Um amigo, certa vez, me alertou para três coisas a serem evitadas na vida: comer muito, dormir pouco e brigar com vizinhos. Sábios conselhos.

Sobre os dois primeiros ainda existem muitos recursos: profissionais de saúde, medicamentos, pesquisas, exames de laboratório e orientações técnicas. Quanto ao terceiro, não há a quem recorrer. Posso estar enganado, mas acho que nem na Psicologia existem disciplinas para esta área, por exemplo: “Morfologia das Relações Vicinais” ou “Impactos Cognitivos da Vizinhança”.

A coisa é tão importante, que na hora de comprar ou alugar um imóvel, a gente deveria conhecer primeiro os vizinhos e depois o imóvel. O corretor deveria nos apresentar previamente toda a documentação necessária ao fechamento do negócio, começando pelo dossiê dos vizinhos. Alguns problemas seriam evitados.

Por exemplo, se o vizinho de cima for baterista, daqueles que ensaiam em casa, nem de graça more ali. Gente muito festeira é outro perfil a ser evitado, a menos que você também seja. Sei de um caso em que uma bondosa senhora, aos poucos, foi recolhendo gatos abandonados na rua e, em determinado momento, tinha mais de 50 felinos no apartamento. Dali exalavam odores indescritíveis. Levou mais de um ano para a situação ser resolvida na justiça.

Conheci uma família cujo sonho era uma casa com piscina num condomínio fechado de alto padrão. Muitos anos de economia e dezenas de corretores depois, fecharam o negócio, achando que haviam encontrado o que tanto desejavam. Mas veio a surpresa: o condomínio impecável, a casa formidável, a piscina agradável e o vizinho... insuportável!

O sujeito padecia de excesso de animação: todo final de semana era churrasco com pagode. Começava no sábado cedo, arrumando tudo ao som de samba. Ali pelas 11 da manhã chegava a turma e começava música ao vivo. Repito, ao vivo! Isso mesmo. Com cavaquinho, cuíca, surdo e tamborim.

A cada cerveja, a animação e os decorrentes efeitos sonoros aumentavam. A cantoria estendia-se pelo dia inteiro e entrava pela noite, sem hora para acabar.

O sonho virou pesadelo: colocaram a casa à venda 6 meses depois, rezando para que os potenciais compradores visitassem o imóvel sempre durante a semana, como aconteceu com eles.

Nos apartamentos a coisa se agrava muito, pois além dos vizinhos do lado, em frente e atrás, há os de cima e os de baixo. Desde que Sr. Otis inventou o elevador há uns 150 anos e as moradias foram verticalizadas, cresceram os prédios e os problemas. E para completar, fomos acometidos por uma epidemia denominada “condomínio”, que transformou em nossos vizinhos todos aqueles com quem compartilhamos áreas comuns e serviços. Um crescimento exponencial!

Para resolver a convivência foi então criada a tal reunião de condomínio. Consiste em uma sessão diabólica na qual todos os espíritos malignos se reúnem para desgraçar vidas. Uma produtiva fábrica de desavenças, desafeições e inimizades eternas.

Vou parar por aqui, pois há o risco de um de meus vizinhos ler esta crônica e indispor-se comigo, algo que não desejo nem ao meu pior inimigo.

Deixei para o desfecho o relato de um curioso caso ocorrido com um amigo de longa data.

Anselmo morava em um subúrbio do Rio de Janeiro há mais de 20 anos, mas alimentava o desejo de mudar-se para um bairro próximo ao mar, para desfrutar da praia aos finais de semana. Queria ir para a Barra da Tijuca. Porém, a esposa resistia, acostumada ao subúrbio e preocupada com as finanças familiares em bairros mais caros. Não havia jeito de convencê-la e Anselmo adiava há anos aquele projeto.

Certo dia instalou-se no prédio onde residiam, um novo morador, cuja vaga de garagem era contígua à sua, no lado direito. Passados alguns dias notou que seu carro, que tratava com tanto carinho, até então em perfeito estado, passou a apresentar pequenas mossas, resultantes de batidas de porta do carro ao lado. Teve certeza, já que as mossas eram do lado direito e apresentavam resíduos de tinta branca, exatamente a cor do carro do novo morador.

Fez um bilhete e colocou no limpador de para-brisas:

Prezado vizinho,
Peço a gentileza de tomar cuidado na abertura da porta de seu carro, pois está batendo e fazendo mossas no meu, que se encontra ao lado.
Desde já agradeço!
Cordialmente,
Anselmo – apto: 901

Achou que este aviso resolveria o problema. Doce ilusão.

No dia seguinte, antes de sair, examinou a lateral de seu carro. Ficou estarrecido: uma nova mossa, bem mais profunda, parecendo um vinco, havia surgido. E ali estava a indefectível tinta branca. Era a resposta ao bilhete.

Anselmo foi tomado por um sentimento de raiva que poucas vezes havia experimentado. Felizmente, o vizinho não estava ali naquele momento, pois seus horários não coincidiam. Precisava esfriar a cabeça. Foi para o trabalho pensando em qual seria seu próximo passo. Como lidar com este troglodita, incivilizado?

Passou o dia digerindo o ocorrido. Ao final da tarde, chegando em seu prédio, ingressou na garagem e lá estava o carro branco, ameaçador, olhando para ele com aqueles faróis apagados, mas, mesmo assim, agressivos. Sua temperatura interna subiu. Estacionou, voltou a olhar a situação do seu carro, alisou aquela contusão mais profunda e sua temperatura subiu mais um pouco. A raiva matinal retornou com toda força. Achou que precisava reagir corajosamente, à altura.

Tinha sido educado, colocando o bilhete e o retorno foi hostil. Não se acovardaria. Sem pensar, desferiu uma joelhada no meio da porta autora dos amassados, causando um grande afundamento bem no meio dela.

Anselmo sentiu-se vingado.

Mas a vingança nunca é fonte de sentimentos agradáveis. Subiu contrariado, não aliviado e já imaginando possíveis desdobramentos do caso. Chegou em casa e desabafou com a esposa. Ela, sensata e conciliadora, discordou do malfeito e aconselhou-o a procurar o vizinho para conversar sobre o assunto de forma adulta e equilibrada, buscando equacionar os prejuízos de ambos e dando um novo rumo aos acontecimentos.

Anselmo achou que ela tinha razão e decidiu tomar aquela iniciativa no dia seguinte. Foi dormir um pouco mais tranquilo.

Veio a manhã seguinte. Desceu para a garagem e, ainda no elevador, elaborava mentalmente os termos da conversa que teria com o tal vizinho. Chegou a pensar em assumir a despesa do reparo do carro dele, por ter sido proposital, enquanto as mossas talvez tivessem sido acidentais.

Ao chegar próximo do seu carro teve um choque: um enorme X riscava o capô do carro em toda a sua extensão. Um risco profundo, provavelmente feito com chave de fenda. Na verdade, não era um risco, mas um sulco, com o pó das camadas de tinta nas bordas. Ficou paralisado. Ali naufragou o projeto de diálogo. Quase chorou de raiva.

Mal conseguiu trabalhar naquele dia, atormentado pelas lembranças desagradáveis. A toda hora aquilo vinha à sua mente. Estava descontrolado, como poucas vezes na vida.

Ao final do dia voltou para casa. Na garagem logo avistou o carro branco, o que lhe causou palpitações. Voltou a olhar o capô de seu carro e interpretou que o sinal de multiplicação indicava que, cada ação sua, seria retaliada de modo ainda mais grave, gerando uma espiral de violência. Não tinha outra solução. Decidiu que o assunto teria que ser resolvido imediatamente.

Chegou em casa bufando, passou reto pela esposa e dirigiu-se ao armário onde guardava a arma. Ela, notando os olhos arregalados e a expressão desvairada, imediatamente compreendeu o que estava na iminência de acontecer. Entrou no quarto enquanto ele, de costas, atabalhoadamente retirava coisas da prateleira superior do armário em busca da arma que estava no fundo. Ela então passou a chave na porta e escondeu-a atrás do criado mudo. Postou-se em frente à porta trancada:

— Anselmo, eu quero me mudar para a Barra da Tijuca — disse, num rasgo de oportunismo e sabedoria.

Ele já estava com a arma na mão, ainda descarregada e buscava as balas, mais difíceis de encontrar naquela bagunça.

— O que foi?

— Vamos morar na Barra, bem perto da praia. Pode escolher um apartamento e vamos nos mudar logo.

Ele voltou-se, viu a porta trancada e num lampejo de lucidez, compreendeu a situação em que se encontrava. Não conseguiria sair do quarto, pois nunca agrediria sua mulher. Ela, por sua vez, de personalidade forte e avessa à violência, jamais cederia.

O desfecho foi pacífico. Ao invés de uma possível prisão por homicídio, dois meses depois estavam morando na Barra da Tijuca.

Anselmo vai à praia todo final de semana e algumas vezes, de olhos fechados, desfrutando o calor do sol e a brisa do mar, se recorda do vizinho desafeto, que, sem saber, lhe proporcionou aquele magnífico efeito colateral. O conserto do carro foi um preço barato para conseguir o que tanto desejava.

Apenas uma sequela ficou: no condomínio onde mora jamais estaciona ao lado de carro branco.