Tive o prazer de ir a um show de Paul McCartney no Maracanã, em 2023. Foi uma apresentação maravilhosa do ex-Beatle, em que o comum ali entre os espectadores era a comoção: famílias emocionadas, lágrimas, até mesmo entre os mais jovens que não viveram a Beatlemania, como este que vos escreve. Certamente, foi um dos eventos que formaram uma aura em minha memória.

Minha relação com os Beatles começou por causa da minha mãe. Quando eu era criança, vivíamos na estrada, e por ser a banda favorita dela, era constante ouvir os CDs da banda.

Não há dúvida de que foi um dos shows mais emotivos de que já tive a felicidade de ser espectador.

Contudo, uma situação me chamou a atenção: uma mulher, que aparentava ter seus 30 anos, passou considerável parte do tempo se filmando, esperando os famosos reactions, possivelmente para abastecer suas redes sociais, o que, por si só, não é um problema. A questão é: vivemos em uma sociedade em que a emoção existe apenas se compartilhada?

Não sou adepto de redes sociais, então minhas emoções são compartilhadas apenas com aqueles que estão presencialmente comigo ou com meu ciclo mais restrito de amizades. Penso que as emoções podem ser sentidas fisicamente, como aquele sorriso que surge de forma inocente e natural, ou até mesmo quando você sente um “tremelique” no peito. Julgo essa a forma mais bela, intensa e privada de felicidade.

E talvez a que mais importa.

Dessa forma, ouvir “Blackbird” ou “Let It Be” e viver as sensações físicas daquele momento pode ser eternizado em sua memória, não só como música, mas também como experiência. Enquanto a gravação desses momentos será eternizada na memória eletrônica, ou na nuvem, e nunca se tornará uma experiência, apenas algo que vai ser lembrado de forma esporádica.

Essas emoções são igualmente identificadas no primeiro olhar de quem estamos interessados, naquela antecipação antes do primeiro beijo, e, mais relevante na sociedade moderna, ao receber uma mensagem daquela pessoa de quem você tanto quer a atenção e o interesse.

Esses momentos são impossíveis de registrar, ou seja, a emoção genuína é imperceptível aos olhos dos outros, apenas a nós mesmos, e ao sentimento que dali nasce.

Além disso, eu sinto falta desses momentos exclusivamente únicos, em que viver é sentir o poder de emocionar de uma música, o calor do sol nos dias ensolarados de inverno, ou, mais clichê de todos, a sensação da grama nos pés descalços. São momentos assim que fazem a vida realmente valer a pena, em que, anos depois, ao relembrar, os detalhes te transportam para aquele local, com a aura que nos arranca um sorriso.

A vida é feita de detalhes, e o post feliz ou o reaction são incapazes de transmitir o que há de mais importante na memória: a aura. De forma exemplificativa, entre os meus vinte e vinte-cinco anos eu adorava beber uísque, de preferência com mais de doze anos, e, além de adorar a bebida em si, os detalhes eram o ponto central: o barulho do gelo quebrando ao entrar em contato com a bebida, o exalar do primeiro momento.

Nenhuma câmera, por melhor que seja, vai ser capaz de absorver e transmitir as particularidades desse momento, assim como não conseguirá reproduzir a sensação e a verdadeira emoção de ouvir, mesmo se filmando, o trecho de certa música que diz:

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise

A felicidade reside nos detalhes, e os detalhes não se reproduzem.