“O desenvolvimento indiscriminado de uma inteligência artificial poderia indicar o fim da humanidade.”
(Stephen Hawking, março 2018)
Yuval Harari (2017) sintetizou a História da Humanidade, desde a génese, há 2,5 milhões de anos, com o Homo na África Oriental, e um desenvolvimento, diáspora e transformação, elencando nove espécies (Homo neanderthalensis, Homo erectus, Homo soloensis, Homo floresiensis, Homo rudolfensis, Homo ergaster, Homo denisova, Homo luzonensis e nós, o Homo sapiens), das quais, seis teriam coexistido na terra há 100 mil anos, coexistência que terminou há 13 mil anos com a extinção do Homo floresiensis (Harari, 2017). Restamos nós, Homo sapiens, com “esqueletos no armário”: o mistério das outras extinções.
E estamos a verificar que a vida, tal como a vivemos, é insustentável: a Great Acceleration torna-o evidente. Basta um indicador para o demonstrar: em cerca de 2 séculos, esgotamos as reservas de biomassa energética produzida em centenas de milhões de anos.
Encaminhamo-nos para A Sexta Extinção: Uma História Não Natural (2014), segundo Elizabeth Kolbert e muitos outros, uma nova extinção em massa, a do Antropoceno, como as cinco precedentes: 1ª há 450 milhões de anos (período Ordovícico Superior); 2ª no Devónico Superior; 3ª no final do período Pérmico; 4ª há 200 milhões de anos (no Triásico Superior); 5ª no final do período Cretácico, quando um asteroide colidiu com a Terra. E também contribuirão para ela factores externos: investigadores identificaram um ciclo de impactos de meteoros de 26 milhões de anos coincidente com as extinções em massa dos últimos 260 milhões de anos5 , tendo, também, verificado que 5 das maiores crateras de impacto coincidem com a 5 ocorrências dessas mesmas extinções.
Que resposta(s) para esta situação?
A Agenda Mundial com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Sustainable Development Goals) até 2030 parece um produto de boas intenções e de declarações que pouco contraria, efectivamente, o progresso da Great Acceleration.
Em 1980, em Silicon Valley, surge o Transumanismo, pela pena de um futurista conhecido como FM-2030 9 a defender a superação das limitações humanas (físicas, intelectuais e existenciais) pelo recurso à tecnologia, em especial, à Inteligência Artificial, anunciando uma super-Humanidade fundindo o homem e a máquina. Refracta- se neste novo ideal 10 esse oitocentista além-homem ou super-homem (o Übermensch de Assim Falou Zaratustra, de Friedrich Nietzsche…
Francis Fukyyama, em Our Posthuman Future: Consequences of the Biotechnology Revolution (2002), considera que essa via é a de maior perigo que o Homem enfrenta, maior do que o da bomba atómica (Elon Musk): fascinado por vencer a lei mais básica da vida (a morte), abeira-se do pacto faustiano que o matará como espécie…
Eis, pois, frente a frente, duas perspectivas transumanistas em mútua acusação e suspeita: os ‘pós-humanistas’, defendendo a disponibilização de tecnologias de melhoramento humano, de modo a favorecer a escolha de cada um, inclusivamente, em relação aos seus filhos, solução para os limites humanos e para os problemas da vida; os ‘bioconservadores’ (como Leon Kass, Francis Fukuyama, George Annas, Wesley Smith, Jeremy Rifkin e Bill McKibben), opondo-se a essa hipótese, temendo a abertura de uma caixa de Pandora incontrolável e a modificação genética consequente, e invocando a ética e a dignidade humana. A ideia de um super-homem associa-se inevitavelmente às de desumanização, eugenia, robotização…
Entre ambos os lados, a imaginação vai desenhando os monstros de cada um: Frankenstein, ou o Prometeu Moderno (Frankenstein, or the Modern Prometheus, 1831) fantasmiza a cena, como um holograma em metamorfose. A observação do híbrido mantém-se tensionada entre atracção e repulsa. Em linha de fuga, outro híbrido impunha os seus enigmas: a antiga Esfinge, misto de homem, ave, leão e réptil, desenhando no seu corpo o itinerário da hominização e desafiando o heróico Édipo a pensar o da existência, as idades do homem…
O mito de Prometeu/Frankenstein (médico, no caso) acena com o fogo do conhecimento e da civilização, mas também com os seus perigos…
E, se de híbridos e monstros falamos, recordemos que, do mesmo encontro de amigos das Letras, dois surgiram no romance gótico e fascinaram até hoje: O Vampiro (1819), de John William Polidori, que inspiraria Bram Stoker no seu Drácula (1897), e a “criatura” sem nome que Frankenstein cria. No século da Ciência, séc. XIX, um remonta ao passado comunitário e outro parece anunciar um potencial futuro, nostálgico do Paraíso Perdido que cita em epígrafe (três versos de John Milton, de 1667) e que a “criatura” lê.
Aqui, porém, os híbridos são outros: avatares, cyborgs, etc.. 12 Apesar de manterem a associação a Prometeu em título de Ihab Hassan: Prometheus as Performer: Toward a Posthumanist Culture? A University Masque in Five Scenes (1976).
Mas vejamos bem os objectivos que anuncia o site 2045 em inglês e russo, projecto do Transumanismo em que conta já com 47.809 membros:
Fundada pelo empresário russo Dmitry Itskov em Fevereiro de 2011 com a participação de especialistas russos líderes no campo de interfaces neurais, robótica, órgãos e sistemas artificiais.
Os principais objetivos da Iniciativa 2045 : a criação e a realização de uma nova estratégia para o desenvolvimento da humanidade que atenda aos desafios da civilização global; a criação de condições óptimas que promovam a iluminação espiritual da humanidade; e a realização de uma nova realidade futurista baseada em 5 princípios: alta espiritualidade, alta cultura, alta ética, alta ciência e altas tecnologias.
O principal megaprojeto científico da Iniciativa 2045 visa criar tecnologias que permitam transferir a personalidade de um indivíduo para um portador não biológico mais avançado e prolongar a vida, inclusive até o ponto da imortalidade. Dedicamos atenção particular a permitir o diálogo mais amplo possível entre as principais tradições espirituais do mundo, ciência e sociedade.
Uma transformação em larga escala da humanidade, comparável a algumas das principais revoluções espirituais e científicas da história, exigirá uma nova estratégia. Acreditamos que isso é necessário para superar as crises existentes, que ameaçam nosso habitat planetário e a existência contínua da humanidade como espécie. Com a Iniciativa 2045 , esperamos realizar uma nova estratégia para o desenvolvimento da humanidade e, ao fazê-lo, criar um futuro mais produtivo, gratificante e satisfatório.
A equipe "2045" está a trabalhar para criar um centro internacional de pesquisa, onde os principais cientistas se envolverão em pesquisa e desenvolvimento nas áreas de robótica antropomórfica, modelagem de sistemas vivos e modelagem de cérebro e consciência, com o objetivo de transferir a consciência individual de alguém para um transportador artificial e alcançar a imortalidade cibernética.
Na agenda transumanista, há um cronograma de construção de um corpo humanóide sintético com upgrades de 5 em 5 anos, cada etapa com o seu modelo de Avatar 16 : Avatar A (robot antropomórfico controlado por uma interface cérebro-computador); Avatar B (com sistemas de suporte para funções vitais do cérebro); Avatar C (Rebrain) (portadores sintéticos de personalidade e consciência); Avatar D (avatar tipo holograma).
Só com esta agenda, sentimo-nos a entrar no que sempre circunscrevemos no campo da ficção científica e que, muito relutantemente, já vamos cedendo a designar como antecipação científica!
Trata-se de uma agenda tão mais surpreendente quanto a verdade é que a cartografia do nosso (des)conhecimento é cheia de ‘buracos negros’, como os 125 que a Science, no seu 125º aniversário, enumerou sobre o universo, a vida e o homem, destacando 25 mistérios sobre 8 áreas do conhecimento, recaindo sobre 2 (Genética e Biologia) dos maiores. Isto, numa altura em que a Biologia, a Medicina e a Biotecnologia entraram na sua idade de ouro, concluída a fase do sequenciamento do DNA do projeto Genoma Humano em 2000. Isto, numa altura em que a National Science Foundation se questiona:
Neste momento único na história do progresso técnico em que o aperfeiçoamento da performance humana se torna possível, e tal aperfeiçoamento é buscado com vigor, poderia atingir a idade de ouro que seria o ponto de viragem para a produtividade e qualidade de vida.
Na mesma linha, James Watson, co-descobridor da estrutura do DNA, coloca a questão de forma muito simples: “se podemos construir seres humanos melhores ao sabermos como acrescentar genes, por que não deveríamos fazê-lo”?
A via transumanista (H+) reclama prestigiada linhagem, assinalando nela o humanismo renascentista, com Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494), articulando o homem como seu próprio criador na caminhada para “formas mais altas, divinas” com o projecto prometeico da ciência empírica defendida no Novum Organum, de Francis Bacon (1561- 1626), visando submeter a natureza ao homem e “tornar tudo possível”, e valorizando o racionalismo. Stefan Lorenz Sorgner , Max More (Tranhumanism: Towards a Futurist Philosophy, 2009) por seu turno, relaciona o ideário de “potenciamento tecnológico” aos ideais de Nietzsche. Enfim, no seu histórico sinuoso, outras referências se assinalam. Na Europa, p. ex., na fase da 1ª Revolução Industrial, destaca-se a valorização entusiástica da ciência e da tecnologia na promoção de uma nova sociedade por personalidades como Saint- Simon (1760-1825) e Auguste Comte (Cours de philosophie positive, 1830-1842). Nos EUA, salienta-se a California Ideology, designada por “anarco-capitalismo”, melting pot que vai da contracultura comunitarista dos anos ’60 ao neoliberalismo. Silicon Valley é o epicentro do H+, alfa e ómega do movimento: World Transhumanist Association, Singularity University, Google, Facebook, PayPal...
Registe-se que, simbolicamente, o movimento já tem The Stone Clinic, que abre a página com o título “Immortality” , e a Alcor, em Scottsdale, Arizona, que conserva 147 cérebros e corpos congelados em nitrogénio líquido para um dia serem ‘resgatados’, na expressão de Max More, CEO da empresa, e que, em 2015, já contava com 1.054 contratos assinados por candidatos ao mesmo. Muitos bilionários aspiram a essa imortalidade. E em circunstâncias definidas:
The critical thing is how fast we get to someone and how quickly we start the cooling process,” More said. In order to ensure that can happen, Alcor stations equipped teams in the U.K., Canada and Germany and offers members a $10,000 incentive to legally die in Scottsdale, where the record for getting a patient cooled down and prepped for an operation is 35 minutes. Next, a contracted surgeon removes a patient’s head if the member selected Alcor’s “Neuro” option, as it’s euphemistically called, in hopes that a new body can be grown with a member’s DNA once it comes time to be thawed out. It’s also the much cheaper route. At a price tag of $80,000, it’s less than half the cost of preserving your whole body. “That requires a minimum of $200,000, which isn’t as much as it sounds, because most people pay with life insurance” More said.
Contra a via transumanista, em qualquer das suas perspectivas (a ‘pós-humanista’ e a ‘bioconservadora’, mas outras também 24), muitos se posicionam em nome do que suspeitam, observam ou antecipam, invocando razões perturbadoras de ameaça à espécie humana 25 : a exploração em massa para aquisição poder global no mundo, a perda de espiritualidade, a perda de humanidade, o controlo dos indivíduos, recurso a sofisticadas formas de vigilância de massas, algumas ameaças graves para a saúde (através de vacinação ou implantes) e o armamento. Max Igan assinalou, p. ex., que "A 5G Roll-out e AI vão transformar a sociedade humana até 2025!"
O homem-máquina, com tudo o que lhe está associado e essa via arrasta , porém, não é o único problema!
No próximo texto, veremos qual é…