Há uns dias vi um post na página do Facebook 'Porto Nacional Somos Nós' sobre a mulher de branco que assombrava a população na cidade fincada no Centro-Oeste do Brasil às margens do rio Tocantins, década de 1970, principalmente aos jovens afoitos em bebedeiras e serenatas às moçoilas muito lindas entre 22 à 1h da manhã, o que determinava o tempo: quantidade de rapazes apaixonados, distância das amadas, grau de paixão, pai menos 'brabo' e a cachaça.
Meu pai mudou da casa da rua próximo à Praça Central e do Colégio das Irmãs (Corjesu), logo depois da casa de Dedada*, e mais à frente ladeada pela marcenaria e da casa de beneficiar arroz, essa dos pais de Salvador 7 Capas, para a rua perto do antigo estádio de futebol, quase esquina da avenida em direção à cidade do Carmo.
À noite era difícil eu sair. Mesmo assim, os amigos Adão (violeiro de mão cheia), Helton Mergulhão, Geovane (um negro já com motivos rastafari, que tocava violão também), atraiam a possibilidade de boas serenatas, regadas a doses de pinga. Não bebia, cantava mal, mas era figura carimbada, porque definia as casas que deviam receber nossa cantoria.
Na programação de uma sexta-feira, teve um intervalo, com evento ocorrendo no Cine do Centro da cidade de Porto Nacional, creio que foi a semifinal de festival de música iniciado no Colégio das Irmãs - Corjesu. E uma das contempladas com a serenata, se apresentava cantando a música "Dio, come ti amo', interpretação magistral da cantora italiana Gigliola Cinquetti.
Fiquei lá no fundo do cinema apreciando a cantora, que deu um banho de interpretação arrebatando corações. O meu, então, de forma avassaladora - paixão platônica, e meio indecisa, já que havia me apaixonado por quase todas as meninas do Colégio. Creio que elas não se importam que propague hoje em dia: Ruth Pedreira (tinha namorado), Angela Ayres, as irmãs Torquata e Perpétuo, Fátima Gomes, Glória Godinho (a que mais assediei), Lucinha e Graça Pedreira, Dulcirez, enfim: não namorei com nenhuma, mas me apaixonei.
(Ó, céus! Por que, meu Deus?)
Eu corria da Aparecida, menina de uma família de Almenara (MG), quando não, ela me cercava, e tive ótimas iniciações às escondidas nas calçadas semiescuras da rua em que ela morava! Da apresentação de Glorinha no festival, um dos amigos, agora não recordo o nome, me apresentou as irmãs de “preto”. Eram três meninas loiras e em comum usavam vestidos curtos e de cor preta. A mais velha namorava o então craque do time da Osego, então única unidade de saúde da cidade; caminhamos pelas ruas estreitas parte com paralelepípedos parte de barro, e as levamos até a casa delas. No caminho, minha timidez desgarrou-se de tanta emoção da “apaixonite” aguda por Glorinha e meu coração batia ao ritmo de 'Dio come ti amo', e namorei a mais nova. Encostamos perto de um muro próximo do estádio na esquina da residência delas, que ficava do outro lado da minha casa, com vários cartazes colados à procura de subversivos.
Na época, muitas pessoas cooptadas para lutarem pelo Poder, “implantação de uma nova Cuba, agora gigante pela própria natureza”, do comunismo à Che Guevara e Fidel, passavam pela cidade em busca de Xambioá, fronteira com o Pará lá no Bico do Papagaio – veja o mapa do Tocantins. Na hora do bem bom, em pé, o murinho não suportou nosso peso, mesmo franzinos, e caiu. Mas foi uma maravilha. Sensação ótima. Ela correu para alcançar as irmãs, e voltou tascando um beijo daqueles.
Feliz da vida, homem feito, pretendia voltar à Praça e encontrar os seresteiros. Isolado, na noite mal iluminada, resolvi ir para casa. Daria uma volta de quase 2 km. Pulei o muro do estádio, e aí veio o medo. Por perto existia um cemitério, e a imagem da dama de branco frustrou todo o gosto de amor e namoro adolescente mais avançado.
Resolvi caminhar pelo meio do campo em direção à portaria principal, e lá na frente aparecia uma imagem turva e estranha. Do nada, me arrepiei. Senti a mulher de branco pisoteando atrás de mim, quase soprando na minha nuca. Meu apelido LaBanquinha, veio do nome da loja do meu pai: ele criou a jogatina da Caixa Econômica, Loto Esportiva LaBanca, e eu era bom jogador de futebol, e corria muito e as pessoas não sabiam pronunciar meu nome, o apelido fixou até hoje 50 anos depois.
Tanto corria bem que representei o Corjesu nos 100m dos Jogos da Primavera nos meses de setembro. No campo de futebol em meio ao espaço e sozinho disparei, mesmo tendo mais à frente a outra imagem cada vez mais turva: e quanto mais corria mais sentia a respiração e o trote. Percebi que quanto mais corria, e a imagem da frente corria mais também. Quanto mais perto chegava, mais veloz a imagem se mexia... Desviei o caminho... - Vou pular o muro...”, pensei em milésimos de segundo. “Não, posso cair no cemitério”. - Imaginário a mil, não sabia mais onde estava, a não ser que corria naquele campo de barro batido, em desespero. Pensei em gritar pelo meu pai. Qual o que? Ouvi logo a pergunta: "Você é um homem ou um saco de batatas?". A imagem voltou-se para mim, ela corria aturdida. E veio em minha direção. - Meu Deus, é a mulher de branco que me trouxe até este ponto para me atacar.
Corri de volta ao muro onde a 5 minutos conheci o amor na sua plenitude. Pulei de volta. Com medo, fui a uma fresta do muro confirmar se a mulher de branco ia passar pelo muro ou pularia ou tinha me esquecido, e vi uma mula correndo em círculo. Cara, a mulher de branco se transformou numa jumenta!
Voltei até a Praça principal; lá estavam meus parceiros num banco em frente da casa de Pedro. Não contei para ninguém apesar da pressão em saber se tinha dados uns "pegas na namorada de fulano". Ou seja, a mulher de branco para mim, passou a ser o tal namorado, desconfiado, em todas as partidas de futebol ele me esmurrava às escondidas do juiz improvisado, batia nos meus calcanhares quando o driblava... E também, não procurei saber até hoje como aquela jumenta pulou o muro do estádio! O medo só existe porque é nossa cria.
A cidade de Porto Nacional foi emancipada em 13 de julho de 1861. Bartolomeu Bueno da Silva anunciou a descoberta de ouro na região navegando pelo rio Tocantins em 1723, e com o início da exploração desse minério, surgiram vários povoados, entre eles Porto Real (atual Porto Nacional), que foi emancipado em 13 de julho de 1861. Hoje, o município de Porto Nacional, antes do estado de Goiás, faz parte do novo estado brasileiro, o Tocantins, que soma 34 anos.