entanto, temos dificuldade em nos colocar em primeiro lugar. Doamos tanto de nós para os outros, quer seja em contexto escolar, familiar ou de trabalho, e colocamos tanta importância na opinião alheia, que deixamos de nos saber ouvir. Procuramos validação e aceitação nos outros, e quando não a recebemos sentimo-nos frustrados. O ponto é: por vezes, nem nós próprios nos conseguimos aceitar. E é aqui que entra o amor-próprio.

Importa aqui reconhecer que amor-próprio não é sinonimo de perfeição. Sermos capazes de nos amar implica reconhecer e aceitar que somos imperfeitos, que erramos, que temos dias de merda em que não queremos sair da cama; implica reconhecer e aceitar a importância desses momentos, sob um olhar de compaixão (o mesmo olhar que temos para com os outros). Ao mesmo tempo, o amor- próprio não existe sem um longo processo de autodescoberta, uma vez que precisamos de nos conhecer para conseguirmos definir os nossos gostos, crenças e limites.

Neste ponto do artigo, mais do que definir extensivamente o que é o amor-próprio, procura-se agora desmitificar algumas conceções erradas criadas sobre este:

O amor-próprio é egoísta: há quem acredite que amor-próprio é sinonimo de gostarmos de tudo em nós, mas antes, pelo contrário, é saber aceitar e respeitar as nossas diferenças. Implica reconhecer os nossos erros, identificar as nossas necessidades e desejos e não achar que todo o nosso valor enquanto pessoas é refletido apenas no que fazemos de errado. No final, o amor-próprio promove uma maior autoconfiança e permite que nos relacionemos de forma mais saudável com os outros.

O amor-próprio acaba com a nossa habilidade de estarmos lá para os outros: O processo de amor-próprio não é um ato egoísta, e não procura ignorar a importância dos relacionamentos afetivos para a construção do ser, mas sim complementar o amor e a validação externa que recebemos. Pretende-se que o valor de uma pessoa não dependa apenas dos outros, mas possa partir dela mesma.

Ter amor-próprio significa viver sempre feliz: Não. Esta conceção pode ser a mais prejudicial, forçando-nos a acreditar que, para estarmos bem com nós mesmos, temos de estar sempre felizes e não podemos ter mais inseguranças. A realidade não é essa. O amor-próprio não defende a perfeição e idealização do ser, mas sim a aceitação das nossas falhas; Amor-próprio significa estar bem com nós próprios, mesmo quando a situação não é das melhores.

Conclui-se, assim, que a filosofia do amor-próprio está relacionada mais com a consciência e aceitação das nossas imperfeições, do que com a capacidade de sermos independentes e autossuficientes. Neste sentido, o amor-próprio defende que o individuo deve ter um olhar de auto compaixão para com ele mesmo, que o permitirá observar de forma mais atenta e positiva as suas necessidades.