Flores, obra do escritor português Afonso Cruz, é um livro de muitas palavras, mas que no final nos diz muito pouco. A história, embora com um enredo interessante e personagens realistas, acaba por não nos levar a lado nenhum a não ser ao próprio mundo do leitor. A história do livro acaba por agir como ferramenta para quem o está a ler, de forma a poder refletir sobre alguns assuntos presentes em nós. Não é um livro que nos transporta para outro planeta, mas sim para o mundo real. Não é um livro que nos faça esquecer o presente, mas sim repensá-lo e senti-lo da forma mais crua. Assim, para leitores que procuram algo que os leve a uma outra dimensão e que pensa encontrar um enigma de outrem, engana-se, porque Afonso Cruz leva-o por conta de outrem a pensar no enigma do próprio.

Em Flores lê-se sobre sentimentos reais e difíceis de digerir. Ao longo de toda a narrativa são descritas sensações de que poucas vezes se fala. Uma das melhores habilidades do autor é a descrição desses tais sentimentos. Consegue ser uma escrita poética, mas muito dura e verdadeira de ler: “Agora [os beijos] sabem às vacinas que tínhamos de dar à cadela (já morreu), às conversas com o diretor da escola, à loiça por lavar, à lâmpada que falta mudar […]. Beijamo-nos como quem faz a cama.” (pág.25). É com esses pequenos apontamentos do ponto de vista de Kevin, a personagem principal, que Afonso Cruz nos leva a repensar na magia da vida.

O ponto central da obra é o tema da memória e como esta e a falta da mesma mudam a nossa perspetiva do mundo. De um lado temos Sr. Ulme, um homem que vive sem se lembrar de pedaços da sua vida, como por exemplo o primeiro beijo, os jogos de bola nas ruas da sua aldeia, e que por isso vive com base nas notícias que lê nos jornais; do outro lado temos Kevin, que embora se lembre de todos os momentos importantes da sua vida, como o primeiro beijo e as sensações do mesmo, agora sofre por não sentir a mesma excitação desses acontecimentos.

Para nos levar nesse lema de que “viver não tem nada a ver com isso que as pessoas fazem todos os dias, viver é precisamente o oposto, é aquilo que não fazemos todos os dias” (contra capa), o autor conta-nos a história de como um homem que acredita nalgumas superstições, como um chapéu pousado no lugar errado, decide ajudar o vizinho a recuperar as memórias perdidas.

Se por um lado a história parece ser simples no início, de forma confusa torna-se e chegas a ser desinteressante como acaba. Uma das coisas que para mim falhou mais neste livro foi o fator “história”. Começa interessante porque ficamos curiosos em saber o que realmente aconteceu na vida passada do Sr. Ulme, o vizinho, e também nas pequenas peripécias que vão acontecendo ao próprio narrador, o Kevin. Contudo, cada detalhe acrescentado à história, em vez de a tornar mais estimulante, torna-a sim mais baralhada. O que deixa um sentimento de que nada de valor está a ser acrescentado. Especialmente, porque o final é desmoralizador. Quem está à espera de um final fechado e com uma conclusão definida, engana-se. É um final bastante aberto e deixa muito a desejar.

Para além de uma narrativa que mistura muitos temas e que depois não chega a ir a fundo a nenhum, temos personagens um pouco unidimensionais e que não nos despertam empatia. Ficando assim difícil continuar a leitura, uma vez que não estamos a torcer por ninguém. Não retiro o mérito de que são personagens reais, mas não foi o suficiente para a narrativa me absorver.

Contudo, temos de tirar o chapéu a Afonso Cruz pela brilhante escrita. Não tem descrições em demasia, mas as que tem faz de uma forma muito bonita e que nos leva a refletir...“O calor era tanto, o suor escorria-me pelas costas abaixo, não, não era suor, era a língua da morte a lamber-me a coluna de cima para baixo (…). Sentia-lhe o hálito a flores, porque ela não fede como seria crível, tem o bafo das coroas de rosas e margaridas e gladíolos com que enfeitamos os caixões e mais tarde as campas.” (pág.15-16).

São estes aspetos que fazem a obra Flores despoletar no leitor sentimentos contraditórios. Esta consegue que o leitor sinta o mesmo que o narrador, todavia sem ter muito interesse pela história.

Numa análise superficial de Flores, é impossível não reconhecer o seu enorme talento e a forma tão bela como descreve sentimentos e emoções. Porém, o maior entrave é que, devido às personagens e ao enredo insípido, acaba por não impactar e acaba por cair num poço que podia ser tudo, mas que se resume a nada. Independentemente de o livro trazer uma premissa misteriosa e excitante, quem espera encontrar respostas para as questões propostas não deverá escolher Flores. Pois a introspeção é sobrejacente à importância do que realmente está escrito.