Se for feita menção aos principais biomas da Terra, qualquer pessoa tem uma imagem bem clara e definida. Quando se pensa na Tundra ártica, remete-se automaticamente ao solo coberto de gelo, com renas migrando longas distâncias e alimentando-se de líquens que sobrevivem no frio, muitas vezes lutando por fêmeas e cavando o solo para retirar o gelo. Por outro lado, ao imaginar a Floresta Amazônica, o que aparece é uma densa vegetação, com o solo coberto de plantas, árvores cobrindo o sol, barulho de pássaros e macacos e muito calor.
Do mesmo modo, ao pensar na região do Saara, a figura evocada é a de um gigantesco deserto extremamente inóspito, coberto por dunas de areia sem água por vários e vários quilômetros, capaz de derrotar qualquer um que ousar enfrentar o ambiente. De fato, o Saara é um deserto hostil ao ser humano, que teve grande impacto no desenvolvimento humano, moldando a civilização de modos que raramente se percebe.
O continente africano sempre foi dividido, tanto culturalmente quanto em questões geográficas, em duas partes: o norte da África, composto pelos países envoltos pelo deserto, e a África subsaariana, mais ao sul, com regiões predominantemente de savana ou mesmo de floresta. Do mesmo modo, os povos foram bem distintos; os habitantes do sul costumam ser de origem étnica Bantu e ter uma cultura própria, enquanto os povos do norte sempre foram muito próximos do Mediterrâneo, estando ligados ao Oriente Médio.
Quando a agricultura foi desenvolvida no Oriente Médio, os povos que a possuíam não eram capazes de cultivar no deserto, sendo, por isso, incapazes de transpor a região levando seu conhecimento para o sul da África. Os povos da região foram assim obrigados a desenvolver a agricultura por conta própria. As plantações foram levadas pelo continente africano através dos povos conhecidos como Bantus, mas novamente a barreira do Saara os impediu de se comunicar com o Norte.
A barreira do Saara dificultou o fluxo de mercadorias e conhecimento oriundos do Norte até os reinos Bantus do Sul, o que fez com que, mesmo sendo muito ricos, não acompanhassem os desdobramentos culturais do Oriente Médio e da Europa. Isso se tornou uma das razões pelas quais puderam ser subjugados pelos europeus séculos depois.
O incrível e desafiador ambiente do deserto moldou as civilizações humanas. Mas, por mais grandioso que seja, não foi sempre assim. Até poucos milhares de anos atrás, o Saara era um local verdejante, com pradarias extensas e rica vida animal, além de povos antigos que circulavam pelo local livremente. Esse período mais acolhedor à vida começou há cerca de 14 mil anos e se estendeu até cerca de 5 mil anos atrás.
O principal fator para essa mudança foi o Sol. Ainda que a Terra orbite o astro de modo constante, ocorrem pequenas alterações na posição e inclinação do planeta durante o trajeto. Essas alterações podem mudar quanta luz e calor atingem a Terra. No período em questão, essas pequenas mudanças foram o bastante para que o planeta recebesse muito mais luz solar do que atualmente. Essa alteração aumentou a quantidade de chuva que caía sobre o deserto.
Outro possível fator foi o fim das geleiras no norte da Europa. Durante a Idade do Gelo, o planeta era bem mais seco, pois grande parte da água estava presa nas grossas camadas glaciais no Norte. Mas quando o planeta começou a se aquecer e as geleiras derreteram, algumas partes do globo antes secas foram agraciadas com mais umidade; o Saara pode ter sido uma delas.
Grande parte da água foi disponibilizada por um clima com monções (chuvas fortes que acontecem em determinadas épocas do ano) mais intensas. Uma maior quantidade de nuvens carregadas chegou ao interior da África, vindas do Oceano Atlântico e do Mar Mediterrâneo. Após o aumento inicial das chuvas, árvores e outras vegetações começaram a crescer onde antes era um deserto. A chegada das plantas causou um aumento na absorção de calor e também mais água disponível, que era dissipada pela vegetação, o que tornava as chuvas ainda mais frequentes e, assim, um ecossistema funcional e estável foi se formando.
As mudanças deixaram o Saara irreconhecível, coberto por rios, lagos e pântanos. O fenômeno foi chamado pelos cientistas de “Saara Verde”. O ambiente acolhedor da época permitiu que os humanos se espalhassem pelo local: primeiro grupos de caçadores e coletores, mas eventualmente alguns povos trouxeram gado para pecuária, o que permitiu que um início de civilização começasse a prosperar.
Esses povoados humanos provavelmente vieram do sul da África, onde as condições sempre foram mais amenas. Eles deixaram vários registros de sua existência, desde antigas ferramentas de pedra (padrão das culturas antigas) até desenhos em cavernas mostrando os animais com os quais conviviam, desde girafas e hipopótamos até elefantes.
Infelizmente, essa prosperidade foi curta, durando apenas cerca de 10.000 anos, um período muito curto do ponto de vista do planeta Terra. Após esse intervalo, outra oscilação na órbita do planeta causou a redução da quantidade de luz solar. Sem tanto calor, as chuvas também começaram a diminuir, o ambiente foi ficando seco novamente e recomeçou sua jornada em direção à desertificação. As plantas, animais e humanos foram fortemente afetados, perdendo seu lar. O processo parece ter ocorrido em menos de mil anos, um período de tempo muito curto para que pudessem se adaptar a uma mudança tão brusca em seu estilo de vida.
Ainda assim, o Saara Verde deixou um legado na história humana. Vários povos que vivem na África hoje traçam sua descendência dos antigos humanos que viveram no Saara. Os estudiosos chamam esses povos de “Nilo-saarianos”, pois todos possuem idiomas aparentados, ainda que distantes por milhares de anos. Povos muito diferentes entre si e separados por milhares de quilômetros ainda possuem palavras similares em seus idiomas, marcas antigas de que provavelmente seus ancestrais vieram de tribos antigas do Saara que falavam o mesmo idioma.
Outro legado curioso existe no imaginário dos povos antigos. Alguns cientistas acreditam que o desaparecimento do Saara Verde de modo brusco em poucos séculos pode ter sido a inspiração para a história do Jardim do Éden e a expulsão de Adão e Eva. Vários povos antigos tinham relatos sobre paraísos antigos perdidos, como a mítica “era de ouro” imaginada pelos gregos, que talvez fossem recordações de um evento real em que um lar próspero foi destruído.
Nos dias modernos, o deserto do Saara continua crescendo pelo continente africano, mas sua causa não são mais as leves alterações no clima, e sim as ações humanas que têm destruído o ambiente, tornando-o hostil à vida. A desertificação ameaça deixar as populações africanas sem água para sua sobrevivência, além de poder causar a extinção de grande parte da fauna africana, uma das únicas que ainda é próspera no mundo moderno.
Esse processo ocorre principalmente na fronteira sul do deserto, território conhecido como Sahel, e tem obrigado os moradores a fugirem para o sul em busca de sobrevivência. Durante o século XX, alguns líderes africanos tentaram parar o processo de desertificação plantando árvores na fronteira do deserto; ainda assim, não foi o suficiente para impedir a destruição dos ecossistemas africanos. Durante os anos 70, grandes secas afetaram a África, levando meio milhão de pessoas a morrer de fome. Se não houver medidas mais ambiciosas, novos episódios como esse poderão ocorrer no futuro próximo. Tentar evitar tal processo será um dos desafios ecológicos das novas gerações.