“Eu não tenho tempo”. “O tempo está passando muito rápido”. Essas são frases que, normalmente, ouvimos e talvez não nos demos conta de que sejam algo impossível.

A palavra da qual aqui tratamos vem do latim tempus, temporis e tem o significado de duração em instantes. Porém, seu caráter polissêmico pode exprimir uma condição atmosférica ou uma quantidade essencial, como ocorre na física ou, quem sabe, uma noção semântica que ordena os eventos na língua.

É, portanto, justamente sobre essa última acepção que vamos comentar. A noção de tempo está diretamente ligada ao presente (praesens, praesentis em latim). E essa definição, segundo Resende1 implica “aquilo que está ao alcance, que está à vista, imediato, iminente, instantâneo.”

E, como dizia o poeta Virgílio, tempus fugit, ou seja, o tempo foge, porque o ser humano não é senhor dele, mas nele está situado; porém, insanamente, o deseja controlar. Por isso o divide a partir de suas percepções sensoriais ao ver os astros no céu. E assim marca seus dias, semanas, meses, anos, desejando ao menos amenizar sua finitude nesse algo que lhe escapa, pois é eterno, assim como o próprio Deus.

Na língua, para tentar situar os tempos passados e futuros, há desinências chamadas modo-temporais, que são colocadas entre o tema e as desinências número-pessoais, deixando claro ao interlocutor a temporalidade do fato ou do estado.

Como exemplo, pode-se utilizar as seguintes frases:

a) Amamos doce de leite;

b) Amávamos doce de leite;

c) Amaremos doce de leite.

Na frase a, temos uma ação que se inicia em determinado tempo e que continua no momento da fala; portanto está no presente. Ela pode denotar também uma ação habitual. Como ensina Said Ali2,

A noção do presente, claro é, não se há de limitar ao instante fugaz em que se profere o verbo. Qualquer acontecimento, qualquer ato, por muito breve que seja, tem duração mais longa. Não haveria enunciado sem a cognição e, portanto, sem a preexistência do fato; e, por outra parte, terminando o enunciado verbal, para o qual bastou só um segundo, o fato nem por isso deixará de perdurar ainda algum tempo.

Na b, por sua vez, a ação de amar denota algo costumeiro em determinado tempo, mas que, por algum motivo, deixou de acontecer. O elemento que nos garante esse entendimento é justamente a desinência modo-temporal –va, pertencente ao tempo verbal pretérito imperfeito e ao modo indicativo.

A letra c, diferentemente, indica algo que ainda não aconteceu e que tampouco ainda acontece. A desinência –re nos aponta que a ação é, portanto, futura e, pelo menos se pretende, certa, pois seu modo é o indicativo.

Não só o verbo é um marcador de tempo. Os advérbios também possuem esse caráter, podendo indicá-lo tanto por meio de uma palavra, como hoje, amanhã, ontem, domingo como por meio de uma locução: no próximo mês, à noite, à tarde, ao meio-dia.

Tudo isso para poder controlar o tempo. Ainda assim, o homem não o consegue e uma prova disso está no uso gramatical da oração sem sujeito. Entre os casos mais comuns, quatro deles são relacionados a esse elemento incontrolável. Vejamos.

Haver indicando tempo decorrido

Nesse caso, o verbo não possui um sujeito agente, como se vê em frases como “Há dias ele não aparece aqui”, “Há dois anos a Argentina conquistou sua terceira Copa do Mundo”. Nesse caso, como indicar um agente? Quem controla essa passagem do tempo?

Fazer indicando tempo decorrido ou ação climática

Eis outra impossibilidade de se estabelecer um agente. “Faz calor estes dias”, “fez três anos que meu pai faleceu”. Perceba novamente a impossibilidade de o ser humano controlar o tempo, seja ele em sua acepção climática (calor, frio) ou mesmo duração de algo (anos, dias, meses, semanas).

Verbos que indicam fenômeno meteorológico

Ao se dizer que chove, neva, relampeja, é-se impossível determinar quem realiza a ação, ainda que, em línguas como o inglês, se possa utilizar um pronome como it para designar um “agente” (it rains, it snows, it flashes) ou mesmo que seria óbvio dizer a chuva chove, a neve neva, o relâmpago relampeja.

Em sua literalidade, esses verbos indicam uma ação que não necessita de intervenção humana, sendo, portanto, considerada a oração que os tem como sem sujeito.

O verbo ser indicando tempo ou distância

Eis outra impossibilidade de o ser humano intervir no tempo. Frases como “são 29 de setembro”, “é 1º de outubro” nos mostram que essa passagem acontece de forma independente. Em orações como “são três quilômetros de distância”, é-se possível modificar essa medida, porém tal marcação de distância ocorre em algum momento.

E, vale destacar, que, nos dois primeiros casos, os verbos fazer e haver são impessoais; ou seja, eles não variam, mantendo-se apenas na 3ª pessoa do singular; nos dois últimos, unipessoais, variando apenas no singular ou plural da 3ª pessoa – a qual indica apenas o assunto e não o falante sobre determinado assunto (no caso, a 1ª pessoa).

Note-se, portanto, que a gramática nos dá bons exemplos de como o ser humano é impotente em relação a alguns elementos, não podendo, portanto, se igualar ao Criador, que possui uma onisciência e uma onipotência que jamais serão conseguidas por sua criatura mais perfeita e amada.

Em tempos de tanta descrença como este em que vivemos e que se busca da vez mais uma resposta científica para tudo, é bom refletir sobre essa condição de impotência humana, principalmente neste período natalino, em que olhamos para trás e fazemos um balanço de nosso ano.

Queremos, ao olhar para o ano que se avizinha, apenas fazer um pequeno pedido ao tempo (como na música de João Daniel Ulhoa, gravada pela banda mineira Pato Fu e que dá nome a este texto):

Tempo amigo,
Seja legal
Conto contigo pela madrugada
Só me derrube no final.

Até a próxima.

Notas

1 Rezende, Antônio Martinez de. Dicionário de latim essencial; 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
2 Ali, Manuel Said. Gramática histórica da língua portuguesa. 5ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1984.