A necessidade de artistas pop exaltarem a nudez com performances cada vez mais sexualizadas, vídeos com componentes eróticos não explícitos, cenas das partes íntimas e a controvérsia entre a liberdade sexual e o empoderamento, é algo que têm sido muito observado e pouco discutido, por isso trouxe a reflexão hoje.
Para compreender a evolução desse fenômeno é importante perceber que esse apelo da indústria do entretenimento tem origem histórica e precisa também ser levado em consideração o fato de ser um comportamento coletivo e não apenas em algumas regiões ou segmentos da indústria.
Podemos definir como um marco para o início desse movimento, os anos 60, com Marilyn Monroe que é considerada um catalisador para a revolução sexual, mas também com algumas personalidades da época como Jane Fonda, Jayne Mansfield que surgiu logo depois de Marilyn Monroe e foi uma das primeiras mulheres a posar para Playboy, Raquel Welch que teve apenas algumas cenas no filme One Million Years B.C. (1966), mas a imagem dela usando um biquíni de pele de animal a tornou-a um símbolo sexual instantâneo.
Vinte anos mais tarde, com o surgimento da MTV nos anos 80, foi onde houve um “boom” na sensualização da mulher, também com o grande sucesso de Madonna e suas roupas ousadas, marcando bastante o corpo, com um posicionamento frisando a liberdade sexual e o empoderamento feminino. Em paralelo a isso, preciso mencionar a feminista liberal Camille Pagllia que tinha muita influencia na mídia da época, contribuía com diversos veículos de comunicação e sustentava o discurso de que a liberdade sexual que Madonna tinha, todas as mulheres deveriam ter. Liberdade essa que tem como fundamento discurso de “Material Girl” também chamada de Garota Materialista e da mulher que pode sim ser mãe sozinha, ou seja, uma construção audiovisual, do que viria a ser chamado de hoje de mulher empoderada.
Hoje sabemos que as mídias de massa são dessensibilizadoras, e na medida que os meios de comunicação evoluíam, havia também uma necessidade de radicalizar e impactar a sociedade com novos audiovisuais, para que as artistas pudessem fazer sucesso. Se compararmos as divas do pop da época de 80 e 90 com as gerações seguintes, a sexualização é cada vez mais clara e visível. O que era feito nas décadas passadas e nos anos 2000, hoje, já não é suficiente nem surte efeito algum. As roupas vão diminuindo cada vez mais e a sexuliação aumentando em níveis absurdos, ao passo de que no cenário atual para vender a arte de uma mulher, é preciso vender a própria mulher, isso inclui, publicitar a vida particular, deixando aberto o âmbito para a especulação em relação à vida e orientação sexual. Para além das questões de tomar posse e distorcer conceitos de emancipação feminina, existe uma grande preocupação na influência provocada no público alvo dessas artistas, que são, em sua maioria, meninas jovens.
Um dos pontos mais contraditórios desse movimento todo dentro da indústria musical, é o rótulo de “mulheres empoderadas” que acompanha as artistas. Alguns questionamentos precisam ser feitos quando tratamos deste assunto, como por exemplo: exposição do corpo é sinônimo de poder? E será que, esse livre acesso ao corpo feminino não é aquilo que sempre fora pauta de reivindicação dos homens? Historicamente, nas décadas de 60 e 70 realmente existiu sim, um movimento de mulheres que buscava a libertação sexual.
Neste caso, estavam nas pautas principais, a libertação reprodutiva, direito de educação sexual nas escolas, o reconhecimento das modalidades de violência sexual (incluindo dentro do casamento), entre outras situações… Em paralelo a isso havia um movimento de revolução sexual comandada por homens (podemos citar o movimento hippie como exemplo) com dinheiro e envolvidos na mídia. Nesse período acaba acontecendo um certo “equívoco” por parte dessa mesma mídia (comandada e financiada por homens) em relação à divulgação do movimento feminista como sendo uma “revolução sexual”, o que levou a hipersexualização das mulheres, quando na verdade o movimento feminista busca os direitos das mulheres e o empoderamento está no poder social, econônico, político que nós (mulheres) exercermos na sociedade.
Atualmente no Brasil, a gravidez na adolescência é uma das maiores causas de evasão das meninas do ambiente escolar, segundo uma pesquisa feita em 2020 pelo Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), a gravidez entre meninas de 15 a 19 anos é maior no Brasil do que em outros países. Podemos dizer que essa é apenas uma das consequências dessa cultura de sexualização generalizada, que expõe as crianças a conteúdos e comportamentos adultos, sem fornecer a orientação adequada para que possam compreender o que está sendo feito, dito e sem terem condições de avaliar o seu próprio comportamento, são crianças que vêem o que é infantil como sexual e vice versa. Essa cultura gera indivíduos que perderam a infância, e é nesse período da vida que se dá a formação de personalidade, valores e caráter.
Além disso, essas ações que pregam um comportamento empoderado e individual não passam de uma distorção proposital do mercado e indústria do entretenimento para vender mais. Neste caso o que está em pauta não é se a mulher tem ou não direito de fazer o que quiser com o corpo, mas sim como a sociedade machista usa o corpo feminino como instrumento de controle, opressão e produto de venda. Ainda hoje com toda a evolução em relação aos direitos das mulheres, o mercado da pornografia, audiovisual, midias são propriedades maioritariamente de homens, com muito entendimento do mercado, dinheiro e que sentem a tendência desses mercado e produzem as divas pop. As artistas não se fazem sozinhas e não tem nada de “meu corpo, minhas regras”. Até que ponto a exposição do corpo femino divulga a música que essas artistas fazem? Digo isso por estar inserida no ramo e falo com propriedade sobre o assunto. A exposição de mulheres, adolescentes e crianças a essa sexualização têm também como consequência a violências que as famosas tendem a não sofrer, devido a uma blindagem por dinheiro e influência. Mas a grande maioria das meninas não têm esse mesmo recurso para se proteger, o que as torna muito vulneráveis perante essas situações.
A exposição do corpo feminino pode ser vista como uma forma de empoderamento para algumas mulheres, mas também pode reforçar estereótipos de gênero e objetificação das mulheres, o que pode levar a consequências negativas como a cultura do estupro e a perpetuação da desigualdade de gênero. A educação sexual é uma ferramenta importante para que as crianças e adolescentes possam compreender e avaliar seu próprio comportamento e tomar decisões responsáveis e saudáveis em relação à sexualidade. Infelizmente, a falta de informação e orientação adequadas pode levar a uma série de problemas, como a gravidez na adolescência, o aumento de casos de doenças sexualmente transmissíveis e o aumento de comportamentos de risco. Portanto, é importante que a sociedade como um todo se envolva na promoção de uma cultura que respeite os direitos e a dignidade das mulheres, incluindo a educação sexual e a conscientização sobre as consequências negativas da hipersexualização e objetificação das mulheres na mídia e na indústria da música.
A arte tem como principal fundamento tocar e impactar a vida de nós, seres humanos, mas também, é o reflexo da nossa sociedade, por isso, ao analisarmos as músicas, roupas e tudo de visual que é produzido, estamos olhando para dentro da nossa sociedade, e é triste perceber que a maioria está inserida nessa bolha e muitas vezes não percebe como pode ser preocupante. Acredito na mudança que a educação pode ter, e o conhecimento como luz nos caminhos muitas vezes escuros e perdidos. Finalizo essa reflexão com uma frase de Paulo Freire, o Patrono da Educação Brasileira que diz: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”