Eu não vejo mais noticiários. Nem na televisão, nem em jornais impressos. Lembro exatamente do momento em que rompi com este hábito: foi há uns 4 anos, quando assistia a chamada para o mais famoso noticiário do Brasil na televisão.

Frases ameaçadoras proferidas em tom de terror sob um fundo musical sensacionalista e assombroso eram o preâmbulo das catástrofes que se seguiriam. Nesta hora, percebi que meu coração batia mais forte e uma angústia percorria meu organismo.

Assistir isso antes de dormir estava sendo pedir para ficar fritando na cama, remoendo ansiedades e preocupações. Afinal, sem paz não há sono.

Pois bem, aquele dia foi a gota d’água, a overdose. Resolvi na hora que iria para o outro extremo. Abandonei os noticiários e passei a ver apenas um e-mail diário com as manchetes dos principais jornais. Mais foco nos fatos e menos nas análises e interpretações. Foi a forma que encontrei de não ficar alienado nem atormentado.

A metralhadora de notícias ruins estava me destruindo aos poucos. Informação tóxica só intoxica. Conscientizei-me de que o noticiário traz à tona o pior do ser humano: violência, crimes, corrupção, mortes e irresponsabilidades. Tomar uma dose disso todos os dias é como serrar as pernas do otimismo, dar um tiro certeiro na alegria e demolir a esperança na humanidade.

Certa vez vi uma charge publicada em um jornal inglês que mostrava duas bancas de jornal. A primeira com o título Más Notícias, apresentava uma fila a perder de vista e um atarefado rapaz se desdobrando para atender à multidão. Ao lado, a outra banca de jornal com a indicação Boas Notícias, tinha apenas um desolado e ocioso jornaleiro diante de uma imensa pilha intacta de exemplares, sem nenhum cliente. O fino humor inglês, carregado de verdade. Parece mesmo que o noticiário, não só por aqui, mas no mundo inteiro, nos dá o que queremos. Só não sei por que queremos isso… fico intrigado por sermos assim.

Fui fazer minha caminhada diária com estes pensamentos em mente e aos poucos me ocorreram lembranças de alguns casos que passo a compartilhar com o leitor para tentar fazer peso no outro prato da balança.

Conheci uma mulher, amiga da minha família, que morava sozinha. Em seu trajeto para o trabalho, passava por um morador de rua que tinha um local fixo num pequeno recuo da calçada. A cena a comovia.

Um belo dia resolveu parar e além de dar uma ajuda em dinheiro, abaixou-se na calçada, perguntou seu nome, apresentou-se e entabulou uma conversa com o tal senhor. Ela mostrou interesse por sua vida e quis saber como tinha chegado àquela situação. Ou seja, fez o que quase nenhum de nós faz…

A partir deste dia, quando passava pelo local, trocavam cumprimentos e dois dedos de prosa. Na despedida, ela oferecia ao pobre homem um leve sorriso, provavelmente o único de seu dia, um bálsamo para tanto sofrimento.

Até que num dia chuvoso, o viu enrolado em cobertas, rosto virado para a parede e sem se mexer. Parou. Descobriu que ele estava adoentado, enfrentando uma febre alta. Não pestanejou: levou-o para sua casa.

Instalou o senhor em um quarto que estava vazio e cuidou dele por quatro dias, até que ficou bom e voltou à sua vida. Conheço poucas pessoas que fariam isso. Ela se chamava Auxiliadora — nunca vi um nome próprio tão próprio.

Convivi com um médico que após muitos anos de casado, sem filhos, acolheu em seu apartamento a sogra que havia sofrido um derrame e ficado com sequelas que a mantinham semiconsciente na cama. Pois bem, comprou uma cama hospitalar e instalou-a com o máximo de conforto, contratou uma enfermeira para cuidar dela durante o dia e ele mesmo a atendia em ocorrências noturnas. Estes cuidados e as profundas alterações na vida do casal duraram 9 longos anos. Nunca o ouvi queixar-se da situação.

Minha esposa conhece uma mulher que perdeu o marido com pouca idade, na faixa dos 40 anos. Uma tragédia. Ele era filho único e deixou a esposa sozinha e a mãe verdadeiramente desesperada. Em consequência, aquela mãe passou a ter muitos problemas de saúde. Pois bem, a mulher assumiu todos os cuidados de casa, medicações e alimentação e, por quase 20 anos, cuidou da sogra que não era mais sogra.

Termino com um caso que até hoje me impressiona e emociona. Ocorreu em uma pequena cidade do Mato Grosso. A mulher foi deixada pelo marido, que a trocou por uma jovem e permaneceram morando na mesma cidade. Ele era dentista e tinha uma boa situação, mas deu pouco apoio à família. A mulher criou um casal de filhos e mais o bebê que carregava na barriga por ocasião da separação, praticamente sozinha e com muitas dificuldades.

Uns 15 anos depois, ele teve uma doença nos olhos e acabou por perder a visão, inviabilizando o exercício da profissão e deixando-o em grave crise financeira. Diante disso, a tal jovem o abandonou.

Acredite o prezado leitor, a ex-mulher condoída com o que ele estava passando, foi fazer-lhe uma visita e ver no que poderia ajudar. Nunca reataram o casamento, mas ela passou a vê-lo diariamente, levar alimentos e ajudar nos cuidados pessoais. Em pouco tempo, resolveu levá-lo para sua própria casa e tratou dele com carinho pelo resto da vida. Como tem gente fina em Mato Grosso.

A bondade tem que existir e prevalecer, senão a vida não valeria a pena. Mas parece que ficamos por aí, nos distraindo com coisas ruins.