O reconhecimento do folclore como saber científico perpassa pelo lugar das incertezas. O folclore por sua vez tachado de estático absorveu no nosso país, Brasil, um significado pejorativo de tudo que é atrasado. Na verdade, precisamos compreender esse lugar que o folclore ou cultura popular ocupa nas políticas culturais e na boca das pessoas. Graças a alguns intelectuais conseguimos trazer este tema e objeto de estudo para academia. Devemos salientar que a construção social do Brasil, foi, por diversas vezes pautada em nome do folclore a partir de nossos costumes que forma e formou nossa identidade. Na busca para compreensão do folclore encontramos um espaço que, por vezes, não contamos como saber científico. Primeiro porque folclore remete a amadores, aos exóticos, ao que não é comum, e também por ser anacrônico. Estamos acostumados a evidenciar as manifestações populares por algo sem valor, que enfeitam as festas, que é uma brincadeira, ou mesmo para alguns desavisados, o folclore é uma “besteira”.
Há de se considerar que, há um estudo preparatório das coisas que são ditas antes, os prolegômenos, ou seja, os acontecimentos que precedem algo, no folclore esses acontecimentos são as nossas principais referências, por isso, necessitamos reconhecer que como diz Rossini Tavares de Lima, que formulou a cultura espontânea resultado de intensa vivência para produzir a cidadania cultural na construção social do imaginário local. Assim, Eugenio d’Ors afirma que “a santa continuidade” é a grande marca existente na cultura e por sua vez no folclore. “O folclore é a continuidade, La santa continuidade não impede de estimular a variedade das culturas populares, que sem ele, pintariam de cinzenta monotonia unicolor toda paisagem intelectual do mundo”. (1997, p.14) Para tanto, compreender o folclore como ciência não é uma tarefa fácil. A dinâmica nas culturas é tão espetacular e fantástica como o nosso imaginário é, que confundimos cotidiano com imaginação a partir do que se relata, ou seja, das narrativas. Há de se considerar que as características que transfiguram o folclore como diletantes, anacrônica e exótica, não são pauta para a ciência, mas, precisamos compreender que a partir do momento que o conhecimento da cultura foi institucionalizado, o passado, o presente e o futuro, tornam-se objetos de estudo, bem como a excentricidade das manifestações populares com sua espontaneidade resultou na busca de respostas para maneiras de sobrevivência e modos de vida. Digamos que no folclore, o que move e gera continuidade é o que salva e o que ao mesmo tempo não é compreendido pelos que não atribuem às teorias do imaginário e do cotidiano nas culturas populares. É complexo compreender a ciência do folclore. E, por isso, que a ciência do folclore pernambucano, perpassa por várias dimensões. Três dispositivos são necessários para investigação da ciência do folclore pernambucano. Primeiro devemos considerar a compreensão do imaginário. Lugar privilegiado da criação e da criatividade. Primeiro a compreensão de imaginário, um lugar mágico da criação e da criatividade. “O imaginário revela-se muito especialmente como um lugar de “entre saberes” (Durand, 1996, p. 215- 227), senão mesmo como o lugar do espelho (Lima de Freitas), um Museu (palavra que Durand muito aprecia), que designa o conjunto de todas as imagens possíveis produzidas pelo animal simbólico (Ernst Cassirer) que é o homem.”1 O sagrado lugar do imaginário é o motor para que a dinâmica do folclore seja impulsionada. Ele faz o elo entre o céu e a terra. Utilizemos para uma melhor compreensão, a metáfora do fio terra, a imaginação seria uma corrente que tenta se distanciar da realidade sem perder de vista o cotidiano. Nele, no imaginário como diz Gilbert Durand, há a negação do nada, do tempo e da morte. Há de se considerar, que a dinâmica do folclore perpassa pelo nada, pela morte e pelo tempo. Do simbólico o folclore se alimenta, por sua vez, o simbólico se nutre da riqueza do imaginário. “É por ela [pela imaginação] que passa a doação do sentido e que funciona o processo de simbolização, é por ela que o pensamento do homem se desaliena dos objectos que a divertem, como os sonhos e os delírios que a pervertem e a engolem nos desejos tomados por realidade (Durand, 1984a, p. 37, 1979b).”2 Pois bem, numa forma de suspender o tempo o imaginário indica uma situação plural de conexão inventiva com a realidade onde inclui a dramatização para suporte de suas evidências. Ou seja, há assédio diurno e noturno que fazem pulsar os sonhos, os devaneios e as narrativas. Quanto mais existir assédio para fabricação do imaginário, mais riqueza imaterial encontrará, como fonte inesgotável de transmissão. A imaginação não tem lado, e tudo que não tem lado, por vezes não costumamos aceitar. A imaginação quebra o dualismo, e abre espaço para transfiguração infinita do mundo, assim como o universo e como as estrelas. A imaginação pulveriza as narrativas com pitadas eufêmicas.
Talvez, por ser incompreendida, a imaginação foi designada como a enganadora do homem, mas, a imaginação não engana, potencializa a riqueza da alma do ser humano. A segunda natureza do homem, segundo Pascal, a imaginação hoje em dia se identifica com a razão. Quando alguém diz, mais alma, menos razão é porque a pessoa ainda não deu conta da realidade atual, hoje seria assim, mais alma com razão. Você concorda? Gaston Bachelard afirma que “A imaginação inventa mais do que coisas e dramas, ela inventa a vida nova, inventa o espírito novo, abre olhos que possuem tipos novos de visão. (Bachelard, 1989:18)”.3
Há na imaginação uma chama, uma potência fenomenológica que refaz o cotidiano e a vida. Tudo que movimenta é importante para compreensão da ciência do folclore pernambucano. Aqui em Pernambuco existe uma diversidade nas manifestações populares e cada uma delas possuem uma identidade local de dimensão global. Das excêntricas Caiporas do município de Pesqueira em Pernambuco, dos Caretas na cidade de Triunfo, até os caboclinhos de Goiana, não faltam imaginação, espontaneidade e afeto. Para tanto, a segunda reflexão está no cotidiano, ao mesmo tempo em que é ritualístico no encontro do dia com a noite, é nele que tudo acontece. O cotidiano estabelece dispositivos que asseguram o uso das formas simbólicas, ou seja, é no cotidiano que as vivências espontâneas da cultura são enaltecidas. Então, rituais, loas, danças, expressões, cantos, rezas, mitos, lendas, comidas são expostas no autêntico cotidiano das culturas populares. Encabeçando o chamado patrimônio imaterial. Sem pressa e sem descanso funciona o cotidiano nas culturas populares. Mesmo que no começo dos estudos do folclore, quando se criou as agências estatais de Folclore, foi apresentado uma relação romântica ao objeto de estudo, segundo Vilhena. A etnografia se tornou metodologia mais utilizada antes do wi-fi tomar fôlego, daí foi realizado várias coletas, confrontos e pesquisas de origem. Cabe ressaltar que precisou de fontes retiradas no cotidiano das manifestações populares para compor o universo visível e invisível dos acontecimentos. Também, devemos considerar que é no cotidiano que a comunicação acontece, Michel Maffesoli afirma que a comunicação é o cimento social, então é no cotidiano as narrativas ganham vida. Tudo isso ocorre porque como diz Martin Heiddeger, a uma vibração quando compreendemos os acontecimentos. “Heidegger concebeu uma bela fórmula para sintetizar tudo isso: “Compreender é vibrar”.4 Precisamos das teorias do cotidiano para entendermos os acontecimentos efêmeros nas culturas populares bem como, os rituais, o sagrado, as singularidades, as convivialidades, e as formas de expressões de uma sociedade. As relações de empatia são decisivas na estruturação do tecido social. Essa vibração — real, presencial, fantasiosa ou virtual — ultrapassa qualquer conteúdo, pois, antes de tudo, é forma.”5 Procuramos, então, encontrar nas narrativas as nuances do imaginário de cada local. Outra questão interessante é o afeto. As culturas populares depositam afeto em tudo que fazem, confundem trabalho com vida, ou melhor, fazem do trabalho a sua vida.
O outro ponto relevante é a comunicação. Por sua vez, as culturas populares privilegiam formas de comunicação para o seu dia a dia. São sinais e palavras que fazem parte do cotidiano nas culturas populares. O cotidiano existe pelo imaginário e pela comunicação.
Bem assim é a ciência do folclore pernambucano que traz um museu a céu aberto enfeitado por símbolos, tradições, espontaneidade e singularidades de um cotidiano enaltecido pelo imaginário e pela história. Talvez por Pernambuco exercer várias nuances climática, carrega em seu matulão de significados uma vivência genuína de mugangas, a ciência do folclore pernambucano esteja na pele das culturas populares que exalam em seu cotidiano a fragrância dos afetos entre os mistérios do sagrado com as deleites do profano. Salienta , “‘Rossini Tavares de Lima ( 1915 – 1987) formulou a teoria da cultura espontânea, resultado de intensa vivência’ [...] ao lado do povo cantante, dançante, contador de causos, supersticioso e profundamente religioso e temente a Deus e a forças adversas, imaginárias na maioria das vezes” segundo ele próprio contou pouco antes de falecer, em 1987.6 (REIS, 2017 p. 19)7
Os curiosos intelectuais Silvio Romero e Celso de Magalhães são considerados os pioneiros em estudos sobre folclore no Brasil. Em Pernambuco, temos Alfredo de Carvalho, Claribalte Passos, Gonçalves Fernandes, Luís Cristóvão dos Santos, Olímpio Bonald Neto, Zé Dantas, Pereira da Costa, Roberto Benjamim, e o meu tutor, Mário Souto Maior. Mas, encontramos atualmente o novo folclorismo. Novas manifestações que aumentam ainda mais a diversidade cultural em Pernambuco. Por isso, o Instituto Me Disseram – IMDI, revela a tradição pelo Folclore virtual. Os memes, o Recife ordinário do Instagram refuncionalizam as culturas populares.
Por tudo isso, a ciência do folclore Pernambucano está no imaginário e nas vivências espontânea das culturas populares. Digamos que cabem aos curiosos e estudiosos observar o novo folclorismo, novos objetos de estudo que tragam saberes e sabores ao mundo acadêmico.
Referências
1 Artigo de intitulado Gilbert Durand e a pedagogia do imaginário de Alberto Filipe Araújo da Universidade do Minho e Maria Cecília Sanchez Teixeira da USP (Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 44, n. 4, p. 7-13, out./dez. 2009).
2 Ibdm.
3 Gaston Bachelard: a imaginação na ciência, na poética e na sociologia livro de Por Rita de Cássia Souza Paiva , p. 23. Consultar.
4 Maffesoli, Michel. A comunicação sem fim (teoria pós-moderna da comunicação), Revista FAMECOS, Porto Alegre, nº 20, abril 2003, quadrimestral.
5 Ibdem.
6 Conforme consta na orelha da 2º edição de A Ciência do Folclore – Rossini Tavares de Lima, de 2003, editado pela Martins Fontes, sendo da Editora Ricordi a 1º edição de 1978, ambas em São Paulo.
7 Dissertação de Mestrado de Cláudia Vedramini Reis – Um museu está desaparecendo em São Paulo : a trajetória do Museu de Folclore Rossini Taveres de Lima – USP – 2017).