Estar vivo é a possibilidade de estar com o outro, de sempre ser arrebatado e integrado, e é também a possibilidade de ser submetido, tornando-se adaptado a circunstâncias. Os medos e rastejamentos provocados pelas iniquidades de estar amarrado a vantagens, resultados e propósitos são redutores, expressam e ampliam as não aceitações de estar vivo, de existir.
O acaso cria laços e muitas vezes instala armadilhas, que são igualmente laços embora estabelecidos por outras tessituras, outras variáveis. É clássica a mitológica história de Édipo, que, sem saber da identidade da esposa prometida, se casa com a própria mãe. Existem inúmeros casos de crianças perdidas, órfãs ou adotadas, que encontram o par romântico perfeito na própria irmã ou irmão, identidade nem sempre descoberta, salvo por teratologias (anormalidades genéticas) encontradas ao acaso nos descendentes, por simples exames, que se tornam assim, recondutores dos fios da história de biografias espalhadas ao vento.
Em algum momento da vida ter se ligado, encontrado alguém, e logo perdê-lo de vista para mais tarde encontrá-lo, mas em condições reveladoras de possíveis impedimentos, como marido da melhor amiga por exemplo, é descoberta, é reencontro e também dor, desespero pela insinuação de perda dupla, de tragédia que se avizinha, de renúncia que se impõe, tanto quanto do reencontro que se quer celebrar. Trata-se de um universo ético ameaçado pela certeza do encontro vivenciado como descoberta existencial. É conflito, é triângulo amoroso, é o completo insinuado, é o Zeigarnik*. A interrupção de tarefas, interrupção de encontro e de propósitos é persistente, presente, exigente. O que fazer? Desistir ou insistir? Continuar ou descontinuar? O paradoxal é excruciante, é tanta compressão que surgem novas realidades, quase que metaverso. Inicia-se nova jornada, o universo particular escondido, só vivenciado pelos próprios encontrados-perdidos é o que existe. Nada existe sem ocupar contínuo lugar no espaço, nada existe sem continuidade, sem trajetória, apenas a esperança, as bolhas inerciais ou os resíduos processuais. É o fogo-fátuo, a renúncia, o que foi por não haver sido. É o rio jamais reencontrado em seu ponto inicial de contato. Pode surgir terceira margem, arbitrária, mas que também desaparece. Quando o perdido é reencontrado, a própria explicação do que se perdeu o configura em novos contextos que lhe confere outro significado. Jocasta, por exemplo, a mãe de Édipo, é a mãe que não é mãe, pois é esposa, sendo a mãe, sendo o que é e o que não-é que tudo neutraliza, tudo dramatiza e esvazia.
Em vidas que se cruzam, nos encontros pode acontecer, e acontece, apreensão e realização de situações delineadas sem formalização, sem índices, sem códigos. A insinuação da Figura - explicada pela Lei da Closura da Gestalt Psychology - faz com que ocorra a percepção de totalidade.
Um desenho de retas agrupadas, cujos ângulos não fecham, os lados se aproximam mas não se tocam, por exemplo, pode ser percebido como um triângulo. A criação de universos paralelos sempre mantém os universos reais, pois a vivência é o toque mágico que tudo recupera. Ilusões, fantasias, desejos, frustrações e metas são polarizações perceptivas e frequentemente ditadas pelas não aceitações e aspirações, pelas metas e desejos, mas também podem decorrer de injunções, embrulho de realidade e configurações vivenciais. É por meio dos questionamentos existenciais, exercidos pela psicoterapia, que tudo é clarificado, destrinchado, desconfigurado e reconfigurado em seus devidos estruturantes.
*Zeigarnik - Os processos são infinitos, o movimento é eterno, e ao nos relacionarmos estabelecemos limites, posições e espaços, descontinuamos, interrompemos para continuar. Isso cria tensão, cria motivação. Bluma Zeigarnik - da Gestalt Psychology - pesquisadora dos fenômenos da memória, descobriu, no início do século passado, que as tarefas interrompidas eram frequentemente mais memorizadas, mais lembradas que as tarefas completadas. Essa experiência é muito fértil: podemos entender a motivação, o estar interessado em algo ou alguém em função dessa descontinuidade, dessa interrupção. O "efeito Zeigarnik" explica a tensão criada pelo que não é concluido.