A Criminologia, etimologicamente falando, é a ciência que estuda o crime e o comportamento criminoso. O foco deste estudo tem em vista compreender o comportamento criminoso para que, com essa informação, se possam aplicar estratégias que promovam o declínio transversal da criminalidade.
Da forma como a justiça funciona em Portugal, o conceito de prevenção tem uma presença meramente residual. A mesma resume-se à forma de campanhas de prevenção pontuais, ora anúncios televisivos e como parte de discursos políticos; ora num contexto de proximidade, em sessões nas escolas a debater questões como o bullying e a violência no namoro. De forma sucinta, a prevenção é uma intenção que não se materializa.
Na sua génese, o ciclo repressivo manifesta-se somente assim que o crime é praticado, seguindo-se todas as diligências necessárias desde a acusação até à abertura do processo. Partindo do princípio que o mesmo processo culmina numa condenação, avança-se com uma pena de prisão ou de multa. No caso da pena de prisão, a mesma pressupõe dois elementos que se manifestam parcamente no nosso quotidiano: o acompanhamento devido dos reclusos para que possam ser reinseridos na sociedade, sem reincidirem; e a reunião de elementos que permitam uma vida digna assim que saírem do estabelecimento prisional (estabilidade familiar, ocupação profissional, habitação digna).
A nível de apoio durante o período de cumprimento da pena verifica-se não só a falta de profissionais, mas também as parcas condições de trabalho, onde se destacam a carga horária e o número de reclusos por profissional (em 2018, 30 profissionais colocados a nível nacional, em regime de recibos verdes). Quanto ao trabalho externo de preparação do recluso para a sua nova vida em sociedade, encontra-se um grande obstáculo dado na rotulagem que prontamente se lhe é dada, condicionando as atitudes e os comportamentos com o próprio atendendo ao crime praticado.
Claro que no meio disto tudo há toda a burocracia do sistema judicial, que por sua vez se encontra entupido com a quantidade de processos que dão entrada diariamente, e a quantidade de casos que vão sendo adiados para averiguação enquanto algumas das partes envolvidas aguardam pela prescrição. Aqui a figura da mediação penal também carece de atenção. O simples facto de determinados tipos de crime (injúria, difamação, pequenos furtos) se resolverem através de um acordo entre as partes envolvidas, seria uma mais-valia para garantir que os restantes casos mais sérios seguiriam o seu curso com uma maior fluidez. Em suma, o sistema repressivo não só não combate eficientemente o crime, sobrecarregando o sistema judicial e prisional, como não permite diligências de carácter significativo para garantir que os mesmos actos não se tornam a repetir. É aqui que a questão da prevenção se destaca. A prevenção age antes do acto que se constitui crime, e deve sê-lo o mais cedo possível. As famílias devem ser sensibilizadas nesse sentido, e as que requerem um maior cuidado devem ser referenciadas e devidamente acompanhadas. As escolas devem ter um maior foco nestas questões, descartando as intervenções anuais ou por período por planos curriculares onde se discutam temas pertinentes como direitos humanos, gestão e inteligência emocional. De forma genérica, reunir condições para que pessoas se tratem umas às outras como pessoas, cada uma com a sua personalidade, os seus sonhos e as suas ambições.
Não será de todo um sistema fácil de implementar. É necessário reestruturar em pleno o que já existe. É necessário mudar os conteúdos programáticos nas escolas. É necessário formar e capacitar devidamente as equipas das áreas sociais que estão no terreno, para que possam dar o devido apoio familiar. Uma vez mais, os Criminólogos são quem se destacam nestas áreas. Como profissionais já devidamente formados, podem garantir que o público-alvo, quer as famílias, as comunidades escolares, os vários grupos sociais e os reclusos, sejam devidamente capacitados nestas matérias de direitos humanos e de prevenção da criminalidade. Para além de os Criminólogos poderem actuar nas polícias, nos tribunais, nas prisões e nos gabinetes de advogados, é nas escolas que eles conseguem obter os resultados mais eficazes. Mantendo o contacto de proximidade desde que se começam a dar os primeiros passos nos demais contextos sociais no momento de contacto com o outro. Neste contexto há também espaço de manobra para que o Criminólogo afecto à escola possa articular com o(a) Psicólogo(a) do mesmo estabelecimento e com o restante staff as melhores formas de reconhecer e abordar situações mais delicadas. O mesmo se pode dizer no contacto com a equipa da Escola Segura e demais Órgãos de Polícia Criminal que existam na localidade, acrescentando-se a CPCJ e outras entidades da mesma natureza. E no meio deste processo, de contacto de proximidade, tanto formal como informal, não só se reúnem as condições para agir antes da prática do facto, como também se desconstroem os preconceitos associados às figuras dos agentes da autoridade e dos tribunais.
Não é um processo fácil de implementar, mas não o é por causa da rigidez que nos é associada enquanto sociedade e do quão moroso é experimentar algo que nos faça sair da zona de conforto. Contudo, é uma abordagem que se mostra essencial para fazer a diferença e, assim, prevenir devidamente e reduzir de forma acentuada a criminalidade, ao mesmo tempo que se constrói um futuro mais seguro e humano para todos.