A maior parte da Humanidade acredita que vida bem vivida é aquela que se caracteriza pela realização de sonhos, propósitos e desejos, tanto quanto pela resultante de inserções felizes, sinonimizadas como sucesso e valorização profissional, familiar e social. Nisso também estão inseridas as visões místicas, as afinidades e sincronias eletivas realizadas com o divino. Enfim, vemos que o que é sempre privilegiado é o externo, o além do próprio indivíduo.
Imaginar que a realização da individualidade se faz por meio do plano interno/externo é fracionador. Estabelece um dualismo que leva o ser a se perder no mundo ou se isolar do mesmo. É um mero artifício imaginar abordagens do tipo dentro e fora, externo e interno como configuração da individualidade, como configuração do ser humano. E quando isso é feito, se é feito com coerência e lógica, se descobre que tudo depende do sujeito, do indivíduo, mesmo que se refira a subjetivo imaginando-o diferente de objetivo.
O ser está no mundo. O mundo é o seu espaço, seu tempo, sua morada como dizia Heidegger. Wittgenstein, em 1919, escrevia que
uma vida boa não se baseia em motivações objetivas, mas em decisões radicalmente subjetivas.
Essa era uma ideia resumida de seu empenho em devolver ao homem sua humanidade, ao invés de tratá-lo como uma peça de organização reducionista e mecanicista, como era a visão biológica do homem que afirmava que aquele que nasce, cresce, procria e se satisfaz é feliz na consecução de seus objetivos enquanto espécie sapiens.
Responder ao que é proposto, seguindo ou mudando o proposto, deixa o ser humano em uma configuração binária de errar/acertar, manter/mudar, concordar/negar que não esgota suas infinitas possibilidades. Sem transformar as contradições em sínteses geradoras de novos questionamentos, de antíteses, nada continua. Tudo para, estanca. É a conservação, a manutenção, a sobrevivência. Desse modo o ser humano é transformado no animal inteligente e perspicaz que melhor sobrevive, e que morre quando não aprende as lições. Reduzido apenas a respostas, seja sim ou não, acertando ou errando, cria uma rede artificial de objetividade, de coisa de fora que o atinge. Manter o conseguido, o ensinado, aperfeiçoando e ampliando é também uma maneira de seguir, de continuar sem transformação. Há repetição e geração de ancoradouros, bunkers, sistemas de segurança que criam vazio, tédio, despersonalização, tristeza, depressão e medo.
Não existe esta divisão: subjetivo e objetivo. Sujeito e objeto são polos de um eixo. O pensamento filosófico/psicológico enfocou os polos, os posicionamentos, quebrando ou desprezando o eixo, a relação configurativa de sujeito e objeto. Pensar no ser humano como separado de seu mundo (sociedade, família, outros) é um erro. O indivíduo é uma interseção de infinitas variáveis e quando ele as transcende, ele realiza o que Wittgenstein afirma ser uma vida boa, aquela que se baseia em decisões subjetivas e não em motivações objetivas, enunciado de uma maneira dualista por Wittgenstein, mas que apreende a totalidade. Em minhas palavras, o indivíduo tem uma vida boa quando suas decisões são coerentes, consistentes com suas vivências.
Viver, ter uma vida boa, em última análise é apreender contradições e assim realizar sínteses que trazem o novo, trazem perspectivas e surpresas. O ir além do posto e determinado é o que faz a roda girar, é o que traz transcendência de limites, faz vivenciar o presente e ter decisões libertadoras.
A descoberta da liberdade de exercer suas infinitas possibilidades é o que realiza e satisfaz o ser humano. Fora dessa liberdade ele encontra aprisionamentos que apenas esclarecem acertos, erros, dificuldades, facilidades, tudo centrado em carências, em situações além da própria individualidade. A liberdade de descobrir o limite do que aprisiona é configuradora de eldorados mágicos e realizáveis. Isso é o que traz felicidade, harmonia e satisfação em estar no mundo com o outro, com os outros, consigo mesmo.