Acreditar em alguma coisa, ou em alguém, é uma atitude que configura confluência, encontro de motivações, vivências e acontecimentos. É um processo que se estabelece ao transcender, tanto quanto ao cristalizar padrões, comportamentos e vivências. Quando se acredita, se transporta, se aglutina expectativas assim como certezas. Nesse sentido as crenças sempre resultam de esperanças, desejos ou constatações ampliadoras.
A percepção do tempo, a certeza e a crença em um depois traz ampliação de perspectivas. O alargamento do tempo levado às últimas consequências geralmente faz acreditar na vida eterna, por exemplo. Esse processo explica também a fé, a confiança cega no amor materno, paterno, filial, tanto quanto as certezas na dedicação dos escolhidos e dos amados. Acreditar é habitar os sonhos construídos. É a validação da fé, da esperança, é o recolhimento constante de tudo que foi investido durante processos educacionais, religiosos e familiares. Essa concentração de propósitos amplia a perspectiva ilusória de possibilidades, e assim dá força, armas e coragem para enfrentar o cotidiano, ampliando magicamente limites e escondendo frustrações.
A crença que supostamente constrói e abre caminhos é o bólido, o carro de corrida que avança e vence. É o super motor, a fé triunfante, a certeza que tudo ultrapassa, realizando propósitos e objetivos. Mas essa orientação em função de metas e desejos é danosa para o ser humano, pois o transforma em marionete ou vítima de manipuladores. Nesse contexto as escolhas e destinos são determinados, resta às pessoas aceitá-los, melhorá-los ou ainda deles se impermeabilizar pela fé, pela crença que remove dificuldades e ajuda vencer impasses. E assim, concentrado em seus propósitos e desejos, o ser humano é esvaziado do que o configura: seu presente, seu relacionamento com os outros e o mundo enquanto vivência, realidade configurada do estar aqui com os outros enquanto descoberta (criatividade), e constatação de ser com o outro enquanto possibilidades e necessidades.
Tudo que concentra, dispersa. A organização, também, ao gerar novas organizações, desorganiza anteriores. Esse processo, essa continuidade dispersa ao configurar novas crenças, bem como as destrói. As crenças são resultantes, são expressões de aglomerados. Suas sustentações exigem pilares. É exatamente aí que elas se desconfiguram, pois são estabelecidas em outros contextos. Essa imersão progredida, essa alienação, por exemplo nas religiões onde o transcendente é esquematizado e antropomorfizado, gera regras. Ser regulado, regrado é uma forma de dispersão, contingenciando motivações e constatação.
A crença como dispersão cria os sonhos, as motivações, as frustrações amenizadas pelo esforço de que "há males que vêm para o bem", de que "a justiça tarda mas não falha" e outras conclusões, remendando verdades, constatações que esvaziam e frequentemente revoltam. Acreditar é sempre uma forma de negar ocorrências, quando elas, as crenças, se constituem em ponto de chegada, em abrigos. Crença como dispersão é o deixar para depois, o ponto no final do arco-íris que tudo propicia, e que realizará sonhos e transformará o mal em bem, bastando para isso, tudo fazer para merecer.
Centralizada no indivíduo e na sua vivência com ele próprio, nos processos de relacionamento que o configuram e constituem, a crença é o ponto de partida, o chão que se pisa, o caminho que se percorre, que sustenta - é determinação. Podemos, nesse caso, entender crença como a determinação que concentra possibilidades e permite configurar e resolver necessidades.
Infelizmente, quanto mais massificados, despersonalizados, mais os indivíduos compram, aceitam e usam varinhas de condão destruidoras de suas capacidades de questionar e transformar realidades. Surgem, assim, os rastejamentos, indignidades, perda de individualidade, acordos sonegadores da própria legitimidade do estar vivo, com os outros em inúmeros sistemas personalizadores e despersonalizadores.
Chavões, clichês, certezas e crenças explicam, negam, são mecanismos de substituição, são adições intrínsecas ou extrínsecas aos processos vivenciados. A crença esvazia, tanto quanto individualiza e realiza humanidade. Tudo vai depender de como ela é estruturada, adotada e usada.