Crescer e desenvolver é um constante processo de adaptação, é também a constante possibilidade de dizer não, de dizer sim, de mudar regras ou a elas se submeter. Viver em função de resultados, jogar a vida para frente, para o que vai conseguir - filhos, amor, parceiros, dinheiro, status - é desvitalizador.

A vida para depois, o patrimônio que precisa ser construído, o mundo a conhecer e aprender são objetivos que desvitalizam a individualidade. Se consegue ser vitorioso em relação à sociedade ou em relação a si mesmo, mas renuncia desenvolver as próprias possibilidades humanas, ou transformar as próprias motivações psicológicas em realizações sociais, econômicas, ou políticas. Essa submissão esvazia. Não há sentido no saldo positivo almejado, pois entrega e adquire tudo que era necessário, mas nesse processo, na coisificação, o que emerge é um grande galpão cheio de bens, sementes, presentes e artes, que tem que prover e facilitar, mas que ao ter essa função se esgota no próprio funcionamento.

O instante, o acaso, o presente são os únicos existentes, e nada mais significa, salvo existir, isso é tudo. Corporificar o transitório - a impermanência - é a tentativa de buscar permanência, de solidificar o fluido. Essa mudança de estado é também uma mudança de propósito, uma exigência dos mesmos, que regem sempre algo diferente, prévio ou posterior ao existente. Surgem regras, compromissos, direções alienação, desumanização.

A comprovação dessas contradições faria com que o indivíduo dissesse não a tudo que o ajusta e o compromete, única forma de se manter vivenciando o que acontece, o presente, independente de valores ou atribuições contingentes. Se o que acontece é uma guerra, a vivência da mesma gera mudanças, transformações, novos horizontes são percebidos. Se o que acontece é festa comemorativa da paz, a alegria, novos horizontes são também percebidos. Só na vivência do presente enquanto presente não existe compromisso com meta de sucesso e riqueza, nem com o medo de fracasso e pobreza.

Manter a liberdade, para nós humanos, significa manter os pés no chão, caminhando, em outros termos, estar aberto ao que acontece, apreendendo, percebendo, exercendo a possibilidade do encontro, do desencontro. O não estar comprometido com resultado e realização de desejo é o que permite a liberdade, permite abrir os olhos e enxergar, abrir os braços e abraçar ou empurrar, enfim, o que importa é o processo de estar vivo no mundo com o outro e não o resultado do que pode ser obtido com esse encontro, e isso estrutura autonomia, condição de aceitação de si e do outro sem submissão, sem medos, sem fingimentos.

Vida é efeito, efeito virando causa, ou melhor, vida é continuidade, é o psicológico movendo o ser humano, e isso é destruído quando ele é substituído por direcionamento para resultados como, por exemplo, ser rico, ser belo, ser jovem, ser famoso, ser um espírito dedicado a Deus etc.

É preciso ficar claro que não temos que ser ou não ser o que o sistema nos permite ou propõe. Não existe razão para que alegria e felicidade pelo poder e riqueza, com sua alternativa de queixa e infelicidade pela pobreza, sejam as opções humanas. O que tem que existir é o constante questionamento acerca da aceitação dos limites: mantê-los ou transformá-los. Viver é aceitar o que está acontecendo, questionando suas implicações, e assim poder ou não realizar o estar no mundo com os outros.

Perceber que todos somos iguais, não inventar seres melhores, nem piores. Somos iguais, e criar diferenças é a regra gerada pelos sistemas econômicos, sociais, religiosos alienadores que induzem o ser humano a se apoiar em tais diferenças, ou na busca da igualdade original, para que tudo se justifique. Não pode se partir do distorcido e errado para atingir o límpido e certo.

Viver o presente, não cair em dicotomias, aceitar os limites é o que possibilita mudança. Caso isso não ocorra continuaremos atrás de resultados: ser o melhor, o mais laureado, o que mais possui medalhas, e assim a vida é o pódio onde o drama humano de mentiras, ganâncias e poder se desenrola.

A única solução é ser o que se é. É muito fácil: basta viver o que acontece enquanto acontece, mas também é muito difícil, pois se está sempre sinalizado por indicação de “positivo, negativo, é o bom, não vale a pena”. Ser feliz é tão fácil quanto respirar, e tão difícil quanto respirar quando estamos em locais poluídos, cheios de metais e gases poluentes ou outras evasões tóxicas, ou com pulmões invadidos por vírus ou bactérias (equivalentes psicológicos de desejos e medos).

Não ter meta, se relacionar com o que acontece como o que está acontecendo, é o que nos mantém no eterno caminhar, na continuidade do existir. Ter que provar, ter que conseguir, ter que realizar, ser o melhor, deixar de ser o ruim, o pior, são aniquiladores da individualidade. Para vivenciar o presente basta aceitar o que se é, o que acontece. Essa simples coisa se torna hercúlea diante das restrições e processos oferecidos pela família, pela escola, pelo sistema.