Lembro até hoje do meu primeiro dia de aula, eu estava tão animada por começar a estudar, queria tanto aprender a ler e a escrever, que na noite anterior ao meu primeiro dia, eu mal dormi. Minha mãe separou comigo meu uniforme, eu deitei na cama e pedi a ela, se assim que eu entrasse na escola já saberia ler e escrever, e ela me garantiu que sim. Ela não estava mentindo, eu é que achava que, no momento em que eu pisasse dentro da sala de aula eu saberia tudo. Calcule a minha decepção quando eu abri um livro, olhei para a folha e todos os desenhos e palavras mas não conseguia ler. Naquele momento eu percebi que nem tudo é o que parece, e que, algumas coisas levam mais tempo do que outras. E eu devia ter uns 6 anos apenas.
Na adolescência meus diários eram os meus confidentes. A pauta principal, acredite se quiser, era amor. Tudo desde que nós nascemos, tudo, absolutamente tudo que nós fazemos na nossa vida, gira em torno de amor. Quando somos apenas bebês, nós ansiamos o amor dos nossos pais; e nossos pais também quando nascemos, anseiam em nos amar; quando crescemos, começamos a procurar um par romântico, grande parte desse amor é apenas uma projeção da maneira que nós aprendemos a amar com nossos pais; então começamos uma busca implacável por encontrar alguém que nos ame e seja capaz de tolerar nossas falhas e continuar nos amando, assim como nós amamos na proporção que toleramos a falha no outro. Então, quando encontramos esse alguém, o amor já não cabe mais no peito e precisa se materializar, então voltamos ao ciclo onde outro ser humano nasce para ser amado e amar. Eu sei que muitas das pessoas não seguem a minha sequência lógica, e não estou dizendo que tenha que ser assim.
Sempre ouvi que o amor acontece entre duas pessoas, e que muitas vezes num simples toque de mão elas apaixonam-se e a partir daí o amor nasce. Ouvi também que, temos 2 tipos de amores românticos na vida, o amor da nossa vida, o amor para nossa vida. O chamado amor da vida é aquela pessoa que você amou muito, que tinha tudo para dar certo, mas não deu. E temos o amor para nossa vida, que muitas vezes é algo mais leve, saudável e torna tudo mais tranquilo e pacífico. Um deles é um incêndio incontrolável, já o outro é uma lareira, que você escolhe manter acesa.
Meu primeiro namorado foi uma paixão ardente durante os primeiros 3 anos do nosso relacionamento, nesse tempo, eu tinha quase uma devoção pelo menino e acreditava que ele teria por mim o mesmo sentimento que eu tinha por ele. Não pensava que ele seria capaz de me machucar ou ter atitudes que pudessem levar a uma ruptura ou quebra de confiança, por que esse pensamento não era nem possível na realidade da minha cabeça. Nós tivemos bons momentos e éramos melhores amigos na época (eu considerava), até que eu descobri que ele havia me traído e a desculpa foi porque se queria sentir-se livre, em um relacionamento tinha a ideia de estar muito preso. Pela primeira vez meu coração doía e eu pensava que não seria capaz de acabar com a dor e o sofrimento que estava sentindo. A dor era real, e qualquer palavra ou pergunta que me fizessem era brecha para que eu começasse a chorar. Depois de mais ou menos uma semana, a dor que era insuportável foi ficando mais leve e até que um dia sumiu. A única coisa que me diziam era “nesses casos, o tempo é o melhor remédio” e eu acreditava que ele estava sofrendo como eu, pois acreditava também que o amor era entre nós os dois.
Ninguém me contou que o amor era individual. Quando amamos, amamos sozinho. O outro não tem obrigação nenhuma de corresponder ao amor dado, não existe nada que possamos fazer para que alguém possa nos amar, não existe receita, o amor é um sentimento único e exclusivamente individual. Nós temos isso muito claro em todos os outros aspectos da nossa vida, mas quando se trata de relacionamentos parece ser mais confuso. Por exemplo, pense na sua flor favorita, ela só precisa existir para que você a ame. Ela não precisa ter a cor perfeita, não precisa ser a mais cheirosa, não precisa nascer na terra mais fértil ou no solo mais improvável e você nem precisa tê-la. Ela só precisa existir.
A ideia de amar e ser livre é possível. Fazer o que eu bem entendo, quando quero, onde quero, sair a hora que quiser, voltar sem ter horário, sem ter que dar satisfação para ninguém, não precisar dizer onde estou, com quem estou, ficar com quem eu quiser e aparentemente fazer tudo aquilo que eu gostaria. Para muitos, isso é sinônimo de liberdade, mas eu preciso fortemente discordar desse conceito, agir e viver dessa forma é apenas um grande grito de irresponsabilidade. Ser livre é ser capaz de escolher onde você gostaria de estar preso. É você poder ter a escolha de dizer “não”. Por exemplo, um gato não pode tocar guitarra, mas um homem pode, porém ele pode escolher fazer isso ou não. E isso é o que constitui nossa liberdade, sempre podemos NÃO fazer, e a partir daí, escolher de qual jogo de poder iremos fazer parte. É preciso abandonar a ideia de que você está num limbo de escolhas vagas, e que tem diversas opções de tudo ou tudo está ao seu alcance.
Hoje em dia, a maneira como nos relacionamos está diretamente relacionada às formas de consumo, por isso os relacionamentos tornaram-se um objeto de consumo, e como já se era esperado, o consumidor está sempre insatisfeito, sempre procuramos mais o tempo todo, nada e nem ninguém parece ser suficiente. De acordo com a lógica do consumo, se algo não está bom ou veio com defeito, pode ser trocado, essa teoria é chamada de “Amor Líquido” e foi apresentada pelo psicanalista e sociólogo Zygmunt Bauman. E segundo ele, isso acontece principalmente por conta do advento da Era da Informação, que é esse período tecnológico que vivemos hoje. Que trouxe uma interação superficial entre as pessoas, onde o mundo virtual passou a ser mais importante, porque, grande parte das vezes, é muito mais confortável do que a realidade. Não existe mais a preocupação em se desconectar com alguém emocionalmente, a preocupação em superar, é muito mais simples que isso. Bloqueia-se primeiro de tudo e por fim, deleta-se e problema resolvido, como se nunca tivessem se conhecido antes.
Essa ideia de que é possível ser e ter tudo a qualquer momento é um devaneio da sociedade atual. A começar que não podemos ser tudo que queremos, pela simples lógica de levarmos em consideração nossa condição física, por exemplo, posso querer muito ser uma jogadora de vôlei profissional mas infelizmente algo na minha condição física não permite que eu realize esse sonho. Grande parte dos jovens está completamente perdida em relação ao futuro justamente por conta desse discurso que pode ser tudo e mais um pouco. Imagine você, com 20 e poucos anos, com acesso a internet, tecnologias, informação e educação ter que escolher o que vai ser ou deseja ser durante os próximos 10 anos da sua vida, levando em conta que podes ser tudo, desde não ter profissão nenhuma até profissionais de altas performances (como dizem hoje em dia). O primeiro pensamento que eu tenho quando tenho muitas escolhas, é não escolher nenhuma… pois tudo é atrativo, então seja qual for a minha escolha eu sinto que estou perdendo algo ou deixando de ganhar coisas novas. Esse pensamento atual, vale para tudo, muitos relacionamentos são colocados em causa por paixões momentâneas, carências que poderiam ser resolvidas com apenas um pouco de conversa e atenção.
As relações humanas estão em sério risco de extinção, as formas mais puras de relacionamentos e de nos relacionarmos um com o outro, tudo está praticamente focado num jogo de interesses e status social. O que me preocupa muito, pois, estamos nos afastando de família e amigos, para ter amizades na realidade paralela que é a internet e o mundo virtual. Que possamos ter sabedoria e discernimento para perceber o que é realmente importante na vida, que possamos aprender a amar mesmo que doa, mesmo que seja em silêncio.
Finalizo essa reflexão com o poema Pedaços de Mim, de Martha Medeiros:
Eu sou feito de
Sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos
Sou feito de
Choros sem ter razão
pessoas no coração
atos por impulsão
Sinto falta de
Lugares que não conheci
experiências que não vivi
momentos que já esqueci
Eu sou
Amor e carinho constante
distraída até o bastante
não paro por instante
Já
Tive noites mal dormidas
perdi pessoas muito queridas
cumpri coisas não-prometidas
Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
pensei em fugir,para não enfrentar
sorri para não chorar
Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
amizades que não cultivei
aqueles que eu julguei
coisas que eu falei
Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo.