O nome Iahweh, ou a sua versão transliterada para o português, Jeová, tornou-se popular devido ao ativismo de certos grupos cristãos. No entanto, pouco se fala sobre a origem desta deidade tão importante nas religiões judaica e cristã. Neste artigo, iremos expor algumas evidências históricas que lançam luz sobre a sua origem.
Evidências bíblicas, históricas e arqueológicas
A figura de Yahweh, também conhecido como YHWH, Javé ou Iavé, ocupa um lugar central nas tradições religiosas judaica, cristã e islâmica. Reverenciado como o Deus supremo e único, Yahweh é associado ao monoteísmo e à fundação do judaísmo. No entanto, a origem de Yahweh é um tema complexo, envolvendo uma confluência de influências culturais, religiosas e históricas.
Uma das teorias mais aceitas entre os estudiosos é que Yahweh teve sua origem fora de Canaã, especificamente entre os povos midianitas e kenitas, situados ao sul de Canaã, na região do Sinai, Negev ou noroeste da Arábia.
É interessante que os próprios autores das Sagradas Escrituras não escondem essa origem, como pode ser visto em algumas passagens como Deuteronômio 33:2 e Juízes 5:4-5. Em Deuteronômio, por exemplo, está escrito: “Jeová — do Sinai ele veio, E brilhou sobre eles desde Seir. Resplandeceu em glória desde a região montanhosa de Parã, E com ele estavam santas miríades, À sua direita estavam os seus guerreiros.” Essas passagens bíblicas associam Yahweh com regiões ao sul de Canaã, como Seir e Paran. Esses textos sugerem que Yahweh veio dessas áreas, onde os midianitas e kenitas habitavam.
Embora as evidências arqueológicas diretas sejam escassas, a conexão com povos nômades e áreas desérticas apoia a ideia de que o culto a Yahweh poderia ter se desenvolvido entre tribos nômades antes de ser adotado pelos israelitas. Essa teoria é reforçada por relatos bíblicos que descrevem Moisés, um dos principais profetas de Yahweh, vivendo entre os midianitas.
Sincretismo com El, o Deus cananeu
No entanto, observando o texto bíblico, notamos referências vestigiais a outra deidade relevante naquelas regiões do Oriente Médio, o deus cananeu El.
El era o deus supremo do panteão cananeu, reconhecido como o pai dos deuses e dos homens. Há evidências consideráveis de que Yahweh foi sincretizado com El à medida que a religião israelita se desenvolvia.
El é frequentemente descrito em textos ugaríticos como o "Pai dos Anos" e o "Criador das Criaturas". Ele ocupava uma posição de grande autoridade e respeito na religião cananeia. Os vestígios do sincretismo podem ser vistos em passagens como Gênesis 14:18-22, que fala sobre Melquisedeque, rei de Salém (Jerusalém), sacerdote de "El Elyon", que abençoa Abraão em nome de "El Elyon, criador do céu e da terra". Abraão responde com uma bênção a "Yahweh, El Elyon". Já em Êxodo 6:2-3, Yahweh fala a Moisés e diz que apareceu a Abraão, Isaque e Jacó como "El Shaddai", mas que pelo nome Yahweh, Ele não lhes foi conhecido. Isso sugere uma evolução no entendimento e na revelação de Deus.
Por sua vez, inscrições como aquelas encontradas em Kuntillet Ajrud e Khirbet el-Qom mencionam "Yahweh de Samaria e sua Asherah". Asherah era uma deusa cananeia, consorte de El, indicando que Yahweh poderia ter absorvido aspectos de El, incluindo sua consorte.
Tais evidências parecem indicar que Iahweh é uma deidade estrangeira, incorporada ao panteão cananeu após a fusão com a sua principal deidade, no caso, El. Alguns defensores dessa visão, como o professor de Teologia Osvaldo Luis Ribeiro, levantam a hipótese de que as tribos do sul haveriam vencido a guerra contra as tribos do norte e realizado o sincretismo como forma de dominação cultural. Para facilitar a junção dessas duas culturas distintas, criaram até mesmo um parentesco entre os patriarcas Abraão, das tribos do sul, e Israel, das tribos do norte. Uma curiosidade é o próprio nome do patriarca das tribos do norte.
O nome "Israel" é uma referência clara a El. Traduzido como "aquele que luta com El" ou "El luta", o nome reflete a conexão direta com a divindade El. Por sua vez, o nome do filho de Israel, Judá (Yehuda), aponta a conexão com Iahweh. Yehudah é formado pelo prefixo "Yeh", que consiste em uma forma contraída de "Yahweh," refletindo o uso comum de elementos do nome divino em nomes próprios hebraicos, e pelo sufixo "udah", que deriva da raiz "y-d-h," significando "louvar" ou "agradecer." Ou seja, Judá significaria “louvar a Já (Yahweh).”
Hipótese endógena
Todavia, alguns estudiosos defendem que Yahweh se desenvolveu endogenamente dentro da cultura israelita, sem ser importado de outras culturas. De acordo com essa teoria, à medida que os israelitas desenvolveram sua identidade nacional, também desenvolveram uma teologia monoteísta centrada em Yahweh, diferenciando-se das práticas religiosas cananeias. Esta transição pode ter sido influenciada por uma necessidade de coesão social e identidade única. Inscrições e textos da época indicam uma evolução gradual no culto a Yahweh, com um movimento de uma visão politeísta para um monoteísmo estrito. Isso é evidenciado por uma crescente rejeição de outras deidades e a centralização do culto a Yahweh.
Portanto, podemos ver que a origem de Yahweh é um tópico multifacetado que envolve influências de várias culturas e religiões antigas. Desde as possíveis raízes entre os midianitas e kenitas, passando pelo sincretismo com El, até o desenvolvimento endógeno dentro da cultura israelita, a figura de Yahweh evoluiu significativamente ao longo do tempo. Esta evolução reflete não apenas uma adaptação religiosa, mas também um processo de construção de identidade e coesão social entre os israelitas. O estudo da origem de Yahweh não apenas ilumina a história das religiões monoteístas, mas também oferece insights sobre como as tradições religiosas podem se transformar e se adaptar em resposta a contextos históricos e culturais em mudança.