Novos tratamentos para hemofilia e doença falciforme (DF) baseados em terapia gênica foram aprovados pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (Food and Drug Administration, FDA)1-2. São doenças hereditárias causadas por genes ausentes ou defeituosos que codificam proteínas essenciais para a saúde das células vermelhas do sangue. Essas células precisam conter hemoglobina para transportar oxigênio por todo o corpo e formar coágulos sanguíneos quando ocorre um sangramento. A hemofilia faz com que o sangue não coagule. Isso pode levar a um sangramento descontrolado e à morte. A DF ocorre quando é produzida uma forma prejudicial de hemoglobina. Os glóbulos vermelhos se tornam duros e pegajosos e se parecem com uma ferramenta agrícola em forma de C chamada foice. No passado, era difícil tratar ou controlar a hemofilia e a DF.
Existem três tipos de hemofilia3. A mais comum é a hemofilia A, também chamada de deficiência de fator VIII (8) ou hemofilia clássica. É um distúrbio genético causado pela falta ou defeito do fator de coagulação chamado VIII (FVIII), uma proteína de coagulação. Embora seja transmitida de pais para filhos, cerca de 1/3 dos casos encontrados não têm histórico familiar anterior. A hemofilia B e C é causada por uma deficiência do fator de coagulação do sangue IX (9) e XI (11), respectivamente.
A doença falciforme (DF) é um grupo de distúrbios hereditários das células vermelhas do sangue. Na DF, os glóbulos vermelhos se tornam duros e pegajosos e se parecem com uma ferramenta agrícola em forma de C chamada de "foice". Ainda assim, as pessoas com DF podem ter uma vida plena e desfrutar da maioria das atividades que as outras pessoas fazem. Em pacientes com a DF e a beta-talassemia, a hemoglobina adulta é defeituosa. A DF é uma condição genética que está presente no nascimento. Ela é herdada quando a criança recebe dois genes - um de cada um dos pais - que codificam a hemoglobina anormal.
Ou seja, os coágulos sanguíneos são formados em um processo que requer várias proteínas chamadas fatores. Elas trabalham juntas para interromper o sangramento. O fator I (1) também é chamado de fibrinogênio. Ele é convertido em uma proteína adesiva ou pegajosa chamada fibrina. A fibrina se liga aos glóbulos vermelhos e às plaquetas para formar um coágulo de fibrina. Há três vias bioquímicas envolvidas na formação de coágulos sanguíneos. São as vias intrínseca, extrínseca e comum". Essas vias dentro do sangue se ligam (ativam) umas às outras para interromper o sangramento.
A fibrina está na via comum. Há também o fator II (2), que também é chamado de protrombina. Quando ativado, ele se transforma em trombina, que posteriormente ajuda o fibrinogênio a se tornar fibrina. Em seguida, há o fator tecidual 3 (III). Ele funciona como um interruptor que inicia a coagulação do sangue quando o sangramento começa. Ele está localizado fora do sangue, nos tecidos do corpo, e inicia a coagulação quando há danos. Ele inicia a via extrínseca. Em seguida, o fator 5 (V) se junta ao fator 10 (X) na via comum para transformar a protrombina em trombina. Além disso, o fator 7 (VII) se une a um fator tecidual para iniciar o processo de coagulação na via extrínseca. Há ainda o fator 8 (VIII). É um auxiliar. Ele se liga ao fator IX (9). Sem o fator 8 (VIII), o fator 9 (IX) não pode fazer bem o seu trabalho. Quando o fator VIII (8) e o fator IX (9) se unem, eles podem ativar o fator 10 (X). O fator VIII (8) está na via intrínseca. O fator 9 (IX) trabalha com o fator 8 (VIII) para ativar o fator X (10). Sem ele, a coagulação não pode ocorrer. O fator 9 (IX) está na via intrínseca. O fator X (10) é o fator de ativação que inicia a via comum. Uma vez ativado, o fator X (10) ajuda a transformar o fator 2 (II) (protrombina) em trombina. O fator 11 (XI) inicia a via intrínseca. Quando ativado, ele ajuda a ativar o fator 9 (IX). Depois que o coágulo de fibrina é formado, o fator 13 (XIII) garante que ele seja forte e não se desfaça. Ele está na via comum. Por fim, o fator de von Willebrand (vWF) protege o fator 8 (VIII) à medida que ele se move em direção ao fator 9 (IX).
Quando a via comum é iniciada, seja pela via extrínseca ou pela via intrínseca, a trombina transforma o fibrinogênio em fibrina. Isso ajuda a formar um coágulo forte. Em seguida, o fator 13 (XIII) é ativado e ajuda a formar uma estrutura semelhante a uma rede para manter o coágulo sanguíneo em seu lugar.
De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, a hemofilia ocorre em aproximadamente 1 em cada 5.617 nascidos vivos do sexo masculino. Há entre 30.000 e 33.000 homens com hemofilia nos Estados Unidos. Mais da metade das pessoas diagnosticadas com hemofilia A têm a forma grave. A hemofilia A é quatro vezes mais comum que a hemofilia B. A hemofilia afeta todos os grupos étnicos. É um distúrbio ligado ao sexo. Os cromossomos sexuais X e Y ajudam a determinar os padrões de herança da hemofilia. O gene da hemofilia é carregado no cromossomo X. É herdado de forma recessiva ligada ao X. As mulheres herdam dois cromossomos X, um da mãe e outro do pai (XX).
Os homens herdam um cromossomo X da mãe e um cromossomo Y do pai (XY). Isso significa que se um filho herdar um cromossomo X portador de hemofilia de sua mãe, ele terá hemofilia. Isso também significa que os pais não podem transmitir a hemofilia a seus filhos. Ainda assim, as filhas têm dois cromossomos X. Mesmo que herdem o gene da hemofilia da mãe, muito provavelmente herdarão um cromossomo X saudável do pai e não terão hemofilia. Uma filha que herda um cromossomo X que contém o gene da hemofilia é chamada de portadora. Ela pode passar o gene para seus filhos, mesmo que não tenha a doença em si. Entretanto, muitas mulheres portadoras do gene da hemofilia têm uma deficiência de fatores de coagulação. Isso pode resultar em sangramento menstrual intenso, hematomas fáceis e sangramento nas articulações. Algumas mulheres portadoras do gene da hemofilia têm expressão de fatores baixa o suficiente para serem diagnosticadas com hemofilia. A empresa de biotecnologia CSL Behring produz o tratamento de terapia gênica para hemofilia B chamado Hemgenix® (etranacogene dezaparvovec) 4. Ele usa um vetor de vírus adeno-associado (AAV) para fornecer o gene adequado. Os adenovírus têm sido usados há décadas para produzir uma variedade de vacinas seguras e eficazes, incluindo algumas para a Covid-19 5. Em um estudo clínico de fase III chamado HOPE-B, o Hemgenix® foi administrado a pacientes com hemofilia B grave ou moderadamente grave, com ou sem anticorpos neutralizantes de AAV5 pré-existentes 6. A taxa média anualizada de sangramento para todos os sangramentos foi reduzida em 64% durante os meses 7 a 36 do estudo. Além disso, 94% (51 de 54) dos pacientes puderam renunciar à terapia profilática contínua. Não houve eventos adversos graves relacionados ao tratamento. Em geral, a terapia foi bem tolerada, com a maioria (76%) dos eventos adversos emergentes do tratamento considerados leves. Além disso, 95% dos eventos adversos emergentes do tratamento ocorreram antes de seis meses após o tratamento. Esses resultados indicam que um tratamento único com Hemgenix® pode produzir concentrações elevadas e sustentadas de fator IX e reduzir a taxa de sangramentos anuais por anos em pessoas que vivem com hemofilia B.
Nesse meio tempo, a FDA aprovou duas terapias genéticas baseadas em células para a DF 7. A DF é um grupo de doenças sanguíneas hereditárias associadas a uma anormalidade na proteína hemoglobina, que normalmente ajuda a transportar oxigênio pelo corpo por meio dos glóbulos vermelhos. Isso faz com que os glóbulos vermelhos, normalmente em forma de disco e flexíveis o suficiente para se deslocarem suavemente pelo corpo, se tornem rígidos e deformados, parecendo um "C" ou uma foice. Os sintomas resultantes incluem anemia, inchaço das extremidades (mãos e pés), infecções frequentes, problemas de visão, derrame e dores muito fortes no peito, no abdômen e nas articulações. Outro impacto importante sobre os pacientes é a dor intensa e os danos aos órgãos, chamados de eventos vaso-oclusivos ou crises vaso-oclusivas - o acúmulo desses eventos pode resultar em deficiências físicas e até mesmo na morte. A maioria dos casos de DF nos EUA é encontrada em pessoas de ascendência africana ou que se identificam como negras.
Em 8 de dezembro de 2023, a FDA aprovou o Casgevy™ (Vertex Pharmaceuticals Inc.) e o Lyfgenia™ (Bluebird Bio Inc.). Ambas são terapias genéticas inovadoras baseadas em células. Elas são produzidas usando as células-tronco do sangue dos próprios pacientes, que são removidas e geneticamente modificadas e, em seguida, transplantadas de volta como uma infusão única de dose única. O CasgevyTM é indicado para o tratamento de pacientes com SCD com 12 anos de idade ou mais e VOCs recorrentes. É a primeira terapia aprovada pela FDA que desenvolveu a tecnologia de edição de genoma conhecida como CRISPR/Cas9. Essa tecnologia foi descrita anteriormente nesta revista 8-9.
Casgevy™ é a primeira terapia baseada em CRISPR aprovada no mundo. Também é conhecida como Exa-cel. Ela recebeu sua primeira aprovação regulatória em 16 de novembro de 2023 da Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido (MHRA) para tratar dois distúrbios sanguíneos debilitantes: doença falciforme e beta-talassemia dependente de transfusão. Esses são distúrbios genéticos que duram a vida toda e são causados por mutações nos genes que codificam a hemoglobina. A beta-talassemia afeta cerca de 1 em cada 100.000 pessoas em todo o mundo. Ela afeta desproporcionalmente pessoas de ascendência mediterrânea, asiática, africana e do Oriente Médio. Os pacientes com beta-talassemia não produzem hemoglobina suficiente, o que pode levar a uma anemia grave, enquanto a anemia falciforme decorre da falta de glóbulos vermelhos saudáveis.
O CasgevyTM tem como alvo o gene BCL11A, que codifica uma proteína que normalmente regula a mudança da versão fetal da hemoglobina para a versão adulta logo após o nascimento. Entretanto, em pacientes com DF e beta-talassemia, a hemoglobina adulta é defeituosa. O CasgevyTM desativa o BCL11A. Isso permite que o corpo continue produzindo hemoglobina fetal. As células-tronco que produzem outras células sanguíneas são retiradas da medula óssea do paciente. O gene BCL11A é editado em laboratório. As células recém-modificadas com hemoglobina funcional são então infundidas de volta no corpo do paciente. Antes da infusão, o paciente deve tomar um medicamento quimioterápico chamado busulfan para eliminar as células não editadas que ainda estão na medula óssea. Esse processo de adaptação às novas células editadas é demorado. É necessário pelo menos um mês em um hospital para que as células tratadas se instalem na medula óssea e comecem a produzir glóbulos vermelhos que contenham a forma estável da hemoglobina fetal. Em dois estudos clínicos, o CasgevyTM restaurou a produção de hemoglobina na maioria dos pacientes com DF e beta-talassemia e aliviou seus sintomas. Vinte e oito dos 29 pacientes com DF não sentiram nenhuma dor grave por pelo menos um ano após o tratamento. Da mesma forma, 39 dos 42 pacientes com beta-talassemia não precisaram de transfusões de glóbulos vermelhos durante o mesmo período pós-tratamento. Os três pacientes restantes tiveram mais de 70% menos probabilidade de precisar de uma transfusão. Esses dois estudos estão em andamento e a segurança a longo prazo do Casgevy continua a ser monitorada pelos órgãos reguladores, como a MHRA e a FDA, e pelos fabricantes da terapia, a Vertex Pharmaceuticals e a CRISPR Therapeutics. Além disso, o tratamento está sendo analisado pela Agência Europeia de Medicamentos da União Europeia e pela Autoridade Saudita de Alimentos e Medicamentos.
O Lyfgenia foi aprovado para o tratamento de pacientes com 12 anos de idade ou mais com DF e histórico de eventos vaso-oclusivos. Ele usa um vetor lentiviral para fornecer o material genético modificado.
Portanto, após décadas de trabalho e muitos resultados decepcionantes no tratamento de outras doenças, a terapia gênica está se tornando segura e eficaz. Cientistas, médicos e empresas estão trabalhando com fundações sem fins lucrativos, como a National Bleeding Disorders Foundation (NBDF), para desenvolver novas terapias para tratar doenças genetic.
Bibliografia
1 United States Food and Drug Administration. FDA Approves First Gene Therapy to Treat Adults with Hemophilia B. 22 November, 2022. FDA Approves First Gene Therapy to Treat Adults with Hemophilia B | FDA.
2 United States Food and Drug Administration. FDA Approves First Gene Therapies to Treat Patients with Sickle Cell Disease. 8 Dezember, 2023. FDA Approves First Gene Therapies to Treat Patients with Sickle Cell Disease | FDA.
3 United States Centers for Disease Control. What is Sickle Cell Disease? 6 Juli, 2023. What is Sickle Cell Disease? | CDC.
4 Universitätsklinikum Düsseldorf. Sichelzellkrankung. 17 Dezember, 2023. Sichelzellerkrankung ǀ UKD.
5 CSL Behring website. Dec. 2023. Global Biotechnology Company | CSL.
6 Smith, R.E. Tests, vaccines and treatments for COVID-19. Progress report. Meer, June 24, 2020. Tests, vaccines and treatments for COVID-19 | Meer.
7 National Bleeding Disorders Foundation. CSL Presents Three Year Treatment Data for Hemophilia B Gene Therapy. 12 Dec., 2023. New Hemophilia Gene Therapy Trial Data Presented at ASH | NBDF.
8 National Bleeding Disorders Foundation. FDA Approves Pair of Cell-Based Gene Therapies for Sickle Cell Disease. 12 Dec., 2023. New Therapies a Breakthrough for Sickle Cell Treatment | NBDF.
9 Smith, R.E. Using CRISPR gene editing to create new foods. An important part of the fourth Industrial Revolution. Meer, 24 Mai, 2019. Using CRISPR Gene Editing to Create New Foods | Meer.
10 Smith, R.E. Digitale Technologien und synthetische Biologie als Reaktion auf COVID-19 und zukünftige Pandemien. Machine Learning (ML), Künstliche Intelligenz (KI), Internet der Dinge (IoT), Blockchain und CRISPR. Meer, 2 April, 2021. Digitale Technologien als Reaktion auf Covid-19 | Meer.
11 National Bleeding Disorders Foundation. 17 Dezember, 2023. National Bleeding Disorders Foundation, formerly NHF | NBDF.